Jorge Bodanzky faz belo filme de encontros com a pintora Eleonore Koch

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(FOLHAPRESS)

Jorge Bodanzky, diretor, com Orlando Senna, do clássico “Iracema, Uma Transa Amazônica”, assina o belíssimo documentário “As Cores e Amores de Lore”, exibido no Festival É Tudo Verdade do ano passado.

Ainda nos primeiros minutos do filme, o cineasta diz que certo dia recebeu a ligação de um amigo que lhe informava que uma pintora havia citado sua mãe num jornal. Essa pintora era Eleonore Koch, de quem o diretor nunca tinha ouvido falar.

Querendo saber mais sobre a ligação entre sua mãe e Eleonore, ou seja, Lore, ele iniciou com a pintora uma série de conversas. Esse novo encontro significa então reencontrar e reconhecer sua própria mãe. E, obviamente, a experiência terminaria num filme.

Eleonore Koch (1926-2018) foi uma pintora alemã, de família judia, que veio com seus pais ao Brasil para fugir do nazismo. Aqui ela se radicou e passou a estudar artes plásticas. O diretor reforça a semelhança entre o percurso de Lore e de sua mãe, Rita Bodanzky (1908-1992), também judia e imigrante no Brasil, vinda de Viena no mesmo ano da vinda de Lore, 1937.

Em desacordo com o que via nas vias acadêmicas, Lore procurou se aproximar de um artista de verdade para manter com ele, inicialmente, uma relação de aprendizado. Esse artista foi Alfredo Volpi (1896-1988), a quem mais tarde ela criticaria por ter ficado só nas bandeirinhas a partir de um momento de sua carreira.

Na juventude, Rita, por sua vez, era estagiária de uma livraria em Viena, nos anos 1920, de onde Freud e seus familiares encomendavam livros. Era ela que os entregava na casa de Freud. E ainda era jovem quando teve de fugir para o Brasil.

Tudo isso e muito mais está no filme de Bodanzky, que flagra a artista em seus últimos anos de vida, falando de sua arte, de seu pensamento, do que aprendeu com Volpi e de sua história de vida errática e fascinante.

No início, o documentário dá toda a pinta de que seria corriqueiro, simples, nada muito diferente de outras rememorações familiares e outros encontros com artistas, que mesclam imagens de arquivo com entrevistas.

Logo essa impressão começa a se dissipar. Lembramos que fórmulas aparentemente batidas podem ser trabalhadas com sensibilidade e inteligência. As palavras iniciais do diretor ajudam a dar um tom pessoal, desmentindo de cara o que os créditos iniciais e as primeiras imagens indicavam.
Vemos um tocante processo de descobertas por meio de um filme. Primeiro, da parte do diretor, a descoberta de coisas que sentia por sua mãe falecida sem ter a maturidade necessária para entender o teor desse sentimento.

Segundo, da parte da artista-personagem, a percepção mais acurada de sua relação com um mestre e de como a superou adquirindo uma assinatura própria, além da consciência dos caminhos tortuosos de um percurso. O filme como uma espécie de autoanálise, do diretor e da artista retratada, que testemunhamos sempre com interesse.

Se Bodanzky pode conversar com Lore como conversaria, hoje, com sua mãe falecida, tendo maturidade para dizer coisas de que não era capaz antigamente, Lore pode relembrar sua relação especial com o pintor Alfredo Volpi, do qual se dizia ser ela a única discípula.

Mas o próprio título nos diz: as cores e amores. Não se trata somente da relação de Lore com Volpi, de Lore com a mãe de Jorge e com ele próprio. Outros amores entram na história. Nesse campo, Lore era uma mulher avançada para sua época.

É um filme de encontros, de sintonias entre almas artísticas, de comunhão pelo intelecto, de caminhos que se aproximam e se afastam, mostrando da vida de artista um aspecto que pode ser penoso, desencontrado, embora livre, dado ao salto no abismo.

Há dois tipos de artista: aquele que tem uma inquietação sobre sua própria condição no mundo e aquele que tem a consciência de sua condição e pretende analisá-la em suas obras. Bodanzky parece pertencer ao primeiro grupo. Seu filme é uma procura, um meio de reconhecer sua posição e sua condição no mundo.

E se conversar com Lore, segundo ele mesmo diz no início, é como conversar com sua mãe, fazemos a relação entre Lore e Rita e imaginamos quão adoráveis foram essas mulheres.

Finalmente, nesse jogo de espelhos, vemos as cores e amores de Lore, e, numa segunda e não menos importante camada, as cores e amores de Jorge Bodanzky.

AS CORES E AMORES DE LORE
– Avaliação Muito bom
– Classificação Livre
– Direção Jorge Bodanzky

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