Pesquisadores questionam expectativa de 16 milhões de foliões para Carnaval de SP

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A Prefeitura de São Paulo tem uma projeção para quantos foliões devem participar do Carnaval da cidade neste ano: 16 milhões.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estima que a capital paulista tinha, em 2024, 11,9 milhões de habitantes. Seria como se todos eles decidissem participar da festa, e mais 4,1 milhões de pessoas (as populações de Belo Horizonte e Goiânia somadas) viessem de fora.

O número é recebido com ceticismo por pesquisadores que há anos vêm alertando sobre previsões hiperbólicas, sem lastro na realidade, para o Carnaval e outros eventos.

Questionada pela reportagem, a prefeitura enviou um material de divulgação que defende o cálculo grandiloquente. Em entrevista sobre o tema nesta quinta (20), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que “São Paulo terá o maior Carnaval do Brasil e com a maior segurança, um Carnaval que teve tudo muito bem planejado para que a população possa curtir bastante”.

A fala é destacada no texto enviado a jornalistas. A reportagem pediu um comentário sobre o exagero estatístico apontado por especialistas. A gestão não respondeu sobre isso.

Professora da USP e pesquisadora na área de turismo urbano, Mariana Aldrigui ilustra sua descrença: imagine que São Paulo recepcione 4,5 milhões de turistas nos próximos dias. Se viessem de avião, tomando por média 180 passageiros num Boeing 738-800, seriam necessários 25 mil voos -os aeroportos de Guarulhos e Congonhas juntos operam cerca de 1.400 voos por dia, entre partidas e chegadas.

Se a alternativa for viária, a conta ainda não fecha, diz Aldrigui. “Um ônibus convencional transporta 45 pessoas. Seriam necessários 100 mil veículos então. Se eles viessem enfileirados, o ‘cortejo’ teria 1.200 km de distância. São Paulo-Brasília, basicamente.”

Claro que o combo turístico englobaria várias opções combinadas: ônibus, carro, avião. Ainda assim, as imagens evocadas, segundo a pesquisadora, dão uma ideia dos números inflados que a SPTuris, a empresa municipal de turismo, projeta para este Carnaval.

Tem mais de onde veio. “Se o recomendado é um banheiro químico para cada 25 a 30 pessoas, e em São Paulo a prefeitura oferece um a cada cem pessoas, só para turistas seriam 45 mil banheiros”, aponta. “Uma fileira de 45 km de banheiros pela cidade, se colocados lado a lado.”

Apesar de criticar a contabilidade carnavalesca da gestão, ela reconhece que Nunes não inventou a matemática mirabolante. Em 2018, a administração de João Doria, à época no PSDB, disse que a cidade recebeu 5,1 milhões de participantes em 366 blocos, além de palcos e do desfile das escolas de samba.

“O número é na verdade a soma da estimativa de público de cada um dos quatro dias oficiais do Carnaval: 1,65 milhão mais 1,45 milhão mais 1,15 milhão mais 800 mil”, afirma Aldrigui, ex-gerente de informação e inteligência de dados da Embratur. “Pelo histórico da participação nos blocos, seria perfeitamente possível assumir que em média o folião curtiria dois dias de Carnaval de fato, o que nos permitiria, sem risco de errar demais, afirmar que, em 2018, a festa na cidade chegou a 3,1 milhões de pessoas diferentes.”

A multidão superlativa continuou a crescer nas gestões Bruno Covas (PSDB) e Nunes. “Se os gestores mantivessem o crescimento proposto por Doria entre 2017 e 2018, ou por Covas entre 2018 e 2019, algo como 52,5% de aumento ao ano, em 2027 a cidade teria um Brasil de foliões, 221 milhões de pessoas.”

O que nos traz a 2025, quando o Executivo municipal estipula uma massa recorde nas ruas paulistanas. Assumindo que cada folião é uma pessoa, há fórmulas para maximizar a quantidade deles na folia.

Exemplo: dois blocos acontecem no mesmo dia, em horários diferentes, e ambos preveem à prefeitura um determinado número de participantes. É comum ignorar duplicações para inflar dados -uma mesma pessoa que vai a dois cortejos na mesma data, por exemplo. “Sim, isso acontece. A prefeitura soma o número enviado por cada bloco, que por sua vez superestima sua audiência para negociar patrocínio.”

Há ainda a capacidade geográfica de acolher essa multidão, igualmente questionada por pesquisadores. Marcio Moretto Ribeiro, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, usou como base as informações disponíveis sobre a localização dos 601 blocos confirmados pela gestão municipal. Em linha reta, concentrados no mesmo instante, ocupariam 64 km da cidade.

Os chamados superblocos, que rendem as imagens mais abarrotadas, são exceção. E ainda assim tendem a superdimensionar um bocado sua aglomeração.

Vejamos a rua da Consolação, na região central. Se considerarmos seis pessoas por metro quadrado, o que é bem apertado, caberiam pouco mais de 500 mil ao longo da via toda -contando o lado voltado aos Jardins e o lado voltado ao centro (onde os cortejos costumam passar).

“Isso se ela estiver densamente tomada em toda a extensão. Mas nunca fica tão cheio assim. Na prática tem pontos bem densos e outros bem vazios”, diz Ribeiro. Blocos como o Acadêmicos do Baixo Augusta, que passam pela Consolação, chegam a falar em mais de um milhão de foliões.

O inchaço estatístico, lembra o pesquisador e professor da USP, não é prerrogativa carnavalesca. “Eu diria que todo mundo tem exagerado quando fazem estimativas sem metodologia, sem fotos com drones, sem contagem de público com software.” Ocorre algo parecido em manifestações políticas, na Marcha para Jesus e na Parada LGBTQIA+, por exemplo. Organizadores falam em milhões enquanto pesquisadores calculam milhares de pessoas.

“Isso não é algo que está acontecendo só agora”, afirma Ribeiro. “Mas, em particular, no Carnaval, os números que têm sido divulgados são extremamente exagerados.”

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