No centenário do movimento Art déco, Goiânia luta para preservar seu patrimônio abandonado

Arquitetura bonita, com detalhes que chamam a atenção, o estilo Art déco despertou o interesse do mundo, inclusive de Goiás, na década de 1930. Na época, o presidente Getúlio Vargas e o governador Pedro Ludovico, em Goiás, pensavam em modernizar tudo — da economia à gestão, inclusive a política e a arquitetura.

Ao andar pelas ruas do Centro de Goiânia, notadamente na Avenida Anhanguera e ruas Araguaia e Tocantins, convém ao leitor observar a arquitetura de alguns edifícios, não muito altos, com características bem definidas e belas — diferentes da atual arquitetura de bairros como Setor Bueno, Nova Suíça, Setor Marista e Setor Oeste.

Pelas mãos das novas estruturas de poder, que incluíam arquitetos e engenheiros, o Art déco aterrissou no Planalto Central como um discurso que, modernizador, ecoou no cenário urbano da novíssima capital do Estado de Goiás a partir de 1933, ano da fundação de Goiânia. 

Se o novo regime precisava de uma “cara nova”, a cidade, a nova capital, também necessitava. Então, o Art déco era a nova imagem de um novo tempo. Associação entre gestão pública e arquitetura — as edificações com formas artísticas simbolizavam que os novos tempos chegavam para ficar e, por isso, precisavam ser diferentes do que existia antes. Se havia uma “revolução”, a de 1930, era preciso estendê-la a todos os campos.

Os primeiros edifícios erguidos na cidade, destinados à função de repartição pública e sede do governo estadual — na Praça Cívica, no centro da capital —, seguem o estilo Art déco, prezando pela volumetria simples e linhas harmoniosas com detalhes estéticos diferenciados. 

Erguer uma capital, no “fim do mundo” — assim o país via o isolado Centro-Oeste nos anos 1930 —, fez com que a nova urbe nascesse diante de muitas dificuldades. Por isso o Art déco goiano, apesar de possuir a personalidade característica em suas primeiras construções, é considerado um tanto simplório — o que não significa “feio” —, dado o árduo percurso para que materiais como vidro e metais chegassem à região.

Na Praça Cívica, ponto nevrálgico da nova capital, foram erguidas as primeiras edificações que fazem parte do plano urbanístico de Attilio Corrêa Lima (1901-1943), o arquiteto e engenheiro que criou e inventou a nova capital do Estado de Goiás, sob as ordens do interventor Pedro Ludovico Teixeira.

Art Déco em Goiânia |Fotos: Herbert Moraes / Jornal Opção

Na Praça Cívica, foram erguidos no estilo Art déco o Palácio das Esmeraldas, a Secretaria Geral da Fazenda, o Tribunal de Justiça e o Departamento Informação, hoje Museu Zoroastro Artiaga (que está sendo reformado), além de equipamentos urbanos como o coreto, o obelisco e a torre do relógio. 

Da praça, que tem função administrativa, convergem as três principais vias da cidade que nascia — a Goiás, a Tocantins e a Araguaia, todas cortando a Avenida Anhanguera. O local ficou demarcado como o núcleo de poder do Estado, além de ponto de encontro da vida dos goianienses, que é como os moradores de Goiânia são chamados.

Em 2003, quando completou setenta anos, Goiânia passou a integrar a lista de cidades que compõem o Patrimônio Cultural do Brasil. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou 22 construções em estilo Art déco, no centro histórico, como patrimônio da nação a fim de que fossem preservadas.

Apesar do tombamento, o poder público e os goianienses não souberam desenvolver, ao longo de décadas, o sentimento de pertencimento em relação ao patrimônio arquitetônico que faz Goiânia ser referência mundial em arquitetura Art déco. O movimento, por sinal, completa em novembro deste ano o seu centenário. Pouco se comenta, mas há turistas que vêm à capital para ver sua arquitetura, ainda de pé, apesar de malconservada.

Mesmo após o reconhecimento do Iphan, as construções foram se deteriorando; alguns edifícios apresentam problemas de conservação. O Museu Zoroastro Artiaga teve de fechar as portas devido às más condições de uso. Por pouco não ruiu quando suas paredes começaram a rachar do teto ao chão, abaladas pelas obra do sistema de transportes BRT, sob responsabilidade da Prefeitura de Goiânia de 2013 a 2024. Além das estruturas de prédios monumentais da Praça Cívica, como o Museu, as obras acabaram por invadir e desfigurar o traçado urbanístico do coração da capital goiana.

Quase todo o patrimônio Art déco de Goiânia continua em estado deplorável de conservação. Mesmo a Estação Ferroviária — há quase uma década passou por restauração — continua sofrendo com o desgaste do tempo. Permanece, porém, como um dos locais mais visitados da capital. É um ponto turístico chave da cidade. Por vezes, há exposição de artes plásticas no local e há, claro, pinturas permanentes de Frei Confaloni, um dos mais importantes artistas plásticos de Goiás (na verdade, nasceu na Itália, mas desenvolveu sua arte em terras goianas).

Interior do Museu Zoroastro Artiaga | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Das 22 construções tombadas pelo Iphan, os prédios que compõem a Praça Cívica estão sob responsabilidade do governo estadual. São os mais bem-conservados. Os demais estão sob tutela da Prefeitura de Goiânia. Com exceção da torre do relógio, na Avenida Goiás, que foi restaurada pela OAB de Goiás, e o colégio Liceu de Goiânia — que passa por uma reforma estrutural —, o patrimônio Art déco da cidade foi abandonado por praticamente todos os prefeitos da capital. 

Há três anos, o governo de Goiás, por meio da Secretaria da Cultura, resolveu encarar o desafio de não apenas reformar, mas restaurar os prédios da Praça Cívica que estão sob sua responsabilidade. Entre eles estão a residência do governador: o Palácio das Esmeraldas, uma das mais belas edificações de Goiânia, conhecida por muitos como a Casa Verde.

Alguns prédios já ficaram prontos, como o belo Centro Cultural Marietta Telles que traz, logo na entrada, portas de vidro que são verdadeiras obras de arte inestimáveis. O edifício abriga a Secretaria da Cultura do Estado e foi lá que a eficiente e determinada secretária de Cultura, Iara Nunes, recebeu o Jornal Opção para falar das obras de restauração. A missão que foi entregue a ela, pessoalmente, pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), com a pretensão de deixar um legado cultural para Goiás quando terminar seu mandato.

Art déco: a arquitetura de luxo que se tornou popular 

Movimento que transformou o design e a arquitetura, o Art déco é uma das expressões artísticas mais marcantes do século XX. Influenciou não só a arquitetura e o design como também as artes e a moda. A estética sofisticada e a geometria pra lá de charmosa conquistou admiradores por todo planeta e, até hoje, permanece como referência.

A arte decorativa ou Art déco surgiu na década de 1920 na França. O ano era 1925, e o estilo foi um marco na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, em Paris.

Em princípio, o movimento foi visto como um derivado do estilo Art nouveau, porque, logo de largada, o Art déco prezava pelo luxo, por meio do uso de materiais caros, como prata, ouro, marfim e pedras preciosas. O suficiente para “enlouquecer” artistas e designers da época que puderam aplicar e ostentar vasto material precioso em joias, na moda e móveis. 

Na arquitetura,  o Art déco, com suas formas geométricas, linhas elegantes e ornamentação glamurosa, entre 1925 e 1935, imperou nas principais cidades do mundo que já estavam influenciadas por outros movimentos modernos e industriais que surgiram após o fim da Primeira Guerra Mundial. O Art déco incorpora a materiais como vidro, metais e concreto outros recursos sofisticados e luxuosos — que, além de motivos decorativos, eram inspirados nas linhas da natureza implícitos por intermédio da tecnologia.

Apesar da busca pelo simples e prático, as raízes do Art déco surgiram a partir do luxo e da extravagância, mas, quando se aproximou da produção industrial e da arte e passou a fazer parte do dia a dia das pessoas, se espalhou pelo mundo com características que se firmaram na arquitetura.

Palácio das Esmeraldas | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

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