Sombra na pós: estudantes de mestrado e doutorado explicam impacto da depressão 

unnamed (1)

Por Ane Caroline Costa
Agência de Notícias do CEUB

Ao se ver no meio de uma pandemia e no segundo semestre de seu mestrado, o diagnóstico de depressão se tornou uma realidade dolorida para Daniel Rodrigues. A alta expectativa e a pressão acadêmica intensificaram suas lutas, e o levaram a trancar a faculdade durante um semestre e se internar em uma clínica de reabilitação psicológica. O retorno do estudante ao mundo acadêmico só foi possível em 2021.

De acordo com Daniel Rodrigues, a exclusividade da dedicação ao programa de mestrado e o valor da bolsa (que na época era de R$ 1,5 mil) insuficiente para arcar com os gastos geraram uma reação em cadeia de uma cobrança maior e uma preocupação excessiva com o aspecto financeiro, afetando diretamente a saúde mental.

“Entrei em 2019 para fazer mestrado em ciências sociais e era dedicação exclusiva. Não tive flexibilidades. Então você acaba ficando muito à mercê dessa situação violenta, tanto pela família, tanto pela universidade, quanto essa situação econômica”, afirma.

Os mais afetados

A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) publicou em 2018 uma pesquisa sobre as possíveis causas da depressão serem tão recorrentes no meio acadêmico.

O artigo foi baseado em um estudo (no mesmo ano) da Revista Nature em que dados mostram que 80% dos estudantes apresentaram sinais de ansiedade e depressão, respectivamente, de nível moderado ou grave. Os pesquisadores  entrevistaram pelo menos 2,2mil estudantes de 26 países, sendo 90% deles alunos de doutorado, e o restante de mestrado.

Na população em geral, em média, esses índices são ambos de 6%. O estudo também revela que os grupos mais suscetíveis a enfrentar essas doenças são as pessoas transgêneros (55% para ansiedade e 57% para depressão), seguidos por mulheres cisgênero (43% e 41%) e homens cisgêneros (34% e 35%). Segundo a Nature, metade dos estudantes que relataram ter enfrentado ansiedade ou depressão discordavam da ideia de que seus orientadores ofereciam uma orientação eficaz e um suporte abrangente. A maioria, ainda, não via o orientador como uma figura crucial para suas carreiras. 

Daniel Rodrigues passou por crise de ansiedade. Foto: arquivo pessoal

De acordo com dados de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a taxa de desemprego para brasileiros com ensino superior completo é de 3,5%. “O mercado de trabalho não está apto a absorver mestres e doutores, ainda mais na área de humanas. Somado a isso, a gente tem aquela questão de muitas vezes a pessoa se forma mestre ou doutor e fica desempregado, como é o meu caso. No caso do doutorado, muitas pessoas ficam emendando pós-doutorado, um atrás do outro para poder ter uma renda e sobreviver”, lamenta Daniel.

Ainda segundo o estudo publicado em 2018 pela revista Nature, estudantes de pós-graduação têm consideravelmente mais incidência da doença. Entre os fatores que levam a esses problemas estão o excesso de trabalho, prazos curtos, competir por bolsas e publicações prioritárias, a falta de apoio de orientadores e da própria instituição. Além disso, o assédio acadêmico é uma questão que tem um impacto profundo na saúde mental.

A pressão do orientador 

De acordo com Júlia*, estudante de pós-graduação, a pressão exercida pelos orientadores para a realização de pesquisas e publicações em prazos julgados “impossíveis” são pontos influentes no diagnóstico. “Eu tinha um orientador que me dizia que eu não ia dar conta, me dava coisas impossíveis de serem feitas”, relata a jovem.

Ainda de acordo com Julia, outras pessoas relataram para ela a complexidade do trabalho, dizendo ser uma pesquisa de mais de 15 anos. “E ele [o professor] continuava insistindo que eu fizesse coisas impossíveis e ficava me colocando para baixo, do tipo ‘você não vai conseguir’, ‘não vai dar tempo’, ‘você não vai dar conta”, complementa. 

O diagnóstico se deu após uma forte crise de ansiedade derivada da cobrança excessiva do antigo orientador, a solução foi trocar a orientação e o projeto. “Eu tentei publicar o artigo que eu fiquei seis meses escrevendo e tive uma crise de ansiedade muito forte, porque eu não consegui publicar e foi aí que eu vi que estava sob pressão. Mudei de orientação e mudei de projeto. Até hoje tenho que tomar bupropiona, né? Tenho que tomar o clonazepam para dormir, porque é preciso terminar o doutorado. Tô fazendo um projeto agora que eu tô amando, com um orientador gente finíssima”, afirma Júlia.         

Pandemia

De acordo com o médico e diretor de saúde da ANPG, Tiago Almeida, o estudante de pós-graduação tem seis vezes mais chances de desenvolver sintomas depressivos do que aqueles que não estão neste momento da formação acadêmica.

“Os principais fatores associados variam de acordo com o país e com as características dos programas, mas as pesquisas no Brasil apontam que a pressão pela alta produtividade, as expectativas não realistas de desempenho, a falta de apoio adequado para os estudantes, tanto dos seus orientadores quanto dos seus colegas do programa, são alguns dos fatores relacionados”, afirma. 

Segundo o diretor de saúde, a pandemia da covid-19 teve um impacto significativo na saúde mental dos graduandos. 

De acordo com uma pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), cerca de 80% dos estudantes tiveram que alterar de alguma maneira os seus projetos, modificar totalmente ou parcialmente. 

Durante esse período, quase metade dos pós-graduandos foram diagnosticados com o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e um de cada cinco com depressão.

“Quase 20% dos estudantes foram diagnosticados com depressão. Houve também uma mudança na percepção da qualidade do sono, maior necessidade de acompanhamento psicológico. Então, obviamente, essa mudança de padrão são fatores adicionais.”, considerou Tiago.

Ainda no  estudo divulgado, foi apontado que um dos principais problemas desse relacionamento é justamente a falta de orientação.

Entre as 6.320 respostas analisadas, 49% dos pós-graduandos se reuniam com seus orientadores semanalmente, com encontros de menos de uma hora.

Além disso, mais de 60% dos estudantes buscavam orientação sobre carreira na internet e em outras fontes, em vez de consultarem seus professores ou colegas de profissão.

Papel das universidades

Segundo avaliam os pesquisadores, universidades e instituições de pesquisas devem estar mais envolvidas com seus alunos e colaboradores e ter um espaço de diálogo aberto e confortável para promover uma ambiente educacional saudável. Apoiar os estudantes entre si pode ser uma maneira eficaz de vencer tal desafio. 

O médico Tiago Almeida considera que o estigma em torno da saúde mental deve ser combatido, e os estudantes devem ser incentivados a buscar ajuda, pois é um problema sério que requer a atenção de todas as partes interessadas. As instituições podem oferecer serviços de ajuda psicológica e se for o caso, mudar suas condutas educacionais.

Na Universidade de Brasília (UnB),  o apoio psicológico é encabeçado pela Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu/DAC). Dentre os serviços oferecidos, estão o de acolhimento psicossocial individual e o serviço de intervenção em crise. Para ter acesso às ajudas oferecidas, acesse o site da diretoria ou faça inscrições diretamente no  https://linktr.ee/dasu. Em caso de dúvidas, entre em contato pelo e-mail [email protected] e acompanhe também o Instagram @dasu_unb     

Como ajudar

A psicóloga Tainara Lopes alerta que a  doença se inicia de forma silenciosa e gradativa, e é necessário ter atenção aos sinais. “A terapia tem um papel importante como tratamento, pois ajuda o indivíduo a identificar os gatilhos e aumentar o repertório (pensamentos, autoconhecimento, comportamentos) do paciente a lidar em situações que exijam mais do seu emocional”, explica.

A profissional aponta que, para ajudar quem está passando pela doença, é importante apoiar a pessoa a voltar para sua rotina, criar novos hobbies, praticar algum tipo de exercício físico e principalmente não julgar e muito menos minimizar seu sofrimento ou sua dor.

 De acordo com a psicóloga, o diálogo aberto sobre a saúde mental tem ajudado na aceitação e no diagnóstico dos transtornos psicológicos. “Atualmente as pessoas reconhecem a sua saúde mental sem vergonha de admitir ou pedir ajuda sobre o que está passando, onde antigamente isso era um tabu. Levando em consideração que atualmente mais pessoas têm acesso à informação e com isso aumenta-se a busca por ajuda, e assim evitando um diagnóstico tardio”, afirma Tainara.

Tainara explica que é  de grande importância estar atento aos sinais de depressão e procurar ajuda quando necessário.

Vale destacar que, no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e trabalha na prevenção do suicídio. O serviço pode ser acessado de forma sigilosa pelo número 188, além de estar disponível por e-mail ou chat, 24 horas por dia.

Os serviços de atendimento psicossocial gratuitos podem ser identificados aqui.

*A entrevistada preferiu não se identificar.

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Adicionar aos favoritos o Link permanente.