Entenda por que usar ponto de corte para comparar ingresso no curso de IA com o de Medicina é um equívoco

Nos últimos anos, o curso de Medicina dominou as listas de graduações mais concorridas da Universidade Federal de Goiás (UFG). No entanto, em 2025, a realidade mudou: Inteligência Artificial e Engenharia de Software superaram a tradicional carreira médica em número de candidatos por vaga.

Mas o que levou a essa mudança? O Jornal Opção ouviu o diretor do Colégio Córtex, professor Wilian Roberto de Carvalho Júnior, que afirmou que trata-se de uma combinação de fatores tecnológicos, mercadológicos e até políticos.

Para o professor Wilian, essa mudança não é fruto de um único fator. “É uma questão multifatorial, eu não acho que seja exclusivamente um motivo”, afirmou. Ele destacou que a Inteligência Artificial (IA) teve um crescimento significativo nos últimos anos, tornando-se uma das principais tendências globais.

“O avanço tecnológico é inevitável. A inteligência artificial foi um dos principais assuntos comentados”, explicou Wilian, referindo-se à popularidade do tema em redes sociais. Além disso, ele acredita que há um efeito de moda influenciando essa escolha dos estudantes.

“Muita gente nem sabe bem ao certo o que é inteligência artificial, onde isso vai levar, mas há um modismo. Assim como os algoritmos das redes sociais evoluíram, a IA está em voga”.

O ranking da UFG reflete essa tendência: dos sete cursos mais concorridos, quatro são ligados à tecnologia. Além de IA e Engenharia de Software, Ciência da Computação e Sistemas de Informação também figuram entre os mais disputados. Confira a lista:

Mais fatores

Outro fator determinante para o crescimento das áreas tecnológicas é a alta demanda por profissionais qualificados. “Existe uma escassez de mão de obra no mercado. O aluno quer saber como está o mercado de trabalho, e hoje a área de tecnologia está aquecida”, ressaltou o professor.

Enquanto a área médica sempre foi vista como uma das mais seguras em termos de empregabilidade, o setor tecnológico tem oferecido oportunidades promissoras, com salários competitivos e possibilidades de crescimento acelerado.

Além do crescimento da tecnologia, Wilian aponta um movimento que vem reduzindo o interesse pela medicina na universidade pública: a expansão das faculdades particulares. “Hoje, um aluno para passar para medicina numa federal precisa, em média, de dois anos de cursinho”, explicou.

Em contrapartida, o acesso às universidades privadas nunca foi tão fácil. Segundo o professor, o número de vagas em medicina nas instituições particulares do estado de Goiás já supera o número de alunos do terceiro ano do ensino médio das melhores escolas de Goiânia.

“O pai não quer que o filho gaste tanto tempo para entrar numa federal, sendo que ele pode cortar caminho para uma particular de um jeito mais fácil, acessível e tranquilo”, disse.

Essa ampliação de vagas na rede privada remete ao que aconteceu com o curso de Direito no passado. “Houve um estouro do Direito lá atrás. Todo mundo fazia Direito. O mercado saturou e a procura diminuiu. Medicina hoje está estourada dentro das universidades particulares, e isso afeta a busca pelas federais.”

Outro ponto levantado pelo professor diz respeito ao impacto da polarização política. Segundo ele, há uma percepção entre algumas famílias de classe média e alta de que as universidades públicas são redutos de determinada ideologia.

“Quem faz medicina, via de regra, são pessoas de poder aquisitivo mais alto. Hoje, o Brasil vive uma questão muito conflituosa do ponto de vista político. Muitos pais evitam enviar seus filhos para universidades públicas por medo de que sejam doutrinados politicamente”, afirmou Wilian.

Esse fenômeno estaria influenciando a migração de estudantes para faculdades privadas, reforçando ainda mais a queda da concorrência pela medicina na UFG.

(Professor Wilian | Foto: Arquivo pessoal)

Comparação entre os cursos: qual é mais difícil?

Apesar de a nota de corte do curso de Inteligência Artificial ter superado a de Medicina, o professor Wilian adverte que isso não significa, necessariamente, que IA seja um curso mais difícil de ingressar.

“Não dá para afirmar que um é mais difícil que o outro. A nota de corte foi maior, mas as diferenças nas áreas de conhecimento exigidas influenciam na pontuação”, explicou. Para Medicina, a prova do Enem dá um peso maior para Ciências da Natureza (3,5), enquanto para Inteligência Artificial, o peso maior é em Matemática (3,5).

Além disso, o modelo de correção da prova, chamado Teoria de Resposta ao Item (TRI), afeta mais Ciências da Natureza do que Matemática. “A TRI penaliza mais quem acerta questões difíceis e erra fáceis, diminuindo a nota. Como Ciências da Natureza tem um impacto maior na pontuação de Medicina, essa variação ocorre mais nesse curso do que em IA”, detalhou.

O professor acredita que a ascensão dos cursos tecnológicos pode não ser passageira. “Embora tenha um fator de modismo, os cursos na área de tecnologia tendem a continuar concorridos por um tempo. O mercado precisa de mais profissionais.”

Já o curso de Medicina pode seguir o caminho do Direito e enfrentar um período de menor procura nas universidades públicas. “Com a expansão do ensino privado, o interesse pela federal tende a diminuir. E há ainda a questão da qualidade dos cursos, que pode levar à criação de um exame de ordem para médicos, assim como ocorreu com os advogados.”

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