Shakira exala solteirice em espetáculo de vingança com indiretas para Piqué em SP


Após atraso de 1 hora, ‘loba’ cantou músicas de superação após divórcio midiático. Narrativa pessoal ajudou a engajar o público. Shakira abre turnê “Las Mujeres Ya No Lloran” no Rio de Janeiro
Stephanie Rodrigues/g1
Se é verdade que as mulheres já não choram, elas faturam, é porque há muita gente disposta a pagar por um bom espetáculo de vingança. Nesta quinta-feira (13), foi isso que Shakira entregou aos fãs em São Paulo, no segundo show de sua passagem pelo Brasil — ela também se apresentou no Rio, na terça (11).
“Esse é um verdadeiro encontro de uma lobinha com sua alcateia”, disse a estrela colombiana, em português, no palco do estádio Morumbis lotado.
A cantora de 48 anos escolheu o país para abrir a “Las Mujeres Ya No Lloran World Tour”, turnê que ela define como a mais importante de sua carreira. Sete anos após a última visita ao Brasil, ela volta agora fortemente associada ao midiático divórcio do ex-jogador espanhol Gerard Piqué, com quem foi casada por 11 anos.
A trama da separação — a monotonia do casamento, a traição, a troca por uma mulher mais jovem — é central no disco que dá nome à série de shows. O trabalho foi lançado em 2024 e venceu o Grammy de Melhor Álbum de Pop Latino (superando “Funk Generation”, de Anitta, entre outros), apesar de uma recepção morna da crítica. Se, no estúdio, a narrativa pessoal perdeu força em meio a batidas eletrônicas genéricas e guitarras suaves, ao vivo, ela ajudou a engajar o público.
Em São Paulo, a plateia vibrou a cada indireta direcionada a Piqué. “Apaguei seu número, mas pra que, se já sei de cor?”, ela canta em “La Fuerte”, música do disco recente, escolhida para iniciar a apresentação, com quase uma hora de atraso — a chuva forte na capital paulista também atrasou a chegada de alguns fãs. “Obrigada pela espera e pela paciência. Essa noite, com a chuva, tivemos algumas dificuldades técnicas”, justificou.
Em estreia de turnê, Shakira tem problemas técnicos, empolga público com hits e canta versão de Chico César
“Nos últimos anos, tive alguns desafios, né? Mas, se aprendi algo, é que as quedas não são o fim, mas o começo de um voo mais alto. E nós, mulheres, depois de cada queda, nos levantamos um pouco mais fortes, mais sábias”, afirmou, evocando a história do divórcio, antes do rock “Don’t Bother”, de 2005. “Se queremos chorar, choramos. Se não queremos chorar, faturamos”. No Rio, a plateia chegou a responder as declarações com gritos de “ei, Piqué, vai tomar no c*”.
Incitar no público sentimentos de revanchismo é um recurso que anda em alta no pop. Neste mês, o rapper Kendrick Lamar bateu recorde de audiência no intervalo do Super Bowl, em um show cheio de críticas a Drake. No “Tortured Poets Department”, o álbum mais ouvido do mundo no ano passado, Taylor Swift elenca defeitos de seus ex-namorados.
Dona de sua própria história — e do pleno direito de usá-la como quiser –, Shakira foge do vitimismo e acerta ao transformar sua decepção amorosa em um conto de amor próprio no palco.
“Tem música que vem para nos curar. Lembro que, quando eu era criança, o homem que chegava aos 40 anos sem mulher e filhos era chamado de solteiro de ouro. Para a mulher, não é assim, né? Eu não concordo. Você pode ser feliz casada ou solteira, desde que seja livre”, discursou antes de “Soltera”, pop tropical sobre o prazer de sair e aprontar por aí.
30 anos de carreira
Shakira trouxe ao Brasil a estrutura completa de sua grandiosa turnê, com pulseiras luminosas para os fãs, trocas de roupa praticamente a cada música, um enorme telão horizontal e uma escultura de loba com dimensões colossais no palco.
Além das canções de superação do álbum mais recente, ela apresentou em São Paulo um resumo do que foi até aqui sua carreira de mais de 30 anos: do rock confessional do início, que suscitou comparações com Alanis Morissette, ao pop latino feito para as paradas, ao lado de nomes como Maluma e Karol G.
Entre o fim dos anos 1990 e o início de 2000, a colombiana foi crucial na abertura norte-americana para a música cantada em espanhol, um movimento que hoje se reflete no sucesso de nomes como Bad Bunny e Rosalía.
Também no Brasil, ela conseguiu desafiar a resistência à língua, com muito empenho — num périplo pelo país entre 1996 e 1997, Shakira sentou no sofá de Hebe Camargo, assistiu à Banheira do Gugu, fez show com ingressos a R$ 30 em Taubaté, no interior de São Paulo, entre outras aventuras.
Na apresentação desta quinta, que teve entradas vendidas a até R$ 980, “Estoy Aqui”, primeiro hit de sua história, surgiu logo no início, com o famoso trecho de trava-línguas cantado em coro por um público devoto. A música revelou a cantora ao mundo no álbum “Pies Descalzos” (1995).
Do disco “Donde Estan los Ladrones” (1998), apareceu “Ojos Así” e a dança do ventre que ela aprendeu incentivada por sua avó paterna, de origem libanesa. Os surreais movimentos do corpo sob luzes vermelhas fizeram desse o momento mais hipnótico da noite.
Outro ápice veio com o medley dançante de “Copa Vacía”, “La Bicicleta” e ”La Tortura” abrindo caminho para “Hips Don’t Lie”. O sucesso de 2006, gravado com o rapper Wyclef Jean, ganhou uma encantadora versão carregada de cumbia colombiana.
Em “Chantaje”, parceria com o também colombiano Maluma incluída no álbum “El Dorado” (2017), uma câmera seguiu Shakira para a troca de roupa no camarim. Aos poucos, o reggaeton lento foi se transformando numa vibrante salsa cubana.
Na balada “Acróstico”, a cantora fez melismas difíceis, mostrando como está, dessa vez, mais confortável com sua própria voz do que em sua última passagem pelo Brasil, quando havia acabado de se recuperar de uma hemorragia na corda vocal direita. A música de 2024 é uma mensagem para Milan e Sasha, filhos de Shakira com Piqué, e a gravação inclui as vozes das duas crianças.
“Tentei fazer com que você não me visse chorar, que você não visse minha fragilidade, mas as coisas nem sempre são como sonhamos”, diz a letra, outra que faz referência à separação.
Mas nenhuma é tão direta quanto “BZRP Music Sessions #53″, um final adequado e catártico para o show-revanche. Lançada em janeiro de 2023, sete meses depois de se tornar público o escândalo de traição, a música oferece, para deleite dos fãs, uma trilha de pistas sobre o que de fato aconteceu com o casal (ou, pelo menos, sobre o ponto de vista dela).
Está tudo lá: um marido ausente, uma sogra encrenqueira, uma acusação de sonegação fiscal, uma substituta de 22 anos e o jogo de palavras que permite a Shakira quase citar nominalmente seu ex na letra: “Eu só faço música, foi mal que te salpique”. Nem precisava dizer que é a parte cantada com mais empolgação pela plateia.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.