Acesso de Musk a dados do Tesouro indica risco de conflito de interesse

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GUILHERME TAGIAROLI
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

O empresário Elon Musk, chefe de eficiência governamental dos Estados Unidos, e a equipe dele tiveram até o último sábado (8) acesso irrestrito a dados do Tesouro -naquele dia a Justiça norte-americana vetou a permissão. Especialistas ouvidos pelo UOL veem no acesso riscos que envolvem conflitos de interesse e falta de segurança dos dados, entre outros.

O acesso irrestrito de Musk e sua equipe a dados do governo dos EUA gerou preocupação. Estima-se que o bilionário teve acesso por até três dias a dados da Medicare (programa de saúde) e do sistema de pagamentos do governo e a benefícios de veteranos. O sistema do Tesouro também inclui dados sobre salários federais, programas educacionais e contratos com o governo.

Elon Musk foi nomeado pelo presidente Donald Trump chefe do Doge (Departamento de Eficiência Governamental), órgão que promete reduzir o tamanho da máquina pública. Trata-se, contudo, de uma estrutura fora do governo.

Musk diz que é funcionário especial do governo, mas de forma voluntária, sem receber pagamento pelo trabalho. Mesmo assim, defende que tem poder de realizar cortes de gastos por meio de ordens executivas de Trump -o que é contestado por advogados. A equipe dele também atuaria de forma voluntária.

Chantagem a adversários e informações de competidores. Especialistas dizem que informações sobre gastos de saúde podem revelar segredos de adversários políticos e identificar pessoas que integram programas de proteção a testemunhas.

Acesso a contratos pode dar vantagem competitiva a Musk. O empresário é dono da SpaceX (empresa espacial com contratos com a Nasa), da Tesla (empresa de carro elétrico que recebe subsídios e tem empréstimos do governo) e da rede social X.

“Quando você tem um bilionário que tem vários contratos com o governo decidindo o que deve e o que não deve ser cortado é problemático. Há um grande risco de conflito de interesses”, disse Ricardo Maffeis, advogado especializado em direito digital.

É um grande risco para a política de Estado norte-americana”, diz o advogado Victor Del Vecchio, mestre em direito internacional. Para ele, Musk é “capaz de flexibilizar limites éticos em prol de seu lucro”.

A manipulação de dados por pessoas de fora do governo também gera preocupação de vazamento, roubo ou uso para outros fins. Para David Super, professor de direito administrativo da Universidade de Georgetown, dados sobre gastos do governo são úteis para países adversários (como Rússia, Irã e China) – acessos sem a devida segurança podem facilitar o hackeamento e comprometer a segurança nacional e de cidadãos dos EUA.

Brasil já teve caso de desvio de função que acabou em demissão de ministro, exemplifica Maffeis. No primeiro governo Lula, o ex-ministro da Fazenda Palocci foi demitido após ser acusado de ter vazado informações do sigilo bancário do caseiro Francenildo, que depôs contra ele em uma CPI.

Posteriormente, Palocci foi absolvido, mas o presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) à época, Jorge Matoso, foi responsabilizado. Havia a suspeita de que o caseiro recebeu dinheiro para denunciar Palocci.

DETERIORAÇÃO DO ESTADO E DO FUNCIONALISMO

“Somos voluntários, não funcionários do governo. Diferente de comissões de governo e comitês, nós não faremos só relatórios. Vamos cortar gastos”, diz artigo assinado no Wall Street Journal por Musk e Vivek Ramaswamy, empresário que também faz parte da empreitada. Ambos foram doadores da campanha eleitoral de Trump.

Órgão externo ao governo não tem competência para cortar gastos. Para o professor da Georgetown, haverá uma grande batalha judicial, dado que Musk confia que os pedidos do Doge serão resolvidos com uma ordem executiva de Trump.

“A Constituição dos EUA diz que quem controla o dinheiro é o Congresso, não o presidente. O Congresso representa as pessoas e apenas ele autoriza que o dinheiro saia do Tesouro. Mesmo se cortar gastos sem critério ou atrasar pagamentos, ele pode violar outra lei, a Prompt Payment Act, que diz que o governo federal deve cumprir seus compromissos”, disse David Super, professor da Universidade Georgetown.

Parte do enxugamento adotado pelo Doge envolve a demissão de mais de 65 mil funcionários do governo. Segundo o New York Times, o número representa menos de 3% do funcionalismo público norte-americano e faz parte de um “programa de demissão voluntária” sugerido pelo departamento de Musk.

Críticas a agências e funcionários públicos. Desde o ano passado, Musk publicou no X nomes de funcionários federais da área climática que ele não sabia o que fazia, fez críticas a agências federais, como a Usaid (agência voltada a ajuda internacional) – a qual chamou de “organização criminal” – e tem colocado funcionários de licença administrativa para não atrapalhar suas ações no Doge.

Desmonte do Estado e deterioração da carreira pública. Maffeis e Super concordam que cortes sem critério têm risco de desincentivar o funcionalismo público e, no curto prazo, podem atrapalhar o atendimento ao público em diferentes frentes. “Se tiver uma nova pandemia, trabalhadores de agências de saúde vão preferir ir para empresas. E essas pessoas têm anos de experiência e sabem de regulação para implementar políticas”, exemplifica o professor da Georgetown.

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