Filme “Ainda Estou Aqui” é um grito de resistência em meio às sombras da ditadura

Em um país que ainda lida com as cicatrizes de um dos períodos mais sombrios de sua história, o filme “Ainda Estou Aqui” surge como um lembrete poderoso e necessário. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o longa-metragem, que está em cartaz nos cinemas brasileiros, narra a história de Rubens Paiva, ex-deputado federal torturado e morto pela ditadura militar, e de sua esposa, Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, que lutou incansavelmente por justiça. 

Com direção de Walter Salles e atuações marcantes de Torres e Selton Mello, o filme não apenas revisita um capítulo trágico da história do Brasil, mas também resgata a força de uma mulher que se recusou a se calar diante da barbárie.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu um processo investigativo de dois anos e sete meses, documentando 434 casos de mortes e desaparecimentos durante o regime. O relatório final, entregue à então presidenta Dilma Rousseff, evidenciou práticas sistemáticas de detenções ilegais, torturas, execuções sumárias e ocultação de corpos por agentes do Estado. Essa ausência prolongada transformou-se em uma ferida aberta para seus familiares e um símbolo da impunidade que marca o Brasil até hoje.

Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, “Ainda Estou Aqui” resgata esse episódio sombrio da história nacional. A obra vai além da narrativa de uma família dilacerada pela violência do Estado; ela se torna um espelho do Brasil contemporâneo, onde discursos que relativizam os crimes da ditadura ainda encontram espaço.

Não é de se espantar que, em março de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro tenha usado o Palácio do Planalto para exaltar os generais que comandaram o país durante o regime militar. “Hoje, 31 de março. O que aconteceu em 31? Nada. A história não registra nenhum presidente da República tendo perdido o seu mandato nesse dia”, declarou, ignorando os registros históricos e reforçando uma visão distorcida dos fatos. Em um país onde a negação da ditadura ainda é um discurso político recorrente, filmes como “Ainda Estou Aqui” se tornam fundamentais.

O longa traz à tona não apenas a dor da família Paiva, mas também a dimensão coletiva das atrocidades cometidas pelo regime. Entre 1964 e 1985, segundo a Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas foram mortas ou desapareceram, vítimas de detenções arbitrárias, torturas, execuções sumárias e ocultação de cadáveres. Entre elas, adolescentes, jornalistas, estudantes e lideranças políticas que ousaram desafiar a censura e a repressão. Enquanto no Chile e na Argentina os responsáveis foram levados a julgamento, no Brasil a Lei da Anistia (1979) segue protegendo torturadores.

A força de “Ainda Estou Aqui” reside em seu poder de humanizar esse passado. Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva, reforçou essa conexão com o presente durante entrevistas internacionais. A atriz, que está em campanha pelo Oscar por sua atuação no filme, também destacou o financiamento dos Estados Unidos à ditadura militar brasileira durante entrevista ao podcast da revista Variety. “A ditadura no país não foi algo que aconteceu isoladamente, foi parte da Guerra Fria. Os Estados Unidos patrocinaram a ditadura no Brasil”, afirmou Torres.

Ela ressaltou que, embora o filme seja um retrato do passado, ele reflete o momento atual do Brasil, marcado por divisões e pelo medo do autoritarismo. “Foi uma época distópica, mas esta não é apenas uma história sobre o passado. Novamente estamos cheios de medo, divididos e com raiva. O populismo e a ideia de que um estado violento pode colocar ordem na bagunça moderna… É tentador, mas precisamos resistir”, concluiu.

Em um dos momentos mais marcantes do livro que deu origem ao filme, Eunice Paiva, já em estágio avançado do Alzheimer, repete incansavelmente: “Ainda estou aqui, ainda estou aqui”. O que era um murmúrio de desorientação tornou-se um grito de resistência. Sua luta pela verdade e justiça ecoa na atualidade e desafia qualquer tentativa de apagar o passado. Afinal, recordar não é apenas um ato de memória, mas uma forma de garantir que os erros do passado não se repitam.

“Eu acho que esse filme ajuda a essas pessoas [gerações mais jovens] a entenderem o que é viver em um país arbitrário, em um país no qual o governo faz atos tão injustos quanto matar o seu pai, levar sua irmã de 15 anos para uma prisão e torturar pessoas”, explicou Fernanda Torres em entrevista ao G1.

O Brasil já provou inúmeras vezes que tem dificuldades em encarar sua própria história. A democracia, ainda frágil, convive com tentativas recorrentes de relativizar os crimes cometidos pelo Estado. No entanto, filmes como “Ainda Estou Aqui” têm o poder de quebrar esse silêncio incômodo. 

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