Driblando a vida de sanduíche, que corre mais que o tempo

envelhecer é uma arte

Você já ouviu alguém dizendo “não tenho tempo para tudo o que preciso fazer”? Ou, quem sabe, você mesma já fez esse comentário? É algo que todo mundo diz o tempo todo, não é? E o tempo segue, implacável, enquanto adicionamos mais e mais anos à nossa vida. Confesso que tenho até medo de falar em “envelhecer” — palavra que, ultimamente, soa quase como um tabu, algo que logo poderá ser permitido apenas na deep web.

Desde os 21 anos, me vi imersa nas questões do envelhecimento. Tudo começou quando percebi minha avó se perdendo na rua e exibindo alterações de humor, e minha mãe sem saber como lidar, já que minha avó recusava-se a ir ao médico. Todos sabiam que algo estava errado, mas a impotência era grande. Na minha família, as tarefas sempre foram rigidamente divididas entre homens e mulheres, além de uma hierarquia de idade muito presente. Os homens cuidavam das finanças, seguindo a velha lógica de respeito pelas gerações mais velhas, enquanto as mulheres assumiam tudo o que envolvia a casa: da saúde à administração doméstica. Sem falar em levar os filhos às consultas, fazer compras e dar conta de tudo o mais. E nós, mulheres, sabemos bem o peso que tudo isso carrega, principalmente quando não temos com quem dividir.

Meu avô faleceu cedo e minha avó, para sobreviver, teve que assumir também a parte dele. Com o tempo, ela passou a ajudar minha mãe a administrar o lar e cuidar da casa. Eu, por outro lado, me vi em Brasília, mãe aos 35 anos, longe de parentes e com amigos totalmente focados no trabalho. Só me restaram as babás e o desgaste de aceitar que, por um tempo, não conseguiria mais manter o mesmo ritmo profissional.

Mas voltando ao ponto, minha avó foi piorando, esquecendo detalhes simples do cotidiano, como onde guardava as roupas ou até como preparar uma refeição. Encontrávamos papel higiênico na geladeira e carne no armário de produtos de limpeza. Quando finalmente aceitou fazer exames, o diagnóstico foi demência. Naquela época, falava-se pouco sobre Alzheimer e muito sobre a famosa “Caduquice de Velho”. Ela tinha uns 75 anos, um físico admirável, sem nenhum sinal típico de envelhecimento. Mas ninguém explicou para minha mãe que aquilo seria evolutivo, que minha avó se tornaria totalmente dependente.

Eu sei que não foi fácil para minha mãe, que já carregava um histórico de problemas de saúde e um estilo de vida pouco saudável. Hoje, sou eu quem cuido dela, lidando com as consequências de décadas de alimentação inadequada e falta de atividade física. Às vezes, fico revoltada, como muitas das minhas clientes, que percebem, ao cuidar dos pais idosos, o quanto os pais poderiam estar mais independentes se tivessem se cuidado melhor. Porém, logo passa. Os laços com nossos pais e filhos são tão profundos que as “picuinhas” diárias ficam em segundo plano.

Minha mãe não trabalhou fora e, quando minha avó ficou doente, não tinha mais filhos pequenos, já éramos adultos. Naquele tempo, minha mãe contava com mais ajuda, pois vivíamos em uma cidade pequena, onde a ajuda de vizinhos e parentes era comum. Hoje, em 2025, a realidade é bem diferente. Ter funcionários em casa é um luxo para poucas famílias brasileiras, e a divisão de tarefas continua nada igualitária entre homens e mulheres. Embora tenhamos avançado conquistando direitos como o voto e a liberdade profissional, a sobrecarga para as mulheres é imensa.

A chamada “mulher sanduíche” é uma realidade em todas as classes sociais. Entre o cuidado com filhos, companheiros e pais idosos, essa mulher vive entre dois mundos, pressionada por responsabilidades que, muitas vezes, não são compartilhadas. As mulheres mais abastadas até podem contar com ajudantes, mas nem isso facilita o trabalho pesado de cuidar de idosos e crianças. Isso exige paciência, uma virtude que está se tornando cada vez mais rara. As mães estão exaustas, e ao invés de dialogar com seus filhos, preferem entregá-los a telas para um alívio momentâneo.

Essa mulher sanduíche se vê em conflito constante. Brigas com o companheiro, disputas com irmãos, todos tentando evitar a sobrecarga de cuidar dos pais idosos, muitas vezes com a desculpa de não ter tempo. Em um mundo acelerado, onde cada dia exige mais de nós, a situação se complica ainda mais com a pressão sobre os filhos para serem superprodutivos, falando línguas estrangeiras e se destacando em várias atividades. As expectativas são enormes, e o tempo, cada vez mais escasso.

Mulheres entre 40 e 60 anos formam a primeira geração verdadeiramente sanduíche. Aos 50, temos filhos adolescentes ou ainda crianças e, ao mesmo tempo, cuidamos de nossas mães que, em sua maioria, tiveram filhos mais tarde, como nós. Aos 50 anos, uma mulher pode ter um filho de 11 anos e uma mãe de 74, e, apesar de estarmos no auge da carreira, nos vemos num ciclo de obrigações que não deixa espaço para nossos próprios desejos.

O problema é que, quando nossos pais envelheceram, muitos não imaginavam que chegariam a essa idade. Para eles, viver até 80 anos era um milagre. E agora, com a medicina proporcionando vidas mais longas, enfrentamos o impacto de uma geração que não se preparou para a velhice, que negligenciou sua saúde e não se educou sobre o envelhecimento. Estamos diante de uma pandemia silenciosa de idosos dependentes de cuidados, que poderiam ser mais autônomos se tivessem se cuidado melhor.

Tudo isso tira o sono da mulher sanduíche, rouba sua saúde mental, sua libido, sua vida social e, muitas vezes, sua carreira. Há mais de 20 anos, trabalho com gerontologia e faço a pergunta que muitas mulheres cuidadoras precisam se fazer: onde estão os seus próprios desejos? Quem você era antes de se tornar mãe, filha e esposa? Eu mesma me fiz essa pergunta e, ao perceber que tinha me perdido, hoje ajudo mulheres a se reconectarem com elas mesmas, ensinando-as a cuidar dos pais com mais leveza.

Falar sobre isso é essencial para que todas as mulheres que vivem essa realidade saibam que não estão sozinhas. Nossa vulnerabilidade só pode ser enfrentada com empatia. Por isso, ofereça apoio às outras mulheres ao seu redor, seja paciente, e não as julgue. Se sua amiga tomou a difícil decisão de colocar sua mãe em um asilo, entenda que foi o melhor para todos, inclusive para a idosa.

E, se você é homem e está lendo isso, lembre-se de que o trabalho doméstico, o cuidado com os outros, é o trabalho mais pesado do mundo. Não importa o quanto você se esforce em sua profissão, nada se compara ao desgaste de cuidar de um idoso. Seja gentil com sua companheira, porque ela está enfrentando um grande desafio.

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