Turquia prende prefeito de Istambul, principal rival de Erdogan, e oposição fala em golpe

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A Turquia deteve Ekrem Imamoglu, prefeito de Istambul e principal rival do presidente Tayyip Erdogan, sob acusações de corrupção e auxílio a um grupo considerado terrorista pelo governo. O principal partido de oposição chamou a medida de golpe.

A ação contra o político é parte de uma repressão legal de meses a figuras da oposição em todo o país, em um movimento visto como tentativa de prejudicar as perspectivas eleitorais dos críticos do presidente turco, que está há 22 anos no poder.

À frente de Erdogan em algumas pesquisas de opinião, Imamoglu, 54, estava prestes a ser nomeado candidato à Presidência pela sua sigla, o Partido Popular Republicano (CHP, na sigla em turco), nas eleições previstas para 2028. Agora, porém, ele enfrenta duas investigações separadas que incluem acusações de suborno e manipulação de licitações.

Embora as autoridades tenham proibido protestos até domingo (23), manifestantes se reuniram na delegacia para onde Imamoglu foi levado e gritaram: “Chegará o dia em que o AKP será chamado para prestar contas”, em referência ao Partido da Justiça e Desenvolvimento, ao qual o presidente pertence.

Protestos maiores também estavam planejados, o que poderia testar a disposição das autoridades de expandir a ofensiva legal que já prendeu vários prefeitos de oposição eleitos. A emblemática praça Taksim, no centro de Istambul, local tradicional de manifestações, está completamente fechada.

O líder do CHP, Ozgur Ozel, pediu unidade à oposição e disse que seu partido seguirá em frente com Imamoglu como candidato presidencial.

“A Turquia está passando por um golpe contra o próximo presidente. Estamos enfrentando uma tentativa de golpe aqui”, disse ele. “A democracia era um trem, e Tayyip Erdogan só embarcou enquanto lhe convinha. Agora, ele saiu desse trem e se juntou às fileiras dos golpistas.”

Em um vídeo publicado nas redes sociais enquanto se preparava para sair de casa para a detenção, na manhã desta quarta-feira (19), Imamoglu disse que não desistiria e resistiria à pressão. “Centenas de policiais chegaram à minha porta”, disse sobre a operação. “Confio na minha nação.”

Após a prisão, a Turquia restringiu o acesso a várias redes sociais, incluindo X, YouTube, Instagram e TikTok, informou o observatório de internet Netblocks.

A esposa de Imamoglu, Dilek Imamoglu, afirmou ao canal de televisão privado NTV que ele foi levado por volta das 7h30 (1h30 no Brasil). “Os policiais chegaram logo depois da ‘zahora'”, afirmou, citando a refeição feita antes do amanhecer durante o Ramadã.

A prisão ocorre um dia após a Universidade de Istambul anular o diploma do prefeito, o que adicionou um novo obstáculo à sua candidatura, já que a Constituição exige a apresentação do documento para qualquer candidato ao cargo de chefe de Estado. Imamoglu havia classificado a decisão de ilegal e anunciado que pretende recorrer nos tribunais.

“Estamos em uma ditadura”, disse à AFP um lojista que se identificou apenas com o primeiro nome, Kuzey. “Esse cara e seu grupo sujo nos odeiam. Quando precisam lidar com alguém forte, fazem algo ilegal”, acrescentou, em referência a Erdogan.

O Conselho da Europa, principal grupo de direitos humanos da União Europeia, condenou a detenção nesta quarta. Em um comunicado, a entidade disse que o movimento “apresenta todas as características de pressão sobre uma figura política”.

A Alemanha também criticou a decisão. “Para nós, o respeito pelos princípios democráticos e constitucionais é um pré-requisito fundamental para uma democracia funcional”, disse um porta-voz do ministério das Relações Exteriores alemão em uma entrevista coletiva.

Já a chancelaria da França disse ter recebido a notícia da detenção com “grande preocupação”. “As prisões de hoje provavelmente terão sérias consequências para a democracia turca”, disse o porta-voz Christophe Lemoine.

Erdogan atingiu seu limite de dois mandatos como presidente depois de ter ocupado anteriormente o cargo de primeiro-ministro -em 2017, uma reforma constitucional impulsionada por ele levou ao fim do sistema parlamentarista, dando amplos poderes ao cargo presidencial. Se Erdogan quiser concorrer novamente, deve convocar uma eleição antecipada antes do término de seu mandato ou alterar a Constituição.

“O que aconteceu esta manhã é nada menos que um golpe de Estado contra o principal partido da oposição, com consequências de longo alcance para o futuro político do país”, disse à agência de notícias AFP Berk Esen, cientista político da Universidade Sabanci, de Istambul. “Esta decisão empurra a Turquia ainda mais pelo caminho da autocracia, seguindo o exemplo da Venezuela, Rússia e Belarus.”

O momento não é bom para Erdogan -nas eleições municipais do ano passado, viu sua pior derrota, quando a sigla de Imamoglu levou as principais cidades da Turquia e derrotou o AKP em locais que eram bastiões do partido governista.

“Em última análise, os acontecimentos de hoje destacam que, a qualquer custo, a agenda pessoal de Erdogan continua sendo a principal prioridade, com todo o resto ficando em segundo plano”, disse Wolfango Piccoli, co-presidente da consultoria Teneo.

O governo nega as acusações da oposição e diz que a Justiça turca é independente. A Human Rights Watch, no entanto, chamou as acusações contra o prefeito de “politizadas e falsas” e disse que ele deve ser libertado imediatamente. O escritório de Erdogan não comentou imediatamente quando questionado sobre a detenção.

O gabinete do procurador de Istambul disse que cem pessoas, incluindo jornalistas e empresários, são suspeitas de envolvimento em atividades criminosas relacionadas a licitações concedidas pela prefeitura.

Além disso, uma segunda investigação acusou Imamoglu e outras seis pessoas de auxiliarem o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), considerado uma organização terrorista pela Turquia e por seus aliados ocidentais.

O governo tenta há anos reprimir essa insurgência. Preso há 26 anos, o líder da organização armada, Abdullah Öcalan, pediu para o grupo depor suas armas e se dissolver no mês passado, o que poderia ser um grande passo em direção à paz regional.

Agora, um nomeado pelo governo deve substituir o prefeito, dado que ele foi detido como parte de uma investigação relacionada a terrorismo. A prisão de Imamoglu fez as ações da Bolsa de Istambul caírem mais de 5% e provocou uma das piores desvalorizações da lira turca já registradas.

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