Bolsonaristas veem desgaste com mudança na Ficha Limpa e querem deixar corrupção de fora

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MARIANNA HOLANDA, RAPHAEL DI CUNTO E THAÍSA OLIVEIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Aliados de Jair Bolsonaro (PL) passaram a enxergar um risco de desgaste na defesa de propostas para alterar a Lei da Ficha Limpa. O objetivo da mudança seria derrubar a inelegibilidade do ex-presidente e permitir que ele seja candidato em 2026, mas a ideia tem gerado desconforto com o eleitorado.

A ofensiva contra a lei ganhou força com o apoio do próprio Bolsonaro, que a descreveu como um instrumento para perseguir a direita. No entanto, a proposta teve repercussão negativa nas redes sociais e provocou críticas públicas de lideranças -inclusive do seu partido, o PL.

Além disso, a alteração poderia ser insuficiente para permitir a candidatura. O ex-presidente foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) nesta terça-feira (18) sob acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado, e a expectativa é de que seja julgado ainda em 2025 pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Se condenado, ele ficaria inelegível em mais um processo e seria impedido de se candidatar em 2026, mesmo com a revogação da Ficha Limpa. A aposta, então, é insistir na anistia geral aos réus e condenados por manifestações golpistas em 2022.

Em outra frente, aliados do ex-presidente discutem ajustes no projeto de Lei da Ficha Limpa para diminuir a rejeição à proposta, caso o processo no STF não seja concluído a tempo da eleição de 2026 ou ele seja inocentado da acusação de tramar um golpe de Estado.

Nesse cenário, ele continuaria inelegível por causa de duas condenações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Assim, ele só poderia concorrer com uma mudança na legislação ou nova decisão da Justiça Eleitoral.

Atualmente, Bolsonaro está impedido de se candidatar até 2030. Ele foi sentenciado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na eleição de 2022, quando reuniu embaixadores de outros países no Palácio do Planalto para criticar as urnas eletrônicas. Além disso, o TSE considerou que ele instrumentalizou a cerimônia oficial do 7 de Setembro para sua campanha.

O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), passou a defender a distinção de casos de abuso de poder, no qual Bolsonaro está enquadrado, de episódios de corrupção. Os primeiros teriam a punição reduzida, e os últimos continuariam a levar à inelegibilidade por oito anos.

“Já conversei com o relator, que concorda que nós não vamos dar benefícios aos corruptos”, disse à Folha.

O deputado Filipe Barros (PL-PR) é relator do projeto na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

Outro grupo no entorno de Bolsonaro mantém uma postura distinta. Esses políticos buscam distanciamento da ideia e defendem que a alteração na Lei da Ficha Limpa fique em segundo plano.

Uma liderança do PL relata que, embora parte dos eleitores de direita tenha entendido que o projeto pode viabilizar o retorno de Bolsonaro à Presidência, a maioria dos comentários nas redes sociais aponta que a proposta abrirá caminho para a eleição de corruptos e políticos condenados por outros crimes.

Na visão desse grupo, a Lei da Ficha Limpa é identificada pelo eleitorado como um dos raros instrumentos de combate à corrupção que sobreviveram a ofensivas da classe política após a operação Lava Jato.

Em 2010, quando foi aprovada, a lei passou a impedir que fossem eleitos, por oito anos (quatro eleições consecutivas), políticos condenados por órgãos colegiados, sem necessidade de aguardar o trânsito em julgado.

Em 2023, o deputado Bibo Nunes (PL-RS) apresentou o projeto para revogar a norma e diminuir o prazo de inelegibilidade de oito para apenas dois anos. O projeto tramita na CCJ da Câmara e ganhou força nas redes sociais da direita no começo deste ano, pela possibilidade de viabilizar a candidatura de Bolsonaro.

Líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ) disse à Folha não concordar com a mudança. “O prazo de dois anos é absolutamente irrelevante e insuficiente. O prazo de oito anos tem seu motivo, que é afastar da vida pública quem foi condenado”, afirmou. “É uma discussão que começa muito mal.”

Portinho foi assessor do ex-deputado Índio da Costa (PSD-RJ), relator da lei em 2010. Ele afirma que a discussão é ruim porque “mistura Bolsonaro com bandidos”.

“Há outros interesses por trás disso. E não vejo muita adesão do Senado [a esta alteração]”, disse. A saída para o ex-presidente, afirmou, são os recursos contra as condenações. “Ele não pode ficar fora da eleição por uma reunião com embaixadores.”

Já o autor do projeto, Bibo Nunes, disse que está aberto ao diálogo sobre alterações, mas criticou os colegas do PL que se posicionaram contra o texto. “Não leram o projeto”, disse. “Quem deve punir o político corrupto é a lei vigente no Brasil e o eleitor. Esses oito anos [de inelegibilidade] só servem para punir políticos de direita”, afirmou.

Em 2018, contudo, Lula foi impedido de concorrer na eleição presidencial justamente pela Lei da Ficha Limpa. Como os processos e condenações foram anulados pelo STF, ele pôde voltar a disputar um mandato em 2022 e ser eleito pela terceira vez presidente da República.

Desde que Bibo começou a provocar o debate sobre o tema, na volta do recesso parlamentar, parte dos aliados de Bolsonaro tentou deixar claro que a medida não estava no radar do ex-presidente.

O debate escalou, porém, nos dias seguintes, depois que o próprio Bolsonaro posou para fotos com Bibo e disse querer o fim da Lei da Ficha Limpa.

“A Lei da Ficha Limpa hoje em dia serve apenas para uma coisa: para que se persiga os políticos de direita. Ponto final. Sou radical, ideal seria revogar essa lei que assim não vai perseguir mais ninguém. E quem decide se vai eleger candidato ou não é você, não uma pessoa aqui em Brasília. Você sabe de quem estou falando”, disse Bolsonaro em vídeo nas redes sociais.

Diante dos ruídos causados com a proposta, ele não voltou a mencioná-la publicamente.

Mas, na sexta-feira (14), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também abraçou publicamente a mudança na última sexta-feira (14). “Se existisse Lei da Ficha Limpa nos EUA, Donald Trump não teria concorrido à presidência”, escreveu no X, antigo Twitter.

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