Jornalista e influencer do Botafogo: quem é jovem baleado por PM no Rio

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MANUELA RACHED PEREIRA E LUIS ADORNO
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

Atingido pelo disparo de um policial militar reformado na madrugada de segunda-feira (24), Igor Melo de Carvalho, de 31 anos, é estudante, pai, jornalista esportivo e influenciador botafoguense.

Um PM aposentado, marido de uma mulher que teve o celular roubado na Penha, zona norte do Rio, perseguiu, de carro, Igor e outro homem preto em uma moto supondo que eram os criminosos. Assim que chegou perto, o policial atirou e atingiu as costas de Igor, que voltava para casa na garupa de um mototáxi depois do trabalho. O motorista por aplicativo, Thiago Marques Gonçalves, 24, não foi atingido pelo disparo, mas se feriu com a queda da moto (leia mais sobre ele aqui).

Igor perdeu um rim em decorrência do disparo. Ele está internado no hospital estadual Getúlio Vargas, também na zona norte. O quadro de saúde dele era considerado, até a noite de segunda-feira (24), estável.

Jovem baleado é aluno do curso de publicidade e propaganda e inspetor na Universidade Celso Lisboa, no Rio. Igor trabalha durante a semana na faculdade e, para complementar a renda, é garçom em uma casa de samba na Penha, aos finais de semana.

Fora da faculdade e do trabalho como garçom, Igor atua como jornalista esportivo e criador de conteúdo. Botafoguense, ele é administrador do canal Informe Botafogo no Youtube, Facebook e Instagram, rede em que é seguido por mais de 11 mil usuários.

Ele é casado, tem um filho de 3 anos e mora em Turiaçu, na zona norte. Pelas redes sociais, amigos e colegas se manifestaram contra a ação policial e em defesa de Igor. “Hoje, declaramos nosso apoio total a Igor Melo, um botafoguense conhecido na arquibancada alvinegra por sua alegria e seu carisma. (…) O que aconteceu com ele na madrugada de ontem é inaceitável”, divulgou a página da torcida organizada Fúria Jovem do Botafogo.

“O fato é tão absurdo que nem os horários batem”, divulgou produtor cultural do bar onde Igor trabalha. Também pelas redes sociais, Willian Oliveira repudiou a ação do PM roformado, que classificou como “absurda” e “inacreditável”. “Igor está internado, perdeu um rim e ainda enfrenta a injustiça de ser acusado de um roubo de não cometeu simplesmente porque uma pessoa alcoolizada ‘o reconheceu’. Igor trabalhou a noite toda conosco ontem, o fato é tão absurdo que nem os horários batem”, escreveu.

“O alvo tem cor de pele! Ontem passamos mais uma vez por uma daquelas situações inacreditáveis. (…) Igor é bom pai, garoto alegre e incrível. Mas a cor da sua pele vocês sabem qual é. Tenho nojo do sistema desse país!”, disse o produtor cultural Willian Oliveira, em publicação no Instagram.

“Trabalhador incansável e exemplo de integridade. Igor é estudante de jornalismo e publicidade, e trabalha de forma integral na instituição Celso Lisboa. Dono da página Informe Botafogo, mas também garçom e ambulante, sempre fazendo o possível para garantir o sustento de sua família e seu filho Jonas de apenas 3 anos. É querido por todos que o conhecem, sempre com um sorriso no rosto e disposto a ajudar”, disse a torcida Fúria Jovem do Botafogo, em publicação no Instagram.

Quando passava pelo viaduto da Penha, Igor percebeu um carro dirigindo em alta velocidade atrás da moto. Logo na sequência, começaram os disparos.

Vítima usava uniforme do trabalho quando foi baleado. As imagens de câmeras de segurança do circuito interno da casa de samba onde ele trabalha aos sábados e domingos mostram o rapaz esperando o mototáxi na saída do estabelecimento à 1h06. Ele usava a roupa de garçom do local quando foi atingido nas costas.

Depois de atingido, ele rastejou para fora da pista até a entrada de uma casa. De lá, ligou para o dono da casa de samba que trabalha pedindo socorro.

Estudante enviou sua localização. O empresário acionou os membros da equipe de segurança do estabelecimento para irem até o local.

Assim que chegaram, socorreram Igor de imediato até o hospital. O rapaz contou no caminho que acreditava ter sido vítima de uma tentativa de homicídio ou de latrocínio (roubo seguido de morte).

Enquanto dava entrada no pronto-socorro, uma mulher branca afirmou que Igor estava na garupa do autor do assalto que sofrera. “Nesse momento, ele passou da situação de vítima para a situação de custodiado”, afirmou ao UOL a historiadora e pesquisadora Pâmela Carvalho, 32, prima de Igor.

A mulher que teve o celular roubado afirmou na delegacia que o mototaxista foi o autor do roubo. O mototaxista era bem avaliado na plataforma do aplicativo, com nota 4,7 (com máximo de 5,0), tendo realizado mais de 1.000 corridas e com mais de 400 avaliações.

Testemunhas disseram que, depois de a mulher ter sido assaltada, Igor e o mototaxista passaram por ela na rua. Então, ela teria associado diretamente os dois ao crime por causa da roupa que um deles usava.

Marido, PM da reserva, reagiu ao desespero da mulher. Ele passou a perseguir a moto e atirar contra os dois que estavam sobre ela.

“Igor está sendo tratado como marginal, como bandido no hospital Getúlio Vargas”, disse Pâmela, prima dele. “Passou por uma cirurgia intensa, perdeu um rim. As regiões do estômago e do intestino também foram perfuradas”, afirmou.

“Meu primo tomou um tiro pois um ex-PM resolveu fazer ‘justiça’ com as próprias mãos e agora é mantido sob custódia como se fosse um criminoso”, disse Pâmela Carvalho, prima de Igor.

RESPONSABILIZAÇÃO

O advogado Rodrigo Mondego acompanha a família por meio da Comissão Popular de Direitos Humanos. “Igor sofreu uma gravíssima violência por parte de um policial da reserva. Ele ainda foi acusado falsamente pela esposa de seu agressor de ter cometido um roubo”, disse.

“Igor é inocente e vítima de toda essa situação e assim deve ser tratado pelas autoridades”, disse o advogado Rodrigo Mondego.

Vítima e mototaxista são considerados suspeitos pela polícia. A Polícia Militar informou à reportagem que PMs do 16º Batalhão, de Olaria, “constataram que dois suspeitos, que trafegavam em uma motocicleta, foram alvo de disparos de arma de fogo provenientes de um veículo desconhecido”.

A corporação afirmou que na delegacia um policial militar da reserva se apresentou como autor dos disparos. A identidade dele não foi revelada. “Sua esposa teria reconhecido o condutor da moto como um dos responsáveis pelo roubo de seu aparelho celular. Um dos homens foi preso, enquanto o ferido permaneceu sob custódia no referido hospital”, afirmou a PM em nota. O caso é agora investigado na 22ª DP (Delegacia de Polícia), na Penha.

Tentativa de homicídio investigada. A PM informou no início da tarde desta terça-feira que “colabora integralmente com o trabalho de investigação da Polícia Civil” e que “o caso foi encaminhado à Corregedoria da Geral da Polícia Militar”.

Caso foi apresentado da 21ª DP (Delegacia de Polícia), em Bonsucesso. A corporação afirmou que o policial militar reformado e a esposa foram ouvidos. “O condutor da motocicleta se recusou a prestar depoimento, optando por só se manifestar em juízo”, disse.

Já a investigação está em andamento na 22ª DP, da Penha. Segundo a Polícia Civil, o passageiro foi ouvido no hospital. “Os agentes buscam imagens de câmeras de segurança e outros elementos que comprovem a real dinâmica dos fatos. Todas as evidências serão analisadas, a fim de apurar a conduta e a responsabilidade de todos os envolvidos, bem como os crimes que possam ter sido praticados”, observou a Polícia Civil em nota ao UOL.

Comissão da Alerj acompanha o caso. A CDDHC (Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania) da Assembleia Legislativa do Rio divulgou em nota que “presta atendimento à namorada de Igor e tomará providências para garantir que o caso seja investigado com transparência e justiça”.

“É uma vergonha que um trabalhador negro, voltando para casa, seja brutalmente atacado com um tiro nas costas por quem deveria proteger a população. Esse caso escancara o racismo que permeia nossas instituições e demonstra o despreparo de agentes que fazem da cor da pele um critério de suspeição e execução. Quantas vezes mais vamos ter episódios de atirar primeiro e perguntar depois?”, disse a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), titular da CDDHC.

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