Governo quer comprar alimento com valor até 30% acima do preço mínimo para controlar especulação

lula da silva participa da abertura do 14º encontro nacional da indústria (enai).

ANDRÉ BORGES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Um projeto de lei costurado entre os ministérios da Agricultura (Mapa) e do Desenvolvimento Agrário (MDA) pretende ampliar o poder de compra de alimentos pelo governo federal, como forma de ampliar os estoques e produtos pela estatal Conab e, assim, evitar grandes movimentos especulativos, com controle de inflação ou falta de produtos no mercado.

Trata-se de mais uma medida com o objetivo de blindar o setor da inflação, tema que tem corroído a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que é visto hoje como sua prioridade para reverter o cenário político.

A reportagem teve acesso à minuta de um projeto de lei que acaba de ser elaborado por técnicos dos dois ministérios, em parceria com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), estatal responsável pelas políticas de abastecimento e segurança alimentar do país.

Uma das principais mudanças inseridas no texto diz respeito à PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos), uma regra que hoje é usada pela Conab em compras estatais de itens como arroz, milho, trigo, feijão e sorgo.

O objetivo é proteger os produtores rurais das oscilações bruscas do mercado, estabelecendo um preço mínimo para determinados produtos agrícolas e, assim, garantindo que o governo vai comprar a produção, caso os preços de mercado fiquem abaixo do valor estipulado.

O que o projeto de lei passa a prever é que o governo pode pagar até 30% acima do preço mínimo, como forma de garantir estoques estratégicos. A ideia é que a compra governamental ajude a estabilizar os preços antes de fortes especulações. Com essa flexibilidade, o governo pode manter estoques de produtos básicos mesmo quando os preços de mercado estão mais altos.

Hoje, por exemplo, se o preço mínimo do arroz está R$ 100 por saca, mas esta é vendida a preço de mercado por R$ 110 por saca, o governo não pode comprar do produtor acima do preço mínimo. Já sob nova regra, o governo poderia pagar até R$ 130 pela mesma saca de arroz (30% acima do mínimo).

O governo argumenta que, com essa flexibilidade, consegue aumentar sua autonomia para formar estoques estratégicos e evitar a escassez de produtos básicos, mesmo quando os preços de mercado estão mais altos.

Outro fator seria dar mais segurança ao produtor rural, que teria uma garantia maior de venda da sua produção, mesmo que os preços de mercado estejam variando. Paralelamente, a compra governamental ajudaria a estabilizar os preços, dificultando que intermediários elevem artificialmente os valores no mercado.

Em uma nota técnica assinada na última semana de fevereiro, na qual defende o projeto, a Conab afirma que a lei atual sobre o assunto, de 1991, “necessita ser revisada, de forma a assegurar que o país tenha capacidade de intervir rapidamente em situações de escassez ou especulação de preços sem que tenha que estar condicionado às atuais regras da PGPM”.

No alvo central dessas ações estão os alimentos da cesta básica. “Constata-se o patente interesse do legislador em garantir, sob a responsabilidade do Estado Brasileiro, a regularidade do abastecimento interno, especialmente alimentar, com a formação de estoques reguladores e estratégicos de alimentos, tanto para absorver excedentes e corrigir desequilíbrios decorrentes de manobras especulativas, quanto para assegurar o abastecimento alimentar, contemplando, prioritariamente, os produtos básicos da cesta de alimentos”, afirma a Conab.

Outra mudança proposta amplia o acesso de pequenos criadores de animais a insumos para alimentação animal. O texto expande os tipos de ração que podem ser adquiridos por meio do Programa de Venda em Balcão (ProVB), iniciativa voltada a pequenos criadores, cooperativas e associações, para acesso a esses produtos a preços acessíveis. Antes restritos ao milho), eles passam a contar com o mesmo incentivo sobre a soja, sorgo e farelo de soja.

O movimento cooperativista brasileiro reúne mais de 1 milhão de produtores rurais, distribuídos em 1,2 mil cooperativas, responsável por mais da metade da produção dos principais alimentos do país, segundo dados da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras).

O corte dos impostos de importação de produtos já anunciado pelo governo tem sido enxergado com ceticismo pelo mercado, em relação a seus efeitos práticos no combate à inflação.

O projeto de lei precisa ser submetido ao crivo do Congresso Nacional. A reportagem questionou o Mapa e o MDA sobre a perspectiva de enviar a proposta ao Legislativo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

A Conab respondeu, por meio de nota, que a modernização normativa da formação de estoques está em estudo porque se trata de uma missão do governo criada desde os anos 1960 e que é “um instrumento essencial para o enfrentamento de crises, sejam climáticas, sejam de produção ou de abastecimento”.

Hoje, todos os países desenvolvidos, ou em desenvolvimento, fazem estoque, declarou o órgão ligado ao MDA. Em crítica aos governos anteriores, a Conab declarou que a formação de estoques não foi realizada nos anos que precederam o terceiro mandato do presidente Lula, deixando o país vulnerável a eventos climáticos cada vez mais frequentes no contexto de aquecimento global.

A estatal também rechaçou qualquer avaliação de que as novas regras estejam intervindo nos preços do mercado. “As eventuais propostas de alterações na legislação não acarretarão em intervenção estatal no abastecimento de alimentos. Vale destacar, ainda, que no debate em andamento no governo, já ficou decidido que somente haverá reforços nos estoques com os preços em baixa, conforme a legislação”, afirmou.

A FPA (Frente Parlamentar Agropecuária), dona da maior bancada do Congresso, reagiu mal à nova proposta. Ao tomar conhecimento da minuta por meio da reportagem, afirmou que a proposta “subverte o objetivo de garantia de preços, convertendo o tema em uma política de subsídios, com alto grau de risco para corrupção e desvio de função”.

A bancada ruralista também avalia a possibilidade de maior pressão sobre o Plano Safra. “Os recursos do Plano Safra, já escassos, caso não cresçam, serão desviados das linhas de crédito, essenciais para o desenvolvimento das atividades agropecuárias.”

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