Carnaval de São Paulo terá menos da metade dos catadores de recicláveis de 2024

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FERNANDA MENA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A abertura do feriado de Carnaval, neste sábado (1º), coincide com o Dia Mundial de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis. Esses trabalhadores, no entanto, têm pouco o que comemorar na folia paulistana.

Vem caindo, ano a ano, o número de catadores e catadoras apoiados pela patrocinadora oficial do Carnaval de São Paulo, a Ambev, enquanto cresce o número de blocos e foliões -e, portanto, de resíduos recicláveis jogados nas ruas da cidade.

No Carnaval do ano passado, foram retiradas das ruas da capital paulista mais de 700 toneladas de lixo. Catadores ouvidos pela Folha estimam que cerca de 80% dos resíduos gerados por blocos de Carnaval sejam recicláveis.

Segundo a Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), parceira da Ambev e da prefeitura no Carnaval, neste ano serão apoiados 250 catadores, todos concentrados em um só circuito da festa de rua, o Ibirapuera.

Catador há 5 anos em SP, Lucas Assumpção trabalha no pré-Carnaval de 2024 no Bloco Vai Quem Qué Ronny Santos Ronny Santos/Folhapress Catador há 5 anos em SP, Lucas Assumpção trabalha no pré-Carnaval de 2024 no Bloco Vai No Carnaval de 2024, foram 674 em quatro circuitos carnavalescos: Ibirapuera, Faria Lima, Barra Funda e Rio Branco. Em cada um havia uma central onde o trabalho dos catadores era organizado, onde recebiam equipamentos de proteção individual (EPI), água e alimentação e onde os materiais eram pesados antes do transporte para as cooperativas.

No Carnaval, cada catador contratado recebe um pagamento diário pelo serviço ambiental prestado, além dos valores obtidos com a venda dos materiais.

“O discurso de sustentabilidade do Carnaval se esfarela quando a realidade é menos catador contratado e mais trabalhadores invisibilizados, mais precarização e mais exploração”, critica a catadora Anne Caroline Barbosa Martins, conhecida nas redes como a influencer Anne Catadora, cujo perfil educa sobre a reciclagem e seu universo.

“Os blocos e desfiles continuam acontecendo, a festa continua milionária, e, pelo visto, quem paga essa conta é quem sempre esteve na base da pirâmide. Carnaval sem catador é lixo acumulado na rua, é cidade suja, é hipocrisia institucionalizada”, condena Anne.

Em 2023, foi sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a lei 17.806 que determina prioridade na contratação de catadores e cooperativas de reciclagem nos planos de gestão de resíduos de grandes eventos públicos e privados em São Paulo. A lei, no entanto, aguarda regulamentação há mais de um ano.

Procurada, a Ambev disse, por meio de nota, que “a atuação da companhia está em conformidade com os termos do edital de patrocínio do Carnaval da Prefeitura de São Paulo” e é “comprometida com a logística reversa”. Afirmou, ainda, que em 2024 o apoio a catadores rendeu a coleta de 32 toneladas de resíduos recicláveis e gerou R$ 300 mil em renda.

Também procurada, a prefeitura disse que “a Secretaria Executiva de Limpeza Urbana fez uma parceria com a Ancat e a Ambev para o recolhimento dos resíduos” de sábado (1º) a terça (4) e que “o número de catadores é de responsabilidade da patrocinadora do Carnaval” enquanto o transporte do material recolhido cabe à gestão municipal. Afirmou também que 60 catadores vão atuar no Sambódromo.

Até o fechamento desta reportagem, a prefeitura não explicou por que de o edital de patrocínio permitir a redução de catadores no Carnaval.

“É a primeira vez que fazemos uma operação compartilhada com Ambev e prefeitura e queremos melhorar esse diálogo para crescer o número de estações, em vez de diminuir”, afirma Roberto Rocha, presidente da Ancat. “Ter apenas 250 catadores quando existem 20 mil em São Paulo é muito pouco.”

Para ele, a falta de regulamentação da lei 17.806 prejudica a inclusão dos catadores em eventos como o Carnaval. “A lei está há mais de um ano parada. Estamos numa luta para que ela seja regulamentada. Se ela já estivesse em vigor, poderíamos propor à prefeitura um trabalho mais ampliado com os catadores.”

A autora do projeto de lei, deputada Maria Helou (PSOL), diz ter acionado o Ministério Público para que a regulamentação seja priorizada. “O Carnaval como um todo poderia ser uma oportunidade gigantesca de fortalecer as cooperativas, gerar emprego para as pessoas mais vulnerabilizadas da sociedade e aumentar a reciclagem, diminuindo o número de resíduos que vão para os aterros”, defende.

“Precisamos mudar o modelo porque a gente economiza ao não enviar os resíduos para o aterro já que a prefeitura paga por tonelada de resíduo aterrado. A reciclagem, ao contrário, recupera recursos e gera renda para quem mais precisa.”

No final de semana de pré-Carnaval de 2025, um projeto financiado pelo Instituto Heineken e realizado em parceria com o Pimp My Carroça e o Cataki, apoiou 116 catadores autônomos. Em 2024, eram 130.

“Todo ano a gente aguarda este momento porque é quando tem muito material nas ruas e também quando conseguimos uma remuneração um pouquinho melhor pelo trabalho”, explica a catadora e diretora-executiva do Pimp My Carroça, Nanci Darcolléte. “Já provamos, em outros carnavais, que a gestão de resíduos com catadores é muito eficiente. As ruas ficam limpas, e eles fazem a destinação correta.”

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