Senado ressuscita emendas canceladas e reabilita restos a pagar desde 2019

THAÍSA OLIVEIRA E IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Em meio ao embate com o STF (Supremo Tribunal Federal), o Senado aprovou nesta quarta-feira (19) um projeto de lei que reabilita restos a pagar não processados e, na prática, resgata emendas parlamentares canceladas em dezembro de 2024.

Os chamados restos a pagar são recursos herdados de anos anteriores, pois não foram executados no prazo estipulado. O projeto aprovado resgata restos a pagar não processados desde 2019, inclusive cancelados, e garante novo prazo de pagamento até 2026.

Desde o fim do ano passado, o Congresso Nacional vive um embate com o STF devido às decisões do ministro Flávio Dino que barraram os pagamentos de parte das emendas parlamentares exigindo mais transparência e rastreabilidade.

Em dezembro do ano passado, R$ 2,6 bilhões em emendas -agora ressuscitadas- foram canceladas. O projeto de lei também dá mais fôlego para a execução de outros R$ 5,6 bilhões que poderiam ser bloqueados a partir de meados deste ano.

Congressistas de diferentes partidos políticos defenderam a medida, no entanto, com o argumento de que resgatar os restos a pagar não processados vai evitar um “cemitério de obras” pelo país. A proposta foi aprovada por 65 votos a 1 e segue para a Câmara dos Deputados.

O relator do texto, o líder do PL, senador Carlos Portinho (PL-RJ), mudou o projeto original e incluiu um artigo que proíbe o pagamento de “obras e serviços que estejam sob investigação ou apresentem indícios de irregularidade”.

O Congresso tentou assegurar, na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025, a prorrogação do prazo para a execução dessas despesas até o fim deste ano. O artigo foi aprovado pelos congressistas, mas vetado por Lula (PT) na reta final de 2024.

Na justificativa, o governo argumentou que as medidas de manutenção dos restos a pagar contrariavam o interesse público, “de modo a afetar a alocação eficiente e eficaz dos recursos às atividades públicas em satisfatório estado de realização, objetivo principal da programação financeira federal”.

Em outro trecho, o Executivo chegou a argumentar que as mudanças poderiam afrontar dispositivos da Constituição ao tratar de regras perenes de restos a pagar, extrapolando o exercício financeiro da LDO em questão.

Menos de dois meses depois, o próprio governo consentiu, por meio de seu líder no Congresso, em reverter a situação e prorrogar a validade desses recursos. O projeto de lei foi protocolado no último dia 11 pelo senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).

Randolfe não apresentou nenhuma estimativa de impacto no projeto. O relatório de Portinho diz que o “teto estimado” é de R$ 4,6 bilhões. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), por sua vez, citou um valor expressivamente maior: R$ 13 bilhões apenas para o Executivo.

“Outra parte muito significativa desse recurso é, por exemplo, de obras que se iniciaram de um hospital, de uma creche, uma praça, uma escola, um centro de convenções, e que teve sua primeira parcela liberada”, disse o presidente do Senado nesta quarta.

“Já que não tivemos por parte do Executivo um decreto de prorrogação de restos a pagar como ocorreu em outras oportunidades, queremos não transformar o Brasil em um país com mais obras inacabadas”, completou.

Durante a votação, Alcolumbre disse ter conversado com diferentes integrantes do governo Lula. Técnicos da área econômica, por sua vez, se mostraram surpresos com a iniciativa e afirmaram até mesmo desconhecer precedente de reversão de restos a pagar já cancelados.

A medida também pode exigir atenção do time do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), porque a quitação de restos a pagar é contabilizada nos limites do arcabouço fiscal e na meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas, excluído o serviço da dívida pública).

A existência dos restos a pagar, por si só, não representa irregularidade, mas há regras que limitam o tempo de carregamento dessas verbas ao longo dos anos, para evitar que o acúmulo excessivo se torne um risco às contas públicas.

Se não houver avanço na obra ou na execução da ação, a legislação prevê prazos para seu bloqueio e cancelamento –o que gera constantes embates entre Executivo e Congresso.

Em 2023, o governo Lula já enfrentou pressão para estender o período de execução de verbas distribuídas ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Um decreto editado no fim daquele ano evitou o cancelamento de R$ 15 bilhões em emendas. O prazo previsto na norma, porém, foi considerado insuficiente pelos congressistas, que cravaram na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do ano passado um calendário maior, até 31 de dezembro de 2024.

Técnicos do Congresso ponderam que o simples fato de reabilitar os restos a pagar que haviam sido cancelados não significa automaticamente a realização do desembolso. Algumas dessas emendas enfrentam impedimentos de ordem técnica, como problemas de projeto, e precisam ser regularizadas antes de qualquer pagamento. O Tesouro também tem mecanismos para controlar a liberação dos limites.

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