Carlos Willian Leite
Especial para o Jornal Opção
Sexto livro lido em 2025, “Um Senhor Notável” (Baião, 64 páginas, tradução de Gabriel Borowski), de Olga Tokarczuk e Joanna Concejo.
Laureada com o Prêmio Nobel de Literatura, Olga Tokarczuk constrói uma fábula inquietante sobre a hipertrofia da imagem e nossa rendição às máquinas. Em parceria com a ilustradora polonesa Joanna Concejo, ela cria um universo em que juventude eterna e aparências reluzentes se erguem como ídolos supremos. Embora a obra siga uma linha distópica muito particular, sua força imersiva dialoga com a experiência de “As Coisas de Que Não me Lembro, Sou”, ilustrado por @raquel_matsushita . O elo entre elas não está em estilos ou temas — afinal, são universos visuais e narrativos distintos —, mas sim na habilidade de ambas as ilustradoras de envolver o leitor em um ambiente sensorial, em que texto e imagem se fundem para ampliar interpretações.
Nessa distopia, o culto ao eu atinge extremos. Senhor Aparecido, fascinado pela própria beleza, adquire o celular mais moderno e se entrega ao frenesi dos autorretratos, coletando aplausos digitais. Enquanto sua presença virtual floresce em pixels impecáveis, seu corpo vai definhando. Aos poucos, os contornos se desfazem, até que sobra apenas a imagem idolatrada, vazia de humanidade.

Tokarczuk e Concejo projetam esse reflexo distorcido de forma hipnótica, embaralhando ficção e realidade para evidenciar a fragilidade de quem troca a essência por um simulacro. Em vez de promessas fáceis, a narrativa escancara nossa obsessão por aprovação externa e deixa claro que a distopia não se esconde em um futuro longínquo: ela já pulsa nos bastidores da vida cotidiana, moldando valores e esvaziando identidades.
O resultado ultrapassa arte e literatura, funcionando como um alerta contundente. Se a perfeição instantânea se torna nossa única régua de valor, o que resta de genuíno sob tantas camadas de filtro? A pergunta ecoa muito depois da última página, instigando-nos a refletir até onde queremos levar o culto à aparência — antes que também desapareçamos.
Nota: 9
Carlos Willian Leite, poeta, jornalista e editor da “Revista Bula”, é colaborador do Jornal Opção.
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