EUA querem usar US$ 300 bi tomados da Rússia na Ucrânia

bombeiros russos

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Os Estados Unidos querem que a Rússia aceite empregar suas reservas internacionais congeladas no exterior como parte das sanções pela invasão da Ucrânia, cerca de US$ 300 bilhões (R$ 1,7 trilhão hoje) para reconstruir o país vizinho.

A negociação foi aberta em Riad, na Arábia Saudita, onde delegações russa e americana se encontraram pela primeira vez na terça (18) para discutir o fim do conflito. A ausência de ucranianos e europeus à mesa gerou uma crise ainda em curso entre Washington e Kiev.

A oferta foi revelada pela agência de notícias Reuters. Segundo a reportagem, a Rússia disse que aceitaria o trato se um terço do valor fosse colocado para a reconstrução das áreas que domina no leste e sul do país.

Com a Crimeia anexada em 2014, Vladimir Putin controla 20% da Ucrânia e os EUA já indicaram concordar com que ele fique com o território.

A Folha ouviu uma pessoa com conhecimento das linhas gerais das discussões em Moscou. Ela confirmou que o assunto está na mesa, dentro das discussões acerca do fim gradual das sanções impostas à Rússia que a desconectaram do sistema internacional de pagamentos, o Swift.

Ressalvando não ter informações mais detalhadas sobre a suposta contrapartida de investimento nas áreas ocupadas, essa mesma pessoa disse que os russos não gostaram da proposta.

O motivo é óbvio: Putin e outras autoridades russas denunciam o congelamento dos fundos, a maior parte deles na Bélgica, equivaleu a um assalto. E retaliação, diversos ativos de empresas de países ocidentais que aplicaram sanções a Moscou foram nacionalizados ou vendidos a russos.

O debate mostra que, apesar do giro de 180 graus de Trump em direção à Rússia, ainda há muita desconfiança de lado a lado. Como a Folha relatou, em Moscou há animação e cautela, incluindo o temor de que o americano queira alijar a China de seu principal parceiro estratégico -com efeito, o Kremlin anunciou nesta sexta (21) que Putin e Xi Jinping irão “conversar em breve”.

RESERVAS RUSSAS ESTÃO CONGELADAS

O dinheiro está depositado em bancos na forma de títulos do Tesouro, a maior parte de países europeus (US$ 200 bilhões), mas também dos EUA, Reino Unido, Japão e outros países. O valor bloqueado equivale a quase metade dos US$ 627 bilhões (R$ 3,5 trilhões) em reservas estrangeiras e em ouro que o Banco Central russo declarou em 2024.

Essa magnitude parece tornar difícil o negócio, mas por outro lado coloca uma fatura para a absorção dos territórios ocupados. No acordo de paz que quase vingou no começo da guerra, isso não estava na mesa, mas Kiev aceitava a cessão de suas terras como temporária, para discussão futura em até 15 anos.

Agora, ainda não se sabe como ficará essa questão, que até antes de Trump voltar ao poder era inaceitável para o governo de Volodimir Zelenski.

A Rússia já destinou, em seus orçamentos de 2023 e 2024, US$ 60 bilhões (R$ 342 bilhões) para as regiões de Lugansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson, anexadas por Putin de forma ilegal em 2022. Como a Folha mostrou em novembro, as obras seguem em ritmo acelerado, mas boa parte dos recursos é destinado a programas secretos, presumidamente militares.

O Banco Mundial estimou, no ano passado, que a reconstrução da Ucrânia, considerando aí o lado sob controle de Kiev, custaria ao menos US$ 486 bilhões (R$ 2,7 trilhões).

Em reunião em 2024, o G7, grupo das nações mais ricas que já incluiu a Rússia no passado, defendeu o uso dos recursos congelados do Kremlin para a reconstrução ucraniana.

A ideia é malvista na China e em países que buscam o não alinhamento no conflito, como a Índia e o Brasil. O temor é o do estabelecimento de um precedente segundo o qual nenhuma reserva internacional está a salvo em caso de conflito, algo que também incomoda segundo relatos o Banco Central Europeu, pois mina a confiança no euro.

DISCUSSÃO ECONÔMICA GANHA PESO

A seara financeira tem se provado tão importante nas discussões iniciadas por Trump quanto a da segurança. O americano cobrou publicamente US$ 500 bilhões (R$ 2,8 trilhões) em reservas de minerais estratégicos a Kiev em troca do apoio militar já dado e, presumivelmente, ainda a ser alocado à Ucrânia.

Depois de aceitar conversar, Zelenski disse que não poderia “vender seu país” na quarta (19), quando trocou violentas farpas com Trump, que então disse que ele desviou parte da ajuda dada à Ucrânia e que era um “ditador sem eleições”.

O azedume continua, mas sob a névoa da briga as negociações continuam. A imprensa ucraniana relata que o enviado de Trump, Keith Kellogg, ouviu de Zelenski e outros em Kiev na quinta (20) que é possível chegar a outra acomodação, mas que não há o meio trilhão de dólares à mão, até porque parte das reservas estão em território ocupado por Putin.

Kellogg, que não quis conceder entrevista ao lado do presidente em Kiev na quinta, disse nesta sexta (21) no X que as conversas foram positivas.

Segundo a agência Bloomberg, as discussões chegaram a um ponto decisivo. Uma questão central para Zelenski, dado que perder terra está sendo dado como fato consumado, é qual garantia ele terá de que Putin não irá atacar novamente.

O time de Trump não é claro sobre isso, tendo insinuado que essa seria uma tarefa para os europeus, à margem da negociação. Reino Unido e França já propuseram uma força de paz com até 30 mil homens para ficar não nas linhas de frente congeladas, mas na retaguarda.

O Kremlin considera a ideia inaceitável, pois equivale na sua visão estratégica a ter a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, junto à sua fronteira mais importante a oeste. Na semana que vem, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o premiê britânico, Keir Starmer, irão se encontrar com Trump na Casa Branca para discutir o assunto.

Em campo, a guerra continua. A Rússia promoveu mais um grande ataque, com 160 drones, contra instalações energéticas da Ucrânia, além de ter anunciado a conquista de mais três vilarejos na linha de frente em Donetsk (leste). Os ucranianos lançaram, por sua vez, drones contra o sul russo.

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