Coluna Museu do Surfe, de Diniz Iozzi e Gabriel Pierin, celebra Paulinho Tendas, pioneiro brasileiro em revistas gringas e legado que sobrevive ao tempo.

Paulo do Tendas

Grandes personalidades tornam-se conhecidas pelo nome da cidade ou estado que nasceram. Igualmente, prestigiados surfistas recebem o apelido pela praia que cresceram e se destacaram, mas apenas um ganhou o nome do edifício que marcou época. É o caso de Paulo Tendas, o paulistano que passou a viver no apartamento de veraneio da família, no pioneiro Edifício Tendas da Praia das Astúrias, no Guarujá (SP).

Paulo Eduardo Ribeiro Martins já competiu antes mesmo de nascer. Filhos de Arthur Ribeiro
Martins e Yvonne Regulski Ribeiro Martins, os gêmeos Paulo e Silvia nasceram em São Paulo, no dia 5 de setembro de 1958, mas foi no Guarujá que Paulinho descobriu o verdadeiro sentido da sua existência. A família descia a serra e curtia os finais de semana e feriados na praia, onde Paulinho, já aos nove anos, lançava sua vara para pescar no canto das Astúrias na companhia do amigo Valter Pieracciani. Os dois também se divertiam com as pranchinhas de madeira, um pequeno pedaço de compensado com bico envergado e encaixe para as mãos, para surfar ondas de peito.

Filho de uma tenista ranqueada em torneios internacionais, Paulinho tinha muita facilidade nos esportes. Aos 12 anos, ele competia pela equipe de voleibol no Mackenzie, escola que estudava na capital paulista. Acometido de bronquite, a família seguia as recomendações médicas para que Paulinho respirasse o ar úmido do litoral. Confiando no tratamento, o menino passou a morar no Guarujá (SP).

Em 1967 conheceu o surfe e ganhou uma prancha Glaspac. Buscando o máximo em performance e superação para sua doença, Paulinho se desafiava. Corria sistematicamente do Canto do Tortuga, na Praia da Enseada, até as Astúrias e era um exímio nadador. Valter
acompanhava de prancha o nadador, num percurso em águas abertas, do Canto do Maluf até a Praia do Tombo.

Na transição para as pranchinhas, Paulinho se aproximou de Roberto Teixeira, mais velho e
experiente. Ele contou com a ajuda de Roberto para convencer a mãe a deixá-lo entrar de cabeça no surfe e também encomendar uma das sonhadas pranchas do fabricante Thyola, seu futuro patrocinador com a Lightning Bolt.

Nessa época, dois núcleos de surfe formavam na região: um na Praia de Pitangueiras e o outro nas Astúrias, onde se reuniam Paulinho, Valter, Roberto Teixeira, Luís Mello, Marcelo Fló Magoo, Chicão, Teto Del Nero, entre outros. Paulinho começou a vencer campeonatos no Guarujá. Depois encarou as competições pelo litoral norte. Quando surgiram os festivais de Ubatuba (SP) e Saquarema (RJ) logo se destacou. Em 1976, na Praia de Itajaí (SC), Paulinho derrotou Daniel Friedmann no auge. Em 1977 venceu o Torneio Gledson.

Paulinho foi várias vezes finalista dos torneios nacionais nos anos 1970 e início dos anos 1980. Dono de um estilo único e um competidor nato, Paulo despertava a simpatia do público, dos outros surfistas e juízes pelo seu carisma inato.

No final de 1978, Tendas partiu para a sua primeira temporada no Havaí, uma viagem de
descobrimento e altas ondas. Na temporada 1982/83, em sua segunda viagem ao arquipélago, Paulo Tendas tornou-se o segundo surfista brasileiro a sair com destaque na revista Surfing, numa foto de capa que imortalizou o surfe paulistano nas ondas de Sunset.

Na terceira e derradeira viagem ao Havaí, no inverno de 1986/87, Paulo Tendas protagonizou um eletrizante episódio em Rocky Point. Subindo pela Freeway, passando o morro, ficava o casarão da Miss Milly, uma senhora havaiana bastante influente na comunidade local. Ela criava porcos e galinhas em suas terras, e na parte superior da propriedade mantinha uma hospedaria para estrangeiros, normalmente surfistas que buscavam as ondas de Rocky Point, no North Shore havaiano.

Era o primeiro inverno do santista Almir Salazar no Havaí. Os irmãos Salazar e outros
brasileiros surfavam Rocky Point naquele final de tarde da histórica temporada. Num
determinado momento, Almir pegou uma onda e na execução de uma das manobras espirrou água sobre um havaiano. O surfista não gostou e querendo impor a força do localismo, intimidou o brasileiro. Picuruta saiu em defesa do irmão e o pau comeu entre os brasileiros e havaianos.

Dispostos a levar a briga adiante, os havaianos descobriram o paradeiro dos brasileiros e foram até a casa da Miss Milly. Paulo Tendas, sabendo do ocorrido com os seus conterrâneos, se dirigiu até a propriedade, colocou-se à frente, ameaçou chamar a polícia de imigração e conseguiu apaziguar os ânimos dos locais, estabelecendo a paz. Depois, num ato corajoso, vestiu a camisa da Seleção Brasileira e foi surfar no Backdoor de Pipeline. O episódio tornou-se uma lenda e tempos depois ainda se ouvia falar sobre ele e os santistas.

O legado de Paulo Tendas foi além do mar. O paulistano radicado no Guarujá fez parte de uma série de reportagens chamada Southern Cone Expedition, junto aos fotógrafos da Surfer e outros surfistas internacionais, em artigos que se espalharam pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Chile.

Devido ao seu bom relacionamento com a revista internacional, Paulinho trabalhou na Surfer Brasil, junto ao publisher Carlos Lorch, seu companheiro na histórica viagem a Cuba, em plena Guerra Fria. Ele era o diretor comercial e uma das razões do sucesso da publicação. Paulinho também criou uma marca de surfwear, a Expedition. Seu projeto de vida era tornar-se um grande profissional fora d’água, atuando na indústria do surfe. Um sonho que começou na adolescência, quando ele e Valter fabricaram algumas pranchas, com a marca Pawa Surfboards.

A força de sua personalidade também estava na velocidade com que encarava tudo na vida. No reveillon costumava passar a meia noite no mar para ser o primeiro surfista a pegar uma onda no novo ano. A morte também veio prematura, com um terrível assassinato, em 29 de dezembro de 1989.

Sua breve vida repleta de acontecimentos deixou um rastro de admiração e amor. Desde os
tempos das Astúrias, ao lado dos amigos Olavo Rolim, Zé Roberto, Luís Mello, Roberto
Teixeira, Valter Pieracciani, entre outros, Paulinho Tendas construiu memórias e deixou um
legado que sobrevive ao tempo. Paulinho foi casado com Paula e juntos tiveram uma filha, Amanda.

Colaboração de Paula Soldani, Roberto Teixeira, Reinaldo Andraus e Valter Pieracciani.

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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal.

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