Apoio de líder indígena e votos nulos podem definir 2º turno histórico no Equador

"Leonidas Iza "

MAYARA PAIXÃO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)

O mesmo Leonidas Iza, líder indígena que, com seu poncho vermelho, ficou famoso por levar às ruas protestos desestabilizadores para o governo do Equador em 2019 e em 2022 agora pode ser peça-chave para definir o histórico segundo turno do país em abril.

Ele foi o terceiro mais votado em um primeiro turno histórico que transbordou, entre outras coisas, a extrema polarização nacional. Iza conseguiu 5,2% dos votos, mas essa pequena fração pode ser substancial para os dois nomes no segundo turno: Daniel Noboa (atual presidente, de direita) e Luísa González (esquerda).

Pela primeira vez em sua história o Equador teve dois candidatos passando para o segundo turno com mais de 40% dos votos cada um. Noboa aglutinou 44,2%; González, 43,8%.

Como meros decimais afastam os concorrentes, daqui até 13 de abril a disputa é de quem tem mais potencial para atrair alianças (e, para isso, Leonidas Iza é fundamental) e quem consegue converter um voto branco ou nulo em potencial apoio -essas duas categorias somaram 8,9% dos votos totais.

A grande maioria das pesquisas confiáveis de intenção de voto apontava para uma vantagem percentual de Noboa no primeiro turno, o que não se confirmou. Aparentemente frustrado, o presidente de controverso mandato-tampão, marcado por uma política de militarização da segurança pública, deixou apoiadores e jornalistas esperando horas a fio na noite do domingo e não se pronunciou.

O fez nesta segunda-feira (10), em um comunicado que, para os desavisados, dá a impressão de que ele já triunfou. “Ganhamos o primeiro turno contra todos os partidos do velho Equador”, escreveu ele, dado o fato de que saiu na dianteira, ainda que por pouco.

Luisa González participou de uma entrevista coletiva na sede de sua campanha quando a chance de um segundo turno já era incontestável pelos dados oficiais e deu sinais importantes ao ouvido atento: parabenizou Iza por sua votação (nanica para alguns, mas de grande relevância para alguém como ela neste momento).

O dilema é que essa não seria uma parceria nem um pouco simples ou mesmo provável. Advogada e ex-deputada, González é o atual rosto da Revolução Cidadã, o movimento político fundado por Rafael Correa, presidente de 2007 a 2017 que parece operar do seu exílio na Bélgica toda a estratégia da campanha da apadrinhada. E Correa é, talvez, a figura mais polarizadora do Equador.

“Por parte das organizações indígenas e de seus dirigentes, não há possibilidade de apoio à direita de Noboa. A dúvida é se orientarão ao voto nulo ou em Luisa González”, explica à reportagem Pablo Ospina Peralta, professor da Universidade Andina Simón Bolívar e um dos principais especialistas em movimento indígena na região. “Ainda assim, isso são as organizações. Outra coisa muito distinta é o que fazem os votantes. E os votantes indígenas ou influenciados pelo movimento indígena tradicionalmente votam contra o correísmo.”

Iza é o candidato do Pachakutik, o braço político da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, a Conaie, que tem um importante potencial de mobilização popular. O grupo chamou protestos massivos contra o ex-presidente Lenín Moreno em 2019 devido a uma austera reforma econômica e também o fez em 2022 contra o ex-presidente Guillermo Lasso por razões semelhantes. Iza chegou a ser detido pela polícia.

A pedra angular da oposição do movimento indígena ao correísmo é a mineração. Os governos de Correa ficaram conhecidos por megaprojetos nesse setor com empresas internacionais, muitas delas chinesas -o país com o qual hoje o Equador tem uma dívida bilionária.

Há ainda uma desavença antiga pelo fato de a administração de Correa ter tirado da Conaie a gestão das escolas bilíngues do Equador, que ensinam o espanhol e também o quéchua, para implementar seu projeto de Escolas do Milênio, voltadas para a educação integral e tecnológica. Há uma década os indígenas afirmaram que houve pouco diálogo e que as tradições estavam se perdendo.

Peralta, da Simón Bolívar, vê uma estreita fresta de oportunidade de aliança em um cenário hipotético no qual González aceite, por exemplo, uma espécie de pausa na mineração por um período pré-estipulado, mas diz não ver chances de a correísta aceitar fazê-lo.

Em seu programa de governo, o movimento indígena propõe: 1) uma moratória de todas as futuras concessões e projetos de mineração; 2) a suspensão das permissões dadas para novas concessões ou ampliação de projetos já em vigor até que sejam auditados; 3) auditorias de todos os projetos petroleiros e de mineração em vigor.

González não toca no tema em seu programa de governo. Diz, unicamente, que é preciso combater a mineração ilegal, mas não fala do setor que opera com anuência do Estado.

Será preciso ver a capacidade da esquerda de buscar apoios e fazer concessões em áreas que até há pouco tempo eram entendidas como fundamentais para seu projeto. Analistas locais ponderam que o segundo turno será marcado não por um voto tradicional, mas pelo “voto de rechaço”: votará em Noboa não quem necessariamente apoia seu projeto, mas quem quer o projeto de Rafael Correa bem longe da Presidência; o mesmo, ao inverso, vale para González.

Se levadas em conta as palavras de Iza no final deste domingo, entende-se que a negociação custará bastante para González. “Me dizem ‘senhor Iza, o senhor vai definir o segundo turno’. Não, não é o ‘senhor Iza’, quem vai definir é o poder coletivo. De modo que terão de esperar, a nossa decisão será tomada coletivamente”, disse ele.

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