A vida passa pela janela

Coloridas, desbotadas, quebradas, de vidro, de madeira, de plástico, de ferro, de alumínio, não importa o material, mas viver numa casa sem janela é simplesmente impensável. A vida passa pela janela, seja olhando para fora, seja recebendo por ela todas as pulsações exteriores. A janela é para olhar e ser olhado. Ela permite sair de casa sem sair de casa. Por ela, entram a luz, o ar, os sons, a noite. Por ela, voam os sonhos, os olhares tristes, as esperanças.

A janela simboliza que não desejamos a clausura, o afastamento, a solidão. Ela expressa o anseio de vida, preenche os vazios da alma, trazendo para perto os encantos da natureza. Quando acordamos e nos levantamos, abrir uma janela é um dos nossos primeiros movimentos, queremos ver o dia, a paisagem, o sol, a neblina, a chuva, a rua, a efervescência da vida. Quando nos recolhemos, em geral a janela é a última a se fechar, ela ajuda a instalar o silêncio no nosso reduto particular.

Num passado já meio distante, as moças, em tempo de encontrar um namorado, eram liberadas para ficar à janela. Na literatura, essas cenas aparecem com frequência. E os pretendentes desfilavam pela rua exibindo seu potencial capaz de encantar a pretendida. As mães expediam essa licença quando julgavam a filha pronta para se envolver nessa aventura.

As serenatas, dos tempos idos, não aconteciam na frente da porta, era sob as janelas que a homenagem se desenvolvia. Há diversas músicas que evocam essas lembranças. Abre a janela, formosa mulher, expressa uma; outras pedem perdão, mostram arrependimento, confessam paixão ardente. Abre a janela e deixa o mundo te olhar, diz outra letra.

Quando nossos filhos eram pequenos, costumávamos, ao fim da tarde, sentar em frente a uma janela para ver o movimento da rua. Isso acontecia normalmente aos sábados, dia sem compromisso à noite. Passavam carroças, pedestres, conhecidos ou não, pessoas a cavalo, o ônibus eventual que levava ao bairro adiante. A vida era lenta, sem pressa. Hoje, olhando a mesma rua, contamos quantos carros passam voando por minuto. A vida revestiu-se de pressa, de velocidade, de irresponsabilidade.

A tecnologia nos trouxe uma nova janela. Não mais nos voltamos para a nossa rua, rebaixada em seus encantos, agora fixamos o olhar nessa que abriu horizontes bem mais amplos do que o bucólico cenário do nosso bairro. A televisão, ou qualquer outro equipamento eletrônico, são a nova janela da modernidade. Por eles, entram em nosso lar as mais exuberantes paisagens, as mais diversas culturas, as maiores extravagâncias, os mais chocantes espetáculos de horror e sofrimento.

Antes da televisão, já existia uma outra janela que nos conduzia a mundos surpreendentes, nos apresentava as mais interessantes ou detestáveis pessoas, contava histórias que iam do comovente ao chocante, despertava paixão, alegria, amor sem limites. Essa janela é o livro que continua sendo uma extraordinária forma de sair de casa sem sair de casa. Obras produzidas há séculos mantêm a magia de tocar os nossos sentimentos, ampliar os nossos saberes, questionar ou enriquecer a nossa história pessoal.

O que me levou a escrever esta coluna foi a releitura de A alma encantadora das ruas, que reúne crônicas que João do Rio escreveu no início do século XX. É uma fantástica viagem pelas ruas do Rio de Janeiro daquele tempo.

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