Lucro de fabricantes de armas da Europa dispara na crise com Trump

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IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A decisão europeia de elevar os gastos militares levou a uma segunda-feira de euforia nos mercados do continente, com ações de empresas do setor de defesa puxando altas históricas.

O referencial FTSE 100, da Bolsa de Londres, atingiu o maior índice desde que foi criado, em 1984, com quase 9.000 pontos nesta segunda (3). A BAE Systems, fabricante de diversos armamentos, viu suas ações subirem quase 15%.

Ela é a sexta maior empresa de defesa do mundo, e a primeira não-americana no ranking do Sipri (Instituto para Estudos da Paz de Estocolmo, na sigla em inglês), com uma receita anual de US$ 30 bilhões (R$ 176 bilhões). O setor militar acumula alta de 36% no ano na Bolsa londrina.

A tendência foi registrada em todo o continente. A Rheinmetall, maior da área na Alemanha, viu suas ações subirem quase 12%, mesmo índice da carro-chefe italiana Leonardo. Já as ações da Thales francesa subiram 13,2%, enquanto as da sueca Saab chegaram a quase 11% de elevação e as da norueguesa Kongsberg, 14,4%.

O índice Stoxx Europe Aeroespace anda Defence, que mede variações em 600 firmas em diversos mercados europeus aferiu os maiores ganhos em um dia desde 2020, com 7,9% de aumento, acumulando mais de 30% no ano até aqui.

Tudo isso é cortesia da nova realidade geopolítica trazida pela volta de Donald Trump à Casa Branca, em particular a feroz altercação entre o presidente e o colega Volodimir Zelenski, que chocou o mundo na sexta passada (28).

O ucraniano visitava Trump para fechar um acordo de exploração mineral que, na sua visão, poderia mover o americano para longe de Vladimir Putin.

O republicano alinhou-se ao russo na sua percepção dos motivos que levaram Moscou a invadir a Ucrânia em 2022 e, pior para Kiev, abriu negociações de paz bilaterais sem incluir os agredidos ou seus parceiros europeus.

O resultado foi desastroso, com Trump e seu vice, J.D. Vance, batendo boca e humilhando Zelenski ao vivo, com jornalistas presentes. O ucraniano acabou deixando a Casa Branca sem acordo nenhum e ainda teve de ler o americano escrever que ele poderia voltar “quando estivesse pronto para a paz”.

Restou a Europa, que está atordoada com a agressividade de Trump, que de todo modo nunca havia tratado bem o continente em seu primeiro mandato (2017-2021). O republicano tem desdém histórico pela Otan, a aliança militar criada pelos EUA com seus aliados europeus em 1949 para barrar a expansão soviética na região.

O clube chegou a ter a “morte cerebral” decretada pelo presidente francês, Emmanuel Macron. A chegada de Joe Biden à Casa Branca em 2021 reativou os laços transatlânticos, mas foi a guerra de Putin que renovou o senso de missão do clube.

Em todo o continente, países começaram a elevar seus gastos militares, acelerando uma tendência que já vinha surgindo desde que Putin anexou a Crimeia, em 2014. De lá para cá, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), os aliados dos EUA na Otan dobraram sua despesa bélica.

Há dez anos, apenas 3 dos então 28 membros da Otan gastavam acima dos 2% do PIB previstos como meta pela organização. Agora, são 24 de 32. Ainda assim, o valor global do continente é ainda inferior ao total que a Rússia gasta, levando em consideração o critério de paridade de poder de compra -pouco mais de US$ 400 bilhões (R$ 2,3 trilhões).

De volta ao poder, Trump retomou a pressão para mais gasto europeu, exigindo 5% do PIB dos países para defesa. Isso é irreal: a Polônia, membro da Otan que mais investe no setor, gastou em 2024 4,12% de seu PIB.

O americano comanda a maior máquina militar da história, que soma 39,4% do gasto global com defesa -seus colegas de Otan, somados, chegam a 22,1%. Mas em proporção do PIB estão em 3,4%.

Para complicar, Trump ameaça deixar Kiev sem ajuda militar, o que obriga uma despesa maior dos europeus se eles quiserem se manter contrários a Putin. Além disso, Vance disse em um discurso em Munique que os parceiros podem não ter a presença militar dos EUA, constante desde o pós-guerra e que hoje soma mais de 60 mil militares no continente, para sempre.

Com tudo isso, os líderes europeus se reuniram no domingo (2) em Londres para mais uma rodada de promessa de aumento de gastos, um projeto que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que será apresentado nesta terça (4).

O anfitrião, o premiê Keir Starmer, já havia anunciado uma elevação de seu gasto de 2,3% do PIB para 2,5% em 2027 e até 3% no final da década. O mesmo Macron anunciou que vai comprar mais 30 caças franceses Rafale e colocou suas forças nucleares, que são independentes das americanas e britânicas na Otan, à disposição da defesa continental.

O ambiente levou à euforia nos mercados nesta segunda. Há, contudo, limites. Por sofisticada que seja, a indústria europeia não tem o mesmo escopo e capacidade produtiva da americana, tendo falhado até em entregar a meta de munição que havia previsto para a Ucrânia.

Com efeito, são empresas americanas as que mais lucraram com a guerra até aqui, em particular no aumento da carteira de clientes de seu caça de quinta geração F-35, que está virando padrão no continente. Com mais dinheiro e vontade política, contudo, esse jogo poderá mudar.

O futuro premiê alemão, Friedrich Merz, já disse ser a favor da criação de um fundo europeu para elevar as despesas com defesa. Seu país, que vive a maior estagnação econômica em décadas, tem muito a lucrar: a Rheinmetall é a principal fabricante de tanques e blindados do continente, por exemplo.

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