Bitcoin e maços de dinheiro reforçam suspeita da contratação de PMs para matar delator do PCC

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ROGÉRIO PAGNAN E CLAYTON CASTELANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O assassinato de Antônio Vinicius Lopes Gritzbach na saída do maior aeroporto do Brasil, em novembro de 2024, foi um acerto de contas, contou com meticulosa organização entre criminosos e policiais militares que executaram o atentado e ocorreu de forma propositalmente brutal e audaciosa para demonstrar a força da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Para chegar aos possíveis mandantes, comparsas e atiradores, a polícia contou com informações produzidas pelos próprios suspeitos, incluindo a ostentação de maços de dinheiro, relógios e joias em redes sociais.

Tais detalhes foram obtidos por meio das quebras de sigilos de dados de informática e telecomunicações -diz-se sigilo telemático- que permitiram a extração de informações em aplicativos de mensagens, de navegação e redes sociais.

As conclusões fazem parte do relatório final da investigação apresentado nesta sexta-feira (14) pelo DHPP (departamento de homicídios) da Polícia Civil de São Paulo. Agora, o documento assinado pela delegada Luciana Pinheiro Silva será enviado ao Ministério Público, que vai decidir se oferece a denúncia à Justiça.

Seis pessoas foram indiciadas após quatro meses de investigação, sendo que os três policiais envolvidos estão presos.

A quebra da proteção dos dados digitais resultou em diversas informações apresentadas como provas da conexão entre os três policiais militares presos sob suspeita de terem executado o atentado. São eles o cabo Denis Antonio Martins; o soldado Ruan Silva Rodrigues -apontados como atiradores-; e o tenente Fernando Genauro da Silva, suposto motorista do veículo Gol preto utilizado pelos autores.

Capturas de telas de celulares dos suspeitos apontam que o pagamento aos matadores de aluguel pode ter ocorrido com a utilização da moeda digital Bitcoin.

Ao vasculhar dados digitais do tenente Genauro da Silva associados ao perfil dele na rede social Instagram, a investigação encontrou informações sobre compras de carros e joias nos meses seguintes ao crime -dezembro de 2024 e janeiro de 2025.

Já a varredura da nuvem digital do iPhone do tenente localizou uma foto, tirada em 8 de janeiro, exibindo três maços de dinheiro sobre o volante de um automóvel Audi Q3 estacionado perto da casa do suspeito, em Osasco (Grande SP).

Tais informações ganham relevância no inquérito diante da impossibilidade de se averiguar o pagamento por meio da quebra de sigilo bancário ou mesmo pela aquisição de bens, pois eram colocados em nome de parentes do investigado.

Foram também encontradas fotografias em que os possíveis autores aparecem juntos em diversas ocasiões. A localização deles no dia do crime também foi rastreada. O Gol preto, por exemplo, teria partido de Osasco, de endereço próximo à residência do possível motorista.

As defesas dos PMs negam que eles tenham participado do crime.

Gritzbach foi morto a tiros de fuzil na área de desembarque do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo. Ele voltava de Maceió (AL) e foi interceptado pelos atiradores pouco antes chegar ao veículo blindado que o aguardava.

Peça importante na engrenagem financeira para ocultar bens e valores de lideranças do PCC, era suspeito de ser mandante do duplo homicídio de um chefe do bando, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, e de seu motorista Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, em dezembro de 2021.

Preso em 2022, Gritzbach negava o crime, mas admitiu participação no esquema de lavagem de dinheiro no crime. Ele fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público, no qual acusou policias e empresários de envolvimento com o esquema de ocultação de patrimônio do crime e de outras atividades ilícitas.

Corretor de imóveis e experiente investidor em ativos digitais, Gritzbach usava seus conhecimentos para aplicar dinheiro dos criminosos no setor imobiliário e no mercado financeiro. Mas ele passou a ter problemas com a organização após ter supostamente desaparecido com cerca de US$ 100 milhões (R$ 547 milhões) repassados a ele por Cara Preta para que fossem investidos em criptomoedas.

Gritzbach chegou a ser julgado e absolvido pelo tribunal do crime. O resultado desse julgamento irritou integrantes do bando e resultou em ao menos mais duas execuções de envolvidos com o esquema criminoso.

Na conclusão, a Polícia Civil afirma que a execução de Gritzbach foi claramente um acerto de contas por seu suposto papel de mandante nas mortes de Cara Preta e Sem Sangue, pela apropriação de imóveis e valores dos chefes da facção, além de ser também motivada pela delação acordada com o Ministério Público.

Tais conclusões reforçam a suspeita sobre quem são os integrantes do núcleo de mando da execução: Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreira, que era amigo de Cara Preta e teria sido financeiramente prejudicado por Gritzbach, e Diego do Amaral Coelho, o Didi, que teria desavenças com a vítima.

Diretamente ligado aos mandantes está o sexto e último iniciado, Kauê Amaral Coelho. Ele é primo de Didi e foi designado como olheiro no momento da execução. Sua tarefa era monitorar Gritzbach na saída do aeroporto.

Uma troca de mensagens entre um primo e o irmão de Coelho também foi interceptada. Eles comentam sobre a participação do suspeito na execução, falam sobre a motivação e mencionam a realização de uma comemoração em Igaratá (SP) pela morte de Gritzbach. O suposto olheiro segue foragido.

Um dos principais objetivos da conclusão do inquérito nesta sexta era a necessidade de pedir a prisão preventiva (sem prazo) dos seis suspeitos dos núcleos de mando e execução do assassinato, embora isso não encerre outras investigações relacionadas ao caso.

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