Colunista explica demissão do Washington Post após recusa de texto com críticas a mudanças de Bezos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Após pedir demissão do jornal americano The Washington Post, que recusou texto com críticas às novas orientações determinadas pelo dono da publicação, o bilionário Jeff Bezos, a agora ex-colunista e ex-editora-adjunta de opinião Ruth Marcus detalhou nesta quarta-feira (12) os motivos de sua decisão.

Em um longo texto publicado no site da revista The New Yorker, Ruth mencionou a aproximação recente de Bezos com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concretizada ainda na corrida eleitoral; discorreu sobre a decisão do Washington Post de não manifestar apoio a nenhum candidato na disputa à Casa Branca, o que rompeu com décadas de tradição; e manifestou discordância em relação a outros conteúdos que foram barrados da publicação nos últimos meses.

A gota d’água para sua demissão, inclusive, foi a recusa à publicação de um texto no qual ela criticava as novas instruções. O material se referia ao anúncio feito por Bezos no mês passado, segundo o qual o foco da seção passou a ser a defesa de “liberdades individuais e mercados livres”.

Ruth afirma que a nova determinação provocou mágoa e preocupação na equipe de colunistas. “Sempre pudemos garantir aos nossos leitores que ninguém restringia o que podíamos escrever. Como poderíamos fazer essa afirmação com credibilidade agora? Sem maiores esclarecimentos, éramos como cães que haviam recebido coleiras de choque”, escreveu ela na New Yorker.

Seu texto com críticas à decisão, afirma, tinha o objetivo de registrar um ponto de vista, não de constranger ou de provocar a administração do jornal. A justificativa feita pela chefia na ocasião, segundo Ruth, foi de que seu conteúdo era “muito especulativo”, uma vez que ainda é cedo para determinar os impactos exatos das mudanças determinadas por Bezos.

Dono da Amazon, Jeff Bezos adquiriu o The Washington Post em 2013. Nos últimos anos, Ruth relatou mudanças que a incomodaram. Ela afirma que a primeira eleição e posse de Trump, em 2016 e 2017, respectivamente, já tinham evidenciado “indícios de problemas”. Um deles foi o desejo de Bezos de que a seção editorial encontrasse “qualquer coisa positiva” para dizer sobre o republicano.

Ela ainda menciona entrevistas concedidas por Bezos à época em que ele relativizou a ameaça que Trump representava para a liberdade de expressão, a despeito de seus ataques contra a imprensa.

Segundo a ex-editora, Bezos não pressionou a equipe do Washington Post para que adotasse um tom brando com o republicano. Teria havido, porém, uma “mudança de tom inconfundível” no ano passado, com a possibilidade cada vez mais latente do retorno de Trump ao poder, conta.

“Você não saberia pelos editoriais de 2024 que, apenas quatro anos antes, havíamos chamado Trump de ‘o pior presidente dos tempos modernos’ -e isso foi antes da insurreição do 6 de Janeiro no Capitólio.”

Ruth ainda manifesta divergências em relação a outros posicionamentos recentes, como a decisão do jornal de não apoiar qualquer candidato à Presidência na eleição do ano passado. A medida rompeu com décadas de tradição na qual a publicação escolhia um presidenciável para endossar.

Durante a corrida eleitoral americana, o Washington Post chegou a escrever um editorial apoiando a candidatura da democrata Kamala Harris, mas Bezos barrou a publicação e decidiu que não haveria manifestação de endosso -uma tradição dos jornais americanos.

Dias antes da posse de Trump para seu segundo mandato, Ruth menciona como fator-chave a demissão da cartunista Ann Telnaes, em janeiro, após o jornal decidir não publicar uma de suas charges, que retratava Bezos ajoelhando-se e oferecendo um saco de dinheiro ao presidente republicano.

“Foi um exemplo de obediência antecipada. Esse episódio foi muito mais preocupante do que a decisão de não endossar [candidatos] porque não se limitou à posição editorial institucional do jornal -deu a entender que as restrições também estavam chegando para os colunistas”, diz.

Em relação à determinação para focar “liberdades individuais e mercados livres” na seção editorial, o presidente-executivo do Washington Post, Will Lewis, disse em memorando na ocasião da mudança que as alterações não dizem respeito a “apoiar qualquer partido político”. “Trata-se de ser absolutamente claro sobre o que defendemos como jornal”, escreveu. “Fazer isso é uma parte crítica de servir como uma publicação de notícias de primeira linha em todo os EUA e para todos os americanos.”

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