Milei cobra renúncia de governador após morte de criança em Buenos Aires

Milei

MAYARA PAIXÃO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)

A morte de uma criança de 7 anos na província de Buenos Aires, a mais populosa da Argentina, transformou-se em capital para a disputa entre o presidente Javier Milei e o governador Axel Kicillof, um dos mais importantes nomes da oposição peronista e alguém que se desenha como potencial candidato à Presidência em 2027.

Em uma semana atipicamente violenta na província, a morte de Kim Goméz comoveu o país. A menina ficou presa ao cinto de segurança para o lado de fora do carro de sua mãe roubado no município de La Plata. Ela foi arrastada por quase dez quarteirões.

A autópsia indicou que Kim morreu por choque hemorrágico e politraumatismo. Foram múltiplas fraturas decorrentes do tempo arrastada no asfalto pela dupla de adolescentes de 17 e 14 anos que roubaram o veículo na periferia do município. Eles foram detidos.

A morte da menina Kim foi apenas mais um caso em uma sequência de crimes violentos e de manifestações de moradores que chegaram a tentar destruir prédios da administração pública.

Ainda nesta semana, também na província, uma mulher de 54 anos foi assassinada com um tiro na cabeça durante uma tentativa de roubo. Depois, um homem de 21 anos foi morto com um tiro por dois motoqueiros na frente da namorada e do filho de 1 ano e meio.

A província tem 135 municípios e mais de 17 milhões de habitantes. A capital Buenos Aires, homônima, está rodeada pela província, mas é uma cidade independente e não a integra.

A sequência de episódios que evidenciam a insegurança na região levou ao agravamento da disputa entre Milei e Kicillof. O presidente cobrou que o governador renuncie em uma publicação no X nesta sexta-feira (28), abrindo uma crise pré-feriado de Carnaval e um dia antes de discursar em rede nacional para iniciar o ano legislativo.

Milei disse que a província de Buenos Aires é “um banho de sangue”. “Nossa visão sobre como enfrentar esse problema é muito diferente, e você claramente não pode resolvê-lo”, escreveu. “Se você se interessa pelo bem-estar dos bonaerenses, saia do caminho (isto é, renuncie) e nos deixe intervir na província”, seguiu o presidente.

A força política de Kicillof, o Partido Justicialista (PJ) presidido por Cristina Kirchner, acusou Milei de oportunismo e de se aproveitar da dor das vítimas para um fim eleitoral. Em outubro, o país tem eleições legislativas, que renovam um terço das cadeiras do Congresso.

Também afirmou que o fato de Milei ter fechado a torneira do repasse de verbas federais para as províncias é parte do problema de segurança.

O presidente, por sua vez, não deu indício de como seria a intervenção. Constitucionalmente intervir em uma província é uma ação de momentos extremos (como invasão externa ou desrespeito à Constituição) e exige aprovação do Congresso. Mas ele se mune do fato de que uma parceria das forças de segurança do governo nacional com as da província de Santa Fe, ao norte da de Buenos Aires e governada por um aliado, permitiu um feito histórico no ano passado.

A taxa de homicídios de Rosário, cidade santafesina que se tornou polo do narcotráfico, caiu de 19,9 a cada 100 mil habitantes (2023) para 6,8 em 2024. Com grande peso no contexto nacional, essa queda fez com que a taxa geral de homicídios da Argentina fosse a menor em 25 anos.

Para efeitos de comparação, a taxa de homicídios na província de Buenos Aires, personagem de toda a crise atual, foi de 4,8 a cada 100 mil habitantes em 2023, últimos dados disponíveis. Em São Paulo, o estado igualmente mais populoso do Brasil, foi de 5,7 naquele ano.

O fato de Kim ter sido morta por adolescentes também levou a ministra da Segurança de Milei, Patricia Bullrich, a que mais tem poder no gabinete e a que mais tem aprovação entre a população, a insistir em sua proposta de reduzir a maioridade penal de 16 para 13 anos.

Axel Kicillof foi reeleito para o Governo da província de Buenos Aires em 2023, mesmo ano no qual Milei se elegeu para a Casa Rosada. Se não sair por outros fatores antes (como deseja o presidente), ficará no cargo até 2027, mesmo ano de eleições presidenciais. E é essa a disputa que o hoje governador dá sinais de que comprará.

Kicillof acaba de lançar sua própria agrupação dentro do peronismo, para o desagrado de Cristina Kirchner, e no segundo semestre do ano passado fez um giro internacional, que incluiu o Brasil de Lula (PT), para forjar alianças também fora do xadrez doméstico.

O peronismo não está em um bom momento para os seus grandes quadros que outrora concorreram à Presidência, o que dá a Kicillof mais poder de barganha no Partido Justicialista.

A ver: Cristina, ex-presidente, poderia ficar inelegível caso o Senado aprove a Lei da Ficha Limpa proposta pelo governo. Alberto Fernández, ex-presidente, é hoje réu em um caso de violência contra a ex-esposa.

Sergio Massa, ex-ministro da Economia que disputou a eleição com Milei, teve seu capital político drenado. Daniel Scioli, que como Kicillof foi governador de Buenos Aires, que foi embaixador no Brasil e que disputou a Presidência em 2015 apoiado por Cristina, passou para o outro lado do muro e hoje é secretário de Turismo, Ambiente e Esportes de Milei.

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