Senado tenta ressuscitar emendas do passado em meio a embate com STF

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THAÍSA OLIVEIRA, IDIANA TOMAZELLI E RANIER BRAGON
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Em meio ao embate com o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o Orçamento, o Senado programou para esta quarta-feira (19) a votação de projeto que resgata R$ 2,6 bilhões em emendas parlamentares canceladas em dezembro de 2024 e dá mais fôlego para a execução de outros R$ 5,6 bilhões que poderiam ser bloqueados a partir de meados deste ano.

O projeto de lei complementar (PLP 22/2025) foi protocolado no último dia 11 pelo líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).

Ele tem apenas um artigo de mérito: “Os restos a pagar não processados, inscritos a partir de 2019 (…) poderão ser liquidados até o final do exercício de 2026, inclusive os que tenham sido cancelados em 31 de dezembro de 2024”. Os chamados restos a pagar são recursos herdados de anos anteriores, pois não foram executados no prazo estipulado.

O Congresso vive desde o ano passado um embate com o STF devido às decisões do ministro Flávio Dino que barraram a execução de parte das emendas parlamentares exigindo mais transparência e rastreabilidade.

As decisões de Dino têm como foco as emendas de comissão, aquelas formalmente destinadas pelas comissões permanentes de Câmara e Senado, mas que, na prática, são distribuídas aos parlamentares pela cúpula do Congresso.

As emendas são hoje o principal instrumento político dos parlamentares e movimentam mais de R$ 50 bilhões ano ano.

Caso seja aprovado pelo Senado, o projeto tem que passar ainda pela Câmara para entrar em vigor.
A existência dos restos a pagar, por si só, não representa irregularidade, mas há regras que limitam o tempo de carregamento dessas verbas ao longo dos anos, para evitar que o acúmulo excessivo se torne um risco às contas públicas. Se não houver avanço na obra ou na execução da ação, a legislação prevê prazos para seu bloqueio e cancelamento -o que gera constantes embates entre Executivo e Congresso.

Em 2023, o governo Lula já enfrentou pressão para estender o período de execução de verbas distribuídas ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Um decreto editado no fim daquele ano evitou o cancelamento de R$ 15 bilhões em emendas. O prazo previsto na norma, porém, foi considerado insuficiente pelos parlamentares, que cravaram na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do ano passado um calendário maior, até 31 de dezembro de 2024.

Ao chegar nessa data, o governo cancelou R$ 2,6 bilhões das antigas emendas de relator (declaradas inconstitucionais pelo STF) e das emendas de comissão. São essas verbas que o Congresso agora tenta reaver. A proposta pode alcançar também outras transferências ou verbas descentralizadas que tenham sido inscritas a partir de 2019. Técnicos do Senado citam um potencial de até R$ 4 bilhões.

As regras em vigor também permitem ao governo bloquear, a partir de julho deste ano, gastos que originalmente foram iniciados até o fim de 2023, mas até agora não avançaram sequer para a fase de liquidação (ou seja, tiveram a entrega do serviço ou produto atestada pelo governo). Nessa situação, o bloqueio é feito após 18 meses, e o cancelamento, após 24 meses do ano original da despesa.

As emendas de relator e de comissão que se encaixariam nessa situação somam R$ 8,1 bilhões, segundo dados públicos do Tesouro Nacional.

Com o projeto, os congressistas almejam emplacar uma blindagem preventiva a essas emendas, que teriam prazo garantido para execução até o fim de 2026.

O senador Carlos Portinho (RJ), líder da bancada do PL, foi escolhido relator durante reunião de líderes partidários com o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), na tarde desta terça-feira (18).

“Ele [o projeto] não remedia essa situação em si [emendas travadas por decisão de Dino]. Existem diversos municípios pelo Brasil que aguardam com projetos já aprovados, obras paradas, com orçamento desde 2019 já aprovado. Ele precisa ser executado”, disse o senador.

Portinho afirmou não ter cálculo do valor potencial do projeto.

“Não há drible ao Supremo. O que há é uma situação absolutamente anormal de o Supremo interferir a ponto de travar o Orçamento. Isso que é um drible ao processo legislativo, ao funcionamento regular de cada um dos Poderes da República”, disse o senador Marcos Rogério (PL-RO).

Na justificativa ao projeto, Randolfe afirma que a liquidação dos restos a pagar envolve uma série de etapas burocráticas e financeiras, que se tornaram mais complicadas durante a pandemia de Covid-19.

“Esses fatores impactaram significativamente a capacidade de arrecadação e execução orçamentária dos entes públicos, gerando atrasos no cumprimento de obrigações financeiras. A prorrogação do prazo é, portanto, uma medida necessária para ajustar-se a esse contexto excepcional”, apontou no texto.

Técnicos da área econômica, por sua vez, se mostraram surpresos com a iniciativa e afirmam até mesmo desconhecer precedente de reversão de restos a pagar já cancelados. Se a medida avançar no Congresso, ela também pode exigir atenção do time do ministro Fernando Haddad (Fazenda), uma vez que a quitação de restos a pagar é contabilizada nos limites do arcabouço fiscal e na meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas, excluído o serviço da dívida pública).

Técnicos do Congresso ponderam que o simples fato de reabilitar os restos a pagar que haviam sido cancelados não significa automaticamente a realização do desembolso. Algumas dessas emendas enfrentam impedimentos de ordem técnica, como problemas de projeto, e precisam ser regularizadas antes de qualquer pagamento. O Tesouro também tem mecanismos para controlar a liberação dos limites.

Novo líder da bancada do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE) defendeu a medida.

“Tem obra de rodovia, tem obras de todas as naturezas que estão paralisadas ou vão paralisar ou que já foram concluídas e não foram pagas porque não tem autorização orçamentária para poder pagar essas obras que já iniciaram, que são de emendas, de convênios, de verba discricionária do próprio Executivo.”

Nos bastidores, senadores reclamam das decisões de Dino e dizem que nada de relevo será votado no Congresso até que essa situação seja resolvida. Na semana que vem, há previsão de reunião de Alcolumbre, Dino e o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

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