Nova estratégia: criminosos ‘investem’ em lives durante sequestros

A prática pode até ser considerada ‘macaca velha’, como se refere um jargão no Brasil, mas, certamente, é capaz de despertar a curiosidade de milhares de pessoas, como se fosse uma novidade. Com objetivo de fugir das miras das forças de segurança, os criminosos têm usado e abusado das lives, as mesmas que ficaram famosas durante o período de pandemia da Covid-19.Tais transmissões ao vivo, no entanto, têm sido usadas em situações que colocam outras pessoas em situação de vulnerabilidade. Em fuga, bandidos invadem casas, fazem reféns e iniciam lives nas redes sociais para tentar negociar com a polícia. A modalidade em alta entre os criminosos preocupa especialistas e levanta questões sobre o papel da tecnologia na segurança pública.De acordo com o delegado da Polícia Federal e coordenador da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado na Bahia (FICCO/BA), Eduardo Badaró, em entrevista exclusiva ao Portal MASSA!, a proposta dos indivíduos da criminalidade é criar um “escudo virtual’ para dificultar a ação das forças de segurança.”Todo mundo tem celular e, principalmente, os criminosos sabem usar isso para fugir da justiça. Eles tomam reféns, ameaçam a vida das pessoas e usam a live como forma de impedir a intervenção policial. O recado é claro: não dê ibope pra isso. Quanto mais gente assiste, mais poder eles acham que têm”, avalia.O primeiro caso de transmissão de um sequestro ao vivo na Bahia aconteceu em 2021, no bairro de Amaralina, durante uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Desde então, situações semelhantes passaram a se repetir, como em um caso no bairro de Dom Avelar, em 2023, onde sete homens armados mantiveram uma mulher e quatro filhos reféns enquanto transmitiam tudo pela internet.

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Em um episódio mais recente, dois suspeitos fizeram uma mulher grávida de refém, na Fazenda Grande do Retiro, enquanto transmitiam tudo ao vivo pelo Instagram. Durante a live, exibiram armamentos e ameaçaram executar a vítima caso a polícia invadisse o local.Essa nova dinâmica do crime ainda é vista como um reflexo da própria lógica de confrontos urbanos, além do avanço tecnológico. É o que pensa o historiador Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.As redes sociais entram nesse jogo não só como ferramenta de confronto e medo, mas também como estratégia de sobrevivência.”No ambiente de guerra urbana, onde o Estado investe pesado em repressão e capacidade bélica, o outro lado também busca meios para se fortalecer. As redes sociais entram nesse jogo não só como ferramenta de confronto e medo, mas também como estratégia de sobrevivência. Em muitos casos, criminosos usam a live como ‘garantia’ de que não serão mortos na abordagem policial”, analisa em entrevista à reportagem.As redes fortalecem a estratégia?As transmissões ao vivo complicam a investigação criminal. O advogado criminalista Alisson Monteiro explica que, muitas vezes, as plataformas digitais se recusam a fornecer dados dos usuários, dificultando a identificação dos envolvidos. Além disso, o uso de perfis falsos torna o rastreamento ainda mais complicado.O uso da internet por grupos criminosos não é novidade. No cenário internacional, até mesmo organizações terroristas utilizam as redes para propagar suas ideologias e recrutar membros. No caso das transmissões de sequestros, o objetivo parece ser outro: evitar a morte durante uma operação policial.”Eles acreditam que a live é uma forma de pressão e uma garantia de que vão sair vivos. Mas a lei é clara: se houver ameaça real à vida dos reféns, a polícia pode agir com força proporcional”, explica Monteiro.O que fazer nestes casos?Para as vítimas e familiares, a orientação legal é acionar imediatamente a polícia e buscar apoio jurídico como punição dos criminosos ou até mesmo uma solicitação de remoção do conteúdo via judiciário. Monteiro também alerta que assistir e compartilhar esse tipo de live só reforça a estratégia dos criminosos: “Se ninguém assistisse, eles não fariam”.Sobre a responsabilização das redes sociais, Monteiro explica que ainda não há um consenso jurídico definitivo, mas que penalidades como multas podem ser aplicadas. De acordo com o profissional, o tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF).A estratégia do medo e a caça pelos viewsBadaró destaca que, apesar da estratégia criminosa, a polícia segue trabalhando dentro da lei para responsabilizar os envolvidos.Vamos responsabilizar ele, mesmo ele fazendo a live, mesmo ele buscando, de qualquer forma, se esconder da polícia e da justiça, principalmente, que a maioria desses indivíduos já tem mandado de prisão. A gente vai cumprir nosso dever, sim!”O criminoso que tenta se esconder atrás de uma imagem, de um vídeo, a gente não vai deixar. Vamos responsabilizar ele, mesmo ele fazendo a live, mesmo ele buscando, de qualquer forma, se esconder da polícia e da justiça, principalmente, que a maioria desses indivíduos já tem mandado de prisão. A gente vai cumprir nosso dever, sim!”, afirma.No país que é considerado o segundo colocado quando o assunto é ter usuários que passam mais tempo online, com média de 9h13, atrás somente da África do Sul, de acordo com o Relatório Digital 2024: 5 billion social media users, a forma de ficar ‘on e roteando’ pode influenciar diretamente na redução da criminalidade na capital baiana, de modo a mudar o panorama da ascensão as lives de sequestros.

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