Rumores sobre aliança entre CV e PCC; O que está por trás da negociação

As duas principais facções criminosas do Brasil, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), estariam negociando uma trégua entre os blocos “Tudo 2” e “Tudo 3”, conforme apontam rumores que circulam desde o ano passado. O objetivo da aliança seria a flexibilização das regras do Sistema Penitenciário Federal (SPF), que impõe restrições severas aos principais chefes das organizações criminosas, incluindo a proibição de visitas íntimas e contatos limitados com advogados e familiares.A possibilidade de um acordo entre as duas maiores organizações criminosas do país tem sido monitorada em presídios estaduais, como o Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. A informação foi inicialmente divulgada pelo portal Metrópoles, que revelou indícios da negociação.Em entrevista ao portal A TARDE, o advogado Vinícius Dantas, Mestre em Segurança, Direito Penal e Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, na Espanha, e pós-graduado em Criminologia, explicou os impactos de uma possível união entre PCC e CV.Sistema Penitenciário Federal e as restrições aos chefes do crime”O Presídio Federal abriga detentos de um grau elevado de periculosidade. Então, lá existem outras regras: não há visita íntima, o acesso ao advogado é mais restrito, as visitas de familiares não ocorrem com frequência, os detentos ficam em celas individuais, e o banho de sol é reduzido. É um regime mais rígido, sem tanto contato externo.””Podemos dizer que lá é mais organizado do que uma unidade prisional comum, porque, em uma unidade normal, toda quinta-feira tem visita — ou toda quarta, dependendo do local. Há um dia da semana para visita íntima, e o advogado pode visitar o preso a qualquer momento. Mas é importante frisar que essas informações não partem exclusivamente de advogados e visitantes. Existem muitas fontes de contato, e cada vez mais pessoas são corrompidas. O que é corrompido são as pessoas, não a classe à qual pertencem.”Histórico e evolução das facções no Brasil”Hoje, as facções criminosas no Brasil, por exemplo, o Comando Vermelho, nasceram no presídio da Ilha Grande, em 1979, junto com os presos políticos. Eles começaram a pensar de uma forma diferente e criaram o Comando Vermelho, que teve como um de seus criadores Rogério Lengruber. E o que aconteceu? Eles foram se organizando, organizando e organizando, até que se tornaram um tipo de empresa. Lógico que essa é uma analogia, para que quem ouça entenda melhor como funciona, porque cada um tem uma função, certo?””Durante muito tempo, foi o maior grupo, a maior organização criminosa, a maior facção do Brasil. Só que, em 1993, no presídio de Taubaté, nasceu o Primeiro Comando da Capital, o PCC. A organização deles, no entanto, foi muito melhor do que a do Comando Vermelho. Apesar de ser mais antigo, o Comando Vermelho começou a enfrentar o Terceiro Comando, o ADA, o Terceiro Comando Puro e outras facções criminosas. Enquanto isso, em São Paulo, os criminosos se uniram, e lá só existe uma facção criminosa.”Impacto de uma possível união entre as facções”Então, se houver uma aliança entre todos eles, durante um tempo será proibido roubar. Todos esses crimes menores do que o tráfico, supostamente, deixarão de ser praticados nas comunidades e próximo das comunidades dominadas pelo tráfico. Hoje, vamos dizer que tem a comunidade X: na comunidade que aquela facção domina, ela não permite que haja roubos ali e nem próximo dali. Mas, se tudo for um conjunto, não será possível praticar assaltos.””Se eles se unirem, será que não vão traçar um plano para facilitar a vida daqueles que estão à frente disso? Creio que sim. Mas não podemos dizer que essa possível união aconteceria apenas por esse motivo. Entendeu?”Possíveis consequências para o Estado e a segurança pública”A organização do Primeiro Comando da Capital, combinada com a experiência de combate urbano que existe no Rio de Janeiro, ficará muito mais forte, e aí vai acontecer o seguinte: durante um tempo, eles vão deixar de roubar, de assaltar, vão proibir roubos a bancos e tal, mas depois isso vai proliferar muito mais rápido.””Vai ser muito mais difícil para o Estado entrar ali, fiscalizar e proibir alguns abusos que eles mesmos cometem contra outros internos. E aí você pergunta: ‘Você é contra ou a favor da união deles?’ Eu não sou nem contra nem a favor de que façam um acordo ou não.””Acredito que não deveria existir facção, entendeu? Não é uma questão de ‘vai ser melhor ou pior’, já é ruim, e vai ficar pior ainda. Porque, se hoje eles se preocupam com os inimigos e com o Estado, ao se unirem, só vão se preocupar com o Estado. E aí a situação vai piorar.””Acho que, se o Estado não tomar uma atitude e permitir essas alianças… Não que o Estado deva dizer “vou impedir que vocês façam uma aliança”, mas tem que combater as duas, juntas ou separadas, combater todas. Se eles se unirem, é fato que um trará expertise em uma área, outro trará experiência em outra — se é que dá para chamar isso de expertise ou experiência.”Trabalho de combate e monitoramentoA delegada-geral da Polícia Civil da Bahia, Heloisa Brito, comentou a respeito da possibilidade de movimentação dessas organizações criminosas nesse sentido. “No ano passado, a Polícia Civil criou o Núcleo de Acompanhamento Prisional, uma equipe composta por delegados e investigadores que trabalham continuamente junto aos presídios, monitorando as principais lideranças, seus movimentos e possíveis consequências que possam surgir a partir disso. O objetivo não é apenas investigar e responsabilizar por outros crimes cometidos dentro do presídio, mas também, se necessário, solicitar a transferência para um regime diferenciado”, disse.Ela reforçou a postura firme da segurança pública baiana em relação às organizações criminosas.”A Polícia Civil da Bahia e a segurança pública do nosso estado não vão se moldar nem se submeter às decisões de nenhuma organização criminosa. A lei existe, e a Secretaria de Assuntos Prisionais, por meio do secretário, adotará as medidas que julgar necessárias, contando com total apoio da Polícia Militar e da Polícia Civil, obviamente sob a coordenação da Secretaria de Segurança Pública, para garantir que seja feito o que é certo”.”Paralelamente, qualquer ação que possa ser interpretada como uma possível retaliação será objeto de investigação. Nossas equipes de inteligência já monitoram preventivamente possíveis ameaças, e, a partir dessas análises, tomamos medidas para garantir a tranquilidade da sociedade”, completou.
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