Educação sobre duas rodas

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Pedalar é uma atividade que, além de facilitar a locomoção, proporciona inúmeros benefícios à natureza e ao corpo humano. Sobretudo quando são oferecidos na infância. Desde que a bicicleta chegou ao Brasil, no fim do século XIX, ela tem sido utilizada para diversos propósitos, tais como: esporte, lazer, transporte e até para cicloviagens.

No Distrito Federal, no entanto, uma iniciativa inovadora vem transformando a rotina de alunos da Escola Classe Santa Helena, em Sobradinho, e se tornou referência para o resto do país. O professor Alex Acosta, através do Centro de Iniciação Esportiva (CID) de Ciclismo, juntamente com a Secretaria de Educação do Distrito Federal, incorporou a bicicleta ao ambiente escolar, desde 2016, utilizando-a como uma ferramenta pedagógica para estimular o aprendizado, promover a saúde das crianças e ensinar noções de trânsito. Na teoria e na prática.

Afinal, andar de bicicleta não apenas melhora a aptidão física, mas também beneficia o desenvolvimento do aprendizado e a saúde mental das crianças. Ao pedalar, elas desenvolvem o raciocínio e a consciência sobre o próprio corpo, seus movimentos e o espaço.

Na escola Santa Helena, a bicicleta não é usada apenas nas aulas de Educação Física, ministradas pelo professor Alex, mas em todas as matérias do currículo escolar para cerca de 140 crianças de 6 a 12 anos envolvidas no projeto. Na sala de aula, professores e professoras de outras disciplinas aproveitam a presença da bicicleta no ambiente escolar para incluir a educação para o trânsito como tema transversal a partir de discussões relativas à segurança e à infraestrutura nas vias e rodovias da cidade.

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Foto: Afonso Ventania / Bikerrepórter do Jornal de Brasília

Enquanto aprendem a ler, escrever e a fazer contas, os alunos também são alfabetizados nas questões do trânsito que são aplicadas nas aulas de História, Geografia, Português e outras.

O professor ensina ainda aos alunos regras de trânsito, sinalizações e condutas seguras para ciclistas e pedestres. “Desde cedo, é essencial que as crianças compreendam a importância de respeitar as leis e os demais usuários das vias. Assim, formamos cidadãos mais conscientes e preparados para um trânsito mais seguro”, acrescenta.

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Foto: Afonso Ventania / Bikerrepórter do Jornal de Brasília

A iniciativa do docente se mostra indispensável em um país como o Brasil que apresenta uma grande média de acidentes de trânsito, que causam a morte de milhares de pessoas por ano, além de feridos, despesas com hospitais e reconstrução da infraestrutura destruída durante os sinistros de trânsito. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre 2010 e 2019, o Brasil registrou, em média, 40 mil mortes por ano no trânsito, além de mais de 300 mil pessoas gravemente feridas anualmente. Dados do Ministério da Saúde revelam que, em 2023, o Brasil registrou 34.881 mortes causadas por sinistros de trânsito. Esse cenário precisa ser revertido, sendo os futuros condutores os responsáveis por tal processo.

O projeto, que já tem gerado impactos positivos entre os estudantes, pais e a comunidade escolar surgiu da necessidade de tornar o ensino mais dinâmico e próximo à realidade dos alunos. “A bicicleta é um meio de transporte acessível e sustentável, e percebi que poderia ser um excelente recurso para ensinar diversos conteúdos de forma lúdica e prática”, explica o professor Alex.

Aprendizado sobre rodas

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Foto: Afonso Ventania / Bikerrepórter do Jornal de Brasília

A proposta do professor Alex Acosta vai além da simples prática de pedalar. A abordagem também favorece a socialização e o trabalho em equipe, já que as crianças realizam atividades em grupo. A iniciativa tem também um importante papel na conscientização sobre a mobilidade urbana.

“Temos trabalhado intensamente essa questão de um trânsito seguro através da educação. Dentro de sala de aula e fora dela. Fico feliz quando vejo a criança aplicando os conhecimentos que ensinamos na prática, na rua. Uma vez por ano, visitamos a Transitolândia (escola vivencial do DER-DF), onde as crianças aprendem o respeito à faixa de pedestre, sobre a sinalização e que cada uma é responsável pelo bem-estar da outra”, comemora a professora Michele Campelo.

Outro ponto forte do projeto é o incentivo à atividade física. Em uma época marcada pelo uso excessivo de telas e pelo sedentarismo infantil, a bicicleta surge como uma aliada na promoção da saúde e do bem-estar. “Os alunos ficam mais ativos, desenvolvem resistência e habilidades motoras, além de se divertirem aprendendo”, completa Alex.

Francisco Dantas Souza, de 10 anos, ainda não tem uma bicicleta, mas aprendeu a pedalar nas aulas do professor Alex, na Escola Classe Santa Helena, há três anos. “Tirei as rodinhas aqui na escola e aprendi a pedalar sozinho. Gosto quando saímos para pedalar fora da escola e aprendemos muita coisa” conta Francisco, que sonha em ganhar a primeira bicicleta para pedalar em casa com os amigos. Ele já demonstra segurança e conhecimentos básicos de como se comportar na ciclovia. “Aprendi que bicicleta não pode andar na calçada que é o lugar para quem caminha”.  

Apoio e expansão do projeto

O sucesso da iniciativa tem chamado a atenção da comunidade escolar e de pais de alunos, que reconhecem os benefícios do projeto. Algumas parcerias estão sendo discutidas para ampliar a ação e oferecer mais estrutura para as atividades, como a doação de bicicletas e capacetes.

Alto rendimento

Um brinquedo de criança, um instrumento de lazer, uma ferramenta de trabalho, uma alternativa sustentável de mobilidade, a bicicleta é também um equipamento esportivo. Sua utilização é amplamente difundida entre pessoas de todas as idades, origens e classes sociais. Ao perceber isso, o professor Alex Acosta um projeto complementar que visa alimentar o espírito competitivo de futuros atletas.

“A iniciação ao treinamento esportivo do Projeto CID Ciclismo é oferecido em Sobradinho II e é voltado para crianças de 6 a 17 anos, em idade escolar, com o objetivo de participar dos Jogos Escolares. Mas incluímos pessoas da comunidade interessadas em participar de aventuras, expedições e competições de bicicleta. E, para a nossa alegria, já tivemos dois atletas que despontaram. Um deles é integrante de uma das principais equipes de ciclismo do país e, o outro, depois de se aposentar no ciclismo, se tornou um profissional de Educação Física”, comemora o professor, emocionado.

Ana Martins Guedes, de 16 anos, é uma das alunas do projeto e vem se destacando em competições nacionais. Em novembro do ano passado, ela participou dos Jogos da Juventude, em João Pessoa (PB), onde conquistou um lugar no pódio. “Com apenas um ano de ciclismo consegui minha primeira medalha de bronze. Estou muito feliz”, celebra. A atleta conseguiu a vaga para representar o Distrito Federal no torneio nacional após vencer três categorias nos Jogos Escolares. O sonho de Ana é se tornar uma ciclista profissional para representar o Brasil em Olimpíadas. “Vou dar o meu máximo”, promete a moradora de Sobradinho II.

A bicicleta permite que pessoas de diferentes idades e classes sociais tenham acesso a oportunidades de trabalho, educação, saúde, lazer e esporte que muitas vezes estão restritas a quem possui carro, moto ou depende do transporte público. Em regiões com infraestrutura de transporte público precária ou com custos elevados, a bicicleta é uma alternativa viável e acessível para todos, independentemente da renda. Além disso, ela melhora a qualidade de vida, promove a saúde física e mental e estimula a sustentabilidade.

Junto com a criançada, Valdir Pereira dos Santos, de 56 anos, é chamado carinhosamente no projeto de “vô”. Apesar de não ter a idade tão avançada, ele é bem mais experiente do que a maioria dos colegas do pedal. “Mas não fico muito para trás. Se eu não dou conta de subir a ladeira pedalando eu subo correndo empurrando a bike”, avisa. Ele trabalha na reciclagem e está estudando para se tornar técnico de Recursos Humanos e usa a bicicleta, há nove anos, como meio de transporte, lazer e, eventualmente para competir.

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Foto: Afonso Ventania / Bikerrepórter do Jornal de Brasília

Marcelo Lopes é pai de quatro alunos de Alex e faz questão de pedalar com os filhos. “Quando chegamos do Rio Grande do Sul, soubemos do projeto e logo nos inscrevemos. Assim eles ficam longe das ruas e de coisas erradas, dos celulares e computadores e estamos fazendo acontecer. E tudo graças às orientações do professor Alex Acosta”, elogia o gaúcho.

A projeto social do professor Alex Acosta reforça a importância de métodos inovadores na educação, mostrando que o ensino pode acontecer de forma interativa e criativa. A proposta segue avançando e inspirando novas práticas pedagógicas, provando que, sobre duas rodas, é possível aprender, se divertir e proporcionar transformações sociais que levem à concepção de um trânsito mais humano e seguro.

Afinal, não é somente na escola que os estudantes aprendem. A cidade é educadora e educanda no seu cotidiano, o trajeto entre a casa e a escola pode ser uma experiência de troca de mão dupla. Nesse sentido, a bicicleta é uma poderosa ferramenta educacional no combate dos desafios urbanos que o mundo atual vem enfrentando e como potencial solução de mobilidade ativa.

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