Sônia Robatto: revolucionária e incansável

“É uma escolha da minha alma, é ela quem gosta de escrever para as crianças”, diz a escritora e atriz Sônia Robatto quando perguntada sobre o que a motiva a seguir com o público infantil aos 88 anos. Moradora de Trancoso, no litoral Sul da Bahia, Sônia coleciona mais de 400 histórias feitas para crianças ao longo da vida e celebra a publicação do livro Uma casa mágica: o Teatro Vila Velha. O conto infanto-juvenil, lançado neste mês, passeia pelo universo lúdico e mágico do teatro soteropolitano que completa 61 anos em julho.A arte é praticamente um componente genético na família de Sônia. Filha do cineasta Alexandre Robatto Filho, um dos pioneiros do cinema no estado, a baiana seguiu na carreira artística depois de uma provocação do pai. “Ele me disse que existia um curso de artes cênicas e eu me inscrevi”, lembra. Sônia foi aluna da primeira turma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Ela até pensou em seguir a carreira de dançarina, mas a literatura e o teatro falaram mais alto.O livro Uma casa mágica: o Teatro Vila Velha tem muito a ver com a porção atriz de Sônia. A obra faz parte da coleção Vila das Infâncias (selo Edições do Vila) e trata da capacidade da arte transformar vidas. O conto é uma referência ao Vila Velha, teatro que a baiana ajudou a criar e erguer.Em 1964, sem local para se apresentar, Sônia e mais seis colegas de faculdade – Echio Reis, Carlos Petrovich, Othon Bastos, Carmen Bittencourt, Thereza Sá e João Augusto – foram até o gabinete do então governador Luís Viana Filho para pedir ajuda para montar um teatro. “Foi uma ousadia”, lembra Sônia.Com a solicitação, o grupo de amigos, que compunha a Sociedade Teatro dos Novos, recebeu um terreno e a promessa de uma armação metálica que daria conta de ser o teto e as laterais do projeto. “Só nos deram o terreno”, conta a atriz. Já que tinham o espaço vazio, ergueram as mangas e passaram a fazer campanhas de arrecadação de materiais usados.”‘Os novos aceitam tudo o que é velho’ era o nosso lema”, diz. Receberam ajuda de empresas de tecidos, lojas de produtos de construção, além do auxílio de pintores e pedreiros. “Foi uma época maravilhosa”.Cinco anos depois, criou e foi a editora da revista Recreio, da Editora Abril. A publicação lançou as escritoras Ana Maria Machado e Ruth Rocha, dois dos maiores nomes da literatura infantil do país. “A Recreio era um sucesso!”, lembra Sônia. “Eram 500 mil leitores por semana”.A revista foi reeditada em 2000, mas desta vez a autora não participou da equipe de produção. Segundo Sônia, a proposta era muito diferente da que havia sido criada por ela. “Eu era jovem, muito forte, disse não, porque eu sabia o que eu queria”.O poder imaginativo da literatura infantil é o que mais encanta Sônia. “Eu invento um gato mágico que canta e as crianças acreditam naquilo e seguem”, diz a autora, que tinha 19 anos quando assinou o primeiro conto infantil. “Elas abrem o coração e a mente, é uma coisa forte que surge em mim quando escrevo”.O mesmo sentimento apareceu quando veio a ideia de criar Uma casa Mágica. O encantamento do teatro foi o que abriu a possibilidade da autora falar sobre esta forma de expressão artística para crianças. Ao ler sobre o teatro, diz Sônia, o público pode inventar personagens próprios e ser livre para criar o que quiser.ImaginaçãoAlgo que ameaça a capacidade das crianças de imaginar é o acesso fácil a aparelhos digitais, segundo a escritora. Em um mundo cada vez mais exposto a telas eletrônicas, a proximidade entre a criança e a criação de personagens é algo que Sônia pretende reforçar em seus livros. “É muito importante que os meninos inventem, e inventem juntos”, alerta. “Se tudo for digitado, se for só ficar na frente da televisão assistindo desenho, essa capacidade de criação se perde um pouco”.Para a diretora-teatral, pesquisadora e arte-educadora Débora Landim, Sônia é uma mulher sempre à frente do tempo. “Me sinto privilegiada por compartilhar do convívio com ela”, diz. A relação entre as duas artistas teve início em 1998, no espetáculo Um tal de D. Quixote, onde ambas atuavam, e se consolidou ao longo dos anos com projetos como Pé de guerra (2000), adaptado do livro de Sônia.A parceria resultou na criação da Companhia Novos Novos de Teatro, que tem como foco o público infanto-juvenil. Ao longo de 25 anos, Sônia se tornou amiga e incentivadora de Débora, com adaptações de seus livros para o teatro, como Ciranda do medo e Casa barriga. “Sônia é um exemplo para todos e, sobretudo, para nós, mulheres”, diz a pesquisadora.Um tal de D. Quixote foi também um espetáculo importante para outra amiga de Sônia, a diretora e coreógrafa baiana Cristina Castro. A artista conheceu o trabalho da escritora infantil durante a montagem desta peça no Teatro Vila Velha. Cristina também faz parte da equipe do livro Vila das Infâncias, lançado este mês. A primeira publicação da coleção passa pela curadoria e produção de Cristina. “Ela é uma guerreira revolucionária e incansável. É uma escritora maravilhosa”, celebra a baiana.Sônia concorda com o adjetivo destinado pela amiga. “Realmente, eu estou sempre fazendo alguma coisa nova”, conta enquanto dá risadas. Nos últimos meses, ela gravou 50 histórias infantis para o canal do Teatro Vila Velha no YouTube e não deixou de escrever novos contos.Para a nova geração de autores de obras para crianças, Sônia deseja cada vez mais inspiração. Já, para os leitores que ainda estão por vir, a escritora almeja que eles acreditem no próprio poder de criação. “Com essa capacidade, eles vão ter mais discernimento e vão entender que podem tudo o que quiserem na vida”.Serviço:O que: Uma casa mágica: o Teatro Vila Velha faz parte da Coleção de livros Vila das Infâncias. O projeto é uma realização do Teatro Vila Velha através do selo Edições do Vila.Onde ler: O livro está disponível para leitura virtual no site https://issuu.com/teatrovilavelha. Para comprar a cópia impressa, entre em contato por mensagem direta no perfil do teatro no Instagram (@teatrovilavelha).
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