O paraíso das roubadinhas

Salvador vai ganhar a primeira faixa exclusiva para motos, uma tentativa de reduzir o sangue derramado ao asfalto, chegando a 84 óbitos e um sem-número de sequelados em 2024, como vem se tornando banal e crescente a cada ano.O projeto ganha tintas de inusitado, quando se percebe a mudança de cenário numa linha do tempo: já vai longe, muito longe, aquela “cidade da baía”, a chamada “Boa Terra”, orgulhosa de seus bondes puxados a tração animal, entre jumentos e cavalos a transportarem as pessoas pela cidade.O empreendimento vitorioso do engenheiro Ramo de Queiroz faz parte de um passado no qual não se tinha tanta pressa e nem se podia chegar tão rápido, em contexto de probabilidade zero de acidentes graves.Hoje, decorrido mais de um século, é o contrário: grande fluxo de veículos, misturando-se motocicletas, bikes, automóveis, ônibus, e no meio desta “fauna”, os pedestres: o tempo presente exige o investimento em direção defensiva e alerta máximo.A inclinação para a desobediência produz, não apenas estatísticas molhadas de lágrimas pela dor dos familiares dos “mortos”: os vestígios do escárnio alcançam uma linguagem delicadamente adaptada.Beira à poesia, embora de gênero “tragédia”, quando referimos “roubadinha” ao absurdo de manobras fora das leis da gravidade e do trânsito, expondo motociclistas a colisões e abalroamentos, “roubando” vidas.Certos de serem espertos em demasia, quando em verdade, é a tolice que os conduz, estes mesmos pilotos formam crença no desenho  do equipamento, ocupando menos espaço, ao andarem na contramão, costurando zigue-zague a fim de entregar a mercadoria no tempo aprazado.A mecânica de mercado, se fosse possível personificá-la em um sujeito indiciado, sentaria no banco dos réus, pois as tais “plataformas” – patrões invisíveis – contam cada segundo de atraso na chegada do produto às mãos dos clientes.Entre perder o pescoço ou o serviço, os “cachorros loucos”, como os jovens das motos se autoproclamam, têm preferido arriscar a vida na pista.
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