Deportados dos EUA viram alvo de sequestros na fronteira com o México

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JULIA CHAIB
REYNOSA E CIUDAD JUÁREZ, MÉXICO (FOLHAPRESS)

A mexicana Margarita Rosa Hernandes, 62, entrou ilegalmente nos Estados Unidos em 2023. Viveu por dois anos em McAllen, no Texas, onde trabalhava em um restaurante. Há quatro semanas, sua vida virou do avesso, quando agentes do serviço de imigração americano foram à sua casa.

“Eles bateram à porta, e minha colega abriu. Ali, eles a empurraram, terminaram de abrir a porta, entraram e já nos tiraram naquele momento. Só deu tempo de pegar três trocas de roupa”, conta à reportagem.

Assim ela foi deportada. Os agentes a acompanharam até a ponte que vai para a Reynosa, a cidade mexicana do outro lado da fronteira, e disseram que levariam sua colega para Ciudad Juárez, sem dar maiores explicações. “Me deixaram na ponte e me mandaram caminhar.”

Margarita não conseguiu pegar seus documentos, tampouco os exames que fez para o tratamento de um câncer -ela agora tem dificuldade de conseguir atendimento por não ter identidade. Chegando em Reynosa, buscou um abrigo, onde estava há três semanas quando falou com a reportagem. Ela conseguiu chegar a salvo, embora sem nenhum tipo de assistência. Enfrentou, porém, mais um problema que os deportados têm encarado: o temor de sequestro por organizações criminosas.

Margarita entra na estatística dos pouco mais de 12 mil mexicanos deportados dos EUA –um número bem inferior ao esperado- desde que Donald Trump tomou posse como presidente. O republicano prometeu fazer a maior deportação em massa da história em resposta ao que chama de invasão na fronteira.

Na curto prazo, o dado não traduz a promessa. O governo Trump deportou 37.660 pessoas dos EUA em 30 dias, menos do que a média mensal de 57 mil expulsões no último ano de Joe Biden na Casa Branca.

O governo mexicano construiu abrigos nas cidades fronteiriças com capacidade para até 2.500 deportados. Quando a reportagem esteve na região, nenhum deles estava nem perto da capacidade máxima.

Um dos dois abrigos em Ciudad Juárez estava completamente vazio.

Trump tem enviado voos com imigrantes deportados para os seus países de origem, mas na fronteira, muitos vão caminhando ou de ônibus. Neste trajeto, viram alvos fáceis dos cartéis.

Bertha Bermudez Tapia, professora de sociologia da Universidade Estadual do Novo México, diz que a massiva campanha anti-imigração de Trump deixa os deportados mais expostos do que antes aos sequestros. Dados informais repassados por organizações que atuam com imigrantes em Nuevo Laredo indicam que de cada três ônibus oriundos dos EUA que desembarcam na cidade, ao menos um é sequestrado. Há relatos semelhantes também em outros locais da fronteira, como Reynosa e Ciudad Juárez.

“A maioria dos cidadãos mexicanos que são deportados viveu nos EUA por mais de dez anos, por exemplo. Os cartéis sabem que suas famílias estão nos EUA e que têm dinheiro lá. Por isso eles viram alvos”, explica a pesquisadora. “Agora as organizações têm mais tempo para pensar em como sequestrar essas pessoas ou como tirar dinheiro delas e também dos solicitantes de asilo.”

A Folha de S.Paulo teve uma amostra das preocupações com segurança envolvidas na travessia. Antes de ir acompanhada de uma pessoa que atua com entidades de apoio a imigrantes a Reynosa e Matamoros, a reportagem precisou concordar com algumas medidas de proteção. Entre elas, baixar um aplicativo que permite acompanhar a localização da pessoa em tempo real e se comprometer a não tirar fotos ou fazer vídeos de dentro do carro.

A travessia foi feita a pé cruzando uma ponte. Em Matamoros, a reportagem não presenciou nenhum incidente, mas colheu depoimentos dos imigrantes com medo. Em Reynosa, a situação foi diferente. Ao cruzar a ponte, esta repórter percebeu que era gravada por um homem. O sujeito abordou a reportagem e fez perguntas sobre o motivo de estar ali. Segundo relatos de moradores locais, o homem é um entre vários que trabalham como uma espécie de olheiro para grupos criminosos locais.

Esses olheiros monitoram a fronteira para acompanhar o fluxo e identificar imigrantes deportados. É o primeiro passo para que muitos que são expulsos dos EUA sejam sequestrados.

Em Reynosa, Lourdes Gonzales, que coordena o Casa Lulu, um pequeno abrigo na cidade, conta que a violência impede a mobilidade dos imigrantes. “Estamos quebrando a cabeça para pensar em como colocar as crianças na escola e fazer o trajeto em segurança”, diz.

Em Ciudad Juárez, embora também haja forte presença de organizações criminosas, sobretudo pela quantidade de coiotes no local, a sensação de perigo é menor. Por lá os imigrantes dizem ao menos que conseguem trabalhar. Caso de Francia Perez, 51, que deixou a Venezuela em outubro de 2024 com o marido, o filho de 15 anos, o enteado de 33 anos e a neta de 10 para cruzar a fronteira dos EUA.

A família atravessou a selva de Darién, perigosa rota migratória entre a Colômbia e o Panamá, rumo ao México. Pouco depois de chegar ao estado mexicano de Chiapas, na fronteira com a Guatemala, o grupo foi abordado por criminosos e sequestrado. Todos ficaram três dias em um cativeiro até pagarem US$ 3.000 (US$ 600 por pessoa) para serem liberados. “É inevitável. Para passar, tem que pagar”, conta Francia.

Depois, a família subiu em um trem de carga, conhecido como “a besta”, rumo a Ciudad Juárez. A intenção de Francia é promover o reencontro da neta com sua mãe, que já está nos EUA. A família agora vende doces no centro da cidade enquanto aguarda a reabertura dos pedidos de asilo -outro recurso para imigrantes encerrado pelo governo de Donald Trump.

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