Entre o passado e o presente: a nova face de Il Guarany

O Theatro Municipal de São Paulo abriu sua temporada lírica de 2025 com a remontagem da ópera “Il Guarany”, de Antônio Carlos Gomes (1836-1896). A escolha da obra para abrir o ano operístico tem um significado especial: não apenas celebramos os 155 anos de sua estreia no Teatro Alla Scala de Milão, em março de  1870, mas também resgatamos um título que, em 2024, foi premiada como “melhor produção de ópera Latino-americana” pela associação Ópera XXI da Espanha

O impacto desse prêmio deve ser aceito sem xenofobia ou complexo de inferioridade. O reconhecimento de críticos europeus especializados não apenas valorizam o trabalho da gestão do Theatro Municipal, como evidenciam um amadurecimento da produção operística nacional.

A relação entre “O Guarani”, romance de José de Alencar, e “Il Guarany”, ópera de Carlos Gomes, é um caso interessante de adaptação literária para a música. No romance de 1857, Alencar retrata Peri como o “bom selvagem”, uma figura submissa e devotada à jovem Ceci. Carlos Gomes, ao transformar Peri em Pery, o insere no universo da ópera romântica italiana, aproximando-o dos heróis verdianos.

A musicalidade de Carlos Gomes está longe de ser indigenista ou autenticamente nacionalista. Ao contrário é profundamente enraizada na tradição italiana do século XIX, com influências de Verdi, Donizetti e Rossini. Há evidentes traços de “Linda di Chamounix”, de Donizetti, e “Il Trovatore”, de Verdi. Mas, se a originalidade melódica é discutível, a habilidade do compositor em construir personagens musicalmente distintos é inegável, como se observa nos duetos entre Pery e Cecilia.

A encenação de Cibele Forjaz com concepção de Ailton Krenak para a produção do Theatro Municipal de São Paulo rompe com os clichês visuais historicamente atrelados à ópera. A exclusão de estereótipos visuais de índios genéricos com penas e torsos nus dá lugar a uma participação ativa de povos indígenas reais, como o Coro e a Orquestra do Jaraguá Kyre’y Kuery e a cantora Zahỵ Tentehar.

Denilson Baniwa | Foto: Reprodução

O responsável pela codireção artística e cenografia do espetáculo Denilson Baniwa, destaca:

“É uma obra de mais de cem anos e é a primeira vez que tem pessoas indígenas a reelaborando e pensando a partir de uma perspectiva atual”

Sávio Speranzio, Cacique/Antropólogo | Foto: Reprodução

A produção também contou com a participação do goiano Sávio Speranzio, que foi um dos interpretes do Cacique/Antropólogo na ópera Il Guarany, sob direção musical de Roberto Minczuk e direção cênica de Cibele Forjaz. A presença de Speranzio reforça a importância da participação de cantores brasileiros de destaque em montagens de grande porte, especialmente em um título tão emblemático da história operística nacional.

Contudo, a encenação também gerou polêmicas. A inserção de intervenções não musicais, como a cena do “desbatismo” de Pery, pode ser interpretada como uma leitura anacrônica do personagem. A problematização colonialista se choca com a própria exaltação de Sepé Tiaraju, histórico líder guarani que defendeu as Missões jesuíticas e está em processo de beatificação pela Igreja Católica.

Ao longo dos anos, “Il Guarany” teve recepções diversas, desde sua estreia triunfal em Milão até um relativo esquecimento no repertório internacional. Em tempos recentes, sua revisão crítica parece essencial. O desafio está em equilibrar a preservação histórica e musical com uma abordagem contemporânea que faça sentido no palco do século XXI.

A produção do TMSP, com suas qualidades e controversas intervenções, coloca em perspectiva a necessidade de um debate mais amplo sobre a ópera de Carlos Gomes. Afinal, Il Guarany é uma obra de sua época, mas a forma como escolhemos encená-la diz muito sobre o nosso tempo.

No vídeo abaixo assistiremos um “Teaser”  da ópera. Um aperitivo da experiência para que o leitor tenha uma visão geral da concepção cênica, da música e do impacto cultural da ópera apresentada.

Observe os detalhes, já que essa montagem, premiada internacionalmente, parece ser uma das mais ousadas do Il Guarany já apresentadas.

Agora, só nos resta torcer para que o espetáculo volte a ser encenado o mais breve possível.

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