BNDES diz que ainda não autorizou recursos a obra da COP30 que impacta espécies ameaçadas

VINICIUS SASSINE
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)

A diretora socioambiental do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Tereza Campello, afirmou nesta quarta-feira (12) que o banco ainda não autorizou a liberação de recursos a uma obra da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas) que impacta uma área de vegetação amazônica preservada em Belém.

Segundo Campello, ainda não houve aprovação, contratação ou liberação dos recursos. O empreendimento custará R$ 242,3 milhões, conforme a previsão feita pelo governo do Pará, responsável pelas obras.

Nenhuma instância do banco, o que inclui a diretoria, deu aval ao empreendimento até agora, conforme a diretora do BNDES.

“Levamos em consideração, sim, as questões ambientais”, disse Campello, em resposta a questionamento da Folha de SPaulo. “Não se pode autorizar uma obra cujo licenciamento ambiental não esteja dentro do adequado. Então ela está sendo analisada.”

A reportagem questionou o governo do Pará sobre as afirmações da diretora do banco e aguarda uma resposta.

Reportagem publicada pelo jornal em 28 de janeiro mostrou que o governo do Pará avança com a duplicação e o prolongamento da rua da Marinha, via que margeia uma área verde em Belém. As obras estão em ritmo avançado, e são apresentadas pela gestão de Helder Barbalho (MDB) como parte do pacote de obras para a COP30.

Segundo a justificativa do governo local, o prolongamento da via será necessário porque milhares de pessoas de fora circularão pela cidade durante o evento, entre 10 e 21 de novembro. Além disso, o alargamento e a extensão da avenida garantiriam melhor acesso ao estádio do Mangueirão, que pode ser usado na abertura da COP30, conforme a justificativa apresentada.

Na placa instalada na frente da obra, há a informação de que o dinheiro será proveniente do BNDES, no valor de R$ 242,3 milhões.

“Essa placa deve ter algum equívoco”, disse Campello. “Nós não tivemos nenhum tipo de liberação para esse empreendimento ainda.”

Na apresentação feita pela diretora do BNDES sobre obras da COP30 custeadas com recursos da instituição financeira, em entrevista coletiva à imprensa em Belém nesta quarta, a duplicação da rua da Marinha aparece como “em análise”.

“Do pacote que a gente vem analisando, essa obra foi uma das últimas a ser apresentada, então a análise dela é mais recente do que as demais. Estamos dando tratamento a esse assunto”, disse a diretora socioambiental do BNDES.

A autorização para o desmate de vegetação amazônica foi dada pelo governo estadual. Documentos do licenciamento mostram que houve aval para supressão de vegetação em estágio moderado de regeneração, com perdas de árvores de 64 espécies, sendo cinco de maior importância ecológica e duas integrantes da lista oficial de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.

Falta um detalhamento da ocorrência da fauna na região, como aponta relatório técnico da Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade) do Pará, que embasou a licença. É o mesmo documento que registra o impacto das obras à flora. No caso da fauna, há possibilidade de ocorrência de 133 espécies de mamíferos, sendo 11 primatas, cita o relatório.

A licença foi concedida em 26 de agosto de 2024, horas após a conclusão do relatório sobre o impacto a flora e fauna -os técnicos disseram sim ao prosseguimento da licença.

Ingá vermelho e embaubarana são algumas das espécies de maior importância ecológica que estão no caminho do empreendimento. As espécies ameaçadas de extinção, na categoria “vulnerável”, são angelim pedra e ucuuba, conforme o relatório da área ambiental.

A Semas afirmou que o empreendimento está dentro da legalidade. “A obra da rua da Marinha integra um complexo metropolitano de mobilidade e compreende mais de um município”, disse. “A atribuição da análise é estadual e a obra possui licença prévia e de instalação.”

O governo estadual ignorou apontamentos de que a competência do licenciamento era do Município, feitos pela própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente -que chegou a negar a concessão da licença em razão dos impactos ambientais- e por MP (Ministério Público) e Justiça do Pará.

O MP moveu uma ação contra o andamento da obra, e a Justiça chegou a determinar a suspensão do empreendimento. A decisão liminar já foi derrubada pelo Tribunal de Justiça do Pará.

A negativa do licenciamento na esfera municipal foi feita na gestão passada da prefeitura de Belém. O prefeito eleito e que assumiu o cargo em 1º de janeiro, Igor Normando (MDB), é aliado e primo de segundo grau do governador do Pará. O município já demonstrou apoio ao licenciamento a cargo do estado.

A diretora do BNDES também respondeu a questionamento sobre o porto de Belém, na área central da cidade, que seria usado para a atracagem de navios de cruzeiro, uma forma de ampliar leitos de luxo durante a COP30.

Os governos federal e do Pará chegaram a dar aval a obras de dragagem na baía do Guajará, necessárias para a chegada dos navios e com previsão de remoção de 6,14 milhões de metros cúbicos de material dragado, que seriam depositados na baía do Marajó.

Diante dos impactos ambientais, os governos desistiram da ideia e transferiram o ponto de atracagem de cruzeiros para o porto de Outeiro, um distrito de Belém.

“Foi dispensada a chegada de grandes transatlânticos [no porto de Belém], e construídas algumas outras alternativas”, disse a diretora do BNDES. “O terminal terá outras utilidades futuramente, que não contem com atropelar qualquer tipo de processo de licenciamento ambiental, ou que a gente atropele qualquer processo envolvendo a dragagem do rio.”

Campello e outros integrantes do governo federal estão em Belém para a visita do presidente Lula (PT) à cidade. Ele terá agendas na quinta (13) e na sexta (14), quando visitará obras da COP30.

Entre as medidas que serão anunciadas, e que foram antecipadas pelos integrantes do governo, estão um desembolso de R$ 250 milhões do BNDES ao governo do Pará, para obras de macrodrenagem; a liberação de R$ 45 milhões do Fundo Amazônia ao Corpo de Bombeiros do estado, para combate a queimadas no período seco; e estruturação de projetos de concessões de parques amazônicos.

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