CNJ cria limite a penduricalho e juiz pode receber o dobro do teto constitucional

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São Paulo, 20 – A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu, em um questionamento do Tribunal de Justiça de Sergipe, que os penduricalhos pagos pelas Cortes a magistrados podem chegar ao limite de R$ 46,3 mil mensais – valor que corresponde à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, portanto, a decisão do órgão de administração do Poder Judiciário abre caminho para a adoção nos tribunais brasileiros de um teto para remuneração dos magistrados de R$ 92,6 mil mensais, o dobro do que estabelece a Constituição para o funcionalismo público.

É a primeira vez que o CNJ estabelece um limite para os extras que engordam contracheques de juízes e desembargadores. O teto para os penduricalhos foi definido pelo ministro Mauro Campbell, corregedor do CNJ, ao analisar um pedido do TJ de Sergipe para pagar o Adicional por Tempo de Serviço (ATS) retroativo aos magistrados do Estado.

Em vários tribunais o acúmulo de penduricalhos garante a magistrados subsídios que resultam em “supersalários”. Isso ocorre porque, embora a Constituição limite o subsídio do funcionalismo público ao que ganha um ministro do STF, magistrados recebem auxílios que não entram nesse cálculo. Verbas indenizatórias (como auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde) e vantagens eventuais (como 13º salário, reembolso por férias atrasadas e eventuais serviços extraordinários prestados) são contadas fora do teto.

Como mostrou o Estadão, magistrados receberam salários de até R$ 678 mil em 2024. Quando questionados sobre os benefícios, tribunais costumam alegar que eles estão previstos em legislações específicas, resoluções administrativas e regimentos internos.

VÁLIDOS

Se por um lado a decisão da Corregedoria Nacional de Justiça estabelece um limite objetivo para os ganhos extras na magistratura, por outro reconhece como válidos os pagamentos que estouram o teto constitucional. A decisão não é impositiva. Formalmente, os tribunais não são obrigados a observar o valor, mas podem sofrer punições se a Corregedoria do órgão do Judiciário for acionada.

Em nota, o CNJ informou que a decisão não tem “efeitos vinculantes”, mas deve “inspirar a adoção de providências idênticas por todos os tribunais”.

Os TJs têm autonomia administrativa e financeira, mas a Corregedoria Nacional de Justiça pode anular atos e decisões de gestão se considerar que há ilegalidade.

Na sua decisão, Campbell diz que “o pagamento de qualquer passivo funcional, seja de forma isolada ou cumulativa, independentemente de sua natureza remuneratória ou indenizatória, não poderá exceder, mensalmente, o valor supramencionado (R$ 46.336,19)”.

O questionamento do TJ de Sergipe que levou à definição se baseia em um penduricalho “ressuscitado” em 2022. Benefício que estava extinto havia quase 20 anos, o Adicional por Tempo de Serviço, conhecido popularmente como quinquênio, acarreta um aumento automático de 5% nos vencimentos a cada cinco anos e não entra no cálculo do teto remuneratório. Tribunais vêm pagando o bônus com base em decisão do Conselho da Justiça Federal que restabeleceu o penduricalho no âmbito da Justiça Federal. A medida foi “copiada” por tribunais estaduais e do Trabalho.

Campbell afirmou na decisão que não há “qualquer notícia de impedimento na seara jurisdicional ou administrativa para o pagamento em questão” e autorizou o ATS retroativo com a advertência de que o Tribunal de Sergipe deve observar a “disponibilidade financeira e orçamentária do Poder Executivo, devendo, ainda, abster-se de requerer suporte financeiro complementar para implementação da despesa pública”.

‘EXTRATETO’

Para Guilherme Stumpf, advogado especialista em Direito Administrativo, a decisão legaliza uma espécie de “extrateto”. “O regime de subsídio foi instituído justamente para acabar com todos esses penduricalhos e se criar uma forma única de vencimento. O que se vê a todo momento são tentativas de furar o teto ou de criar coisas que se somem a ele”, criticou.

O advogado observou que os benefícios para carreiras do Judiciário e do Ministério Público vêm sendo criados administrativamente, sem passar pelo crivo do Legislativo e sem parâmetros claros. “É preciso que possamos discutir essas questões abertamente e que o próprio Judiciário se proponha e participe do debate.

Invalidar qualquer crítica ao sistema remuneratório por si só acaba enfraquecendo a transparência. É urgente que discutamos isso de forma franca.”

Stumpf avaliou que, embora não tenha efeito vinculante, a decisão tende a ser seguida pelos tribunais do País. “É verdade que a decisão determina que tais pagamentos devem estar condicionados à disponibilidade financeira de cada Estado. Na prática, contudo, não há qualquer garantia de que os tribunais não irão requerer abertura de créditos aos governadores para pagamento dessa despesa”, afirmou.

PROJETO

A PEC do Corte de Gastos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevê, entre outras medidas, acabar com salários acima do teto no funcionalismo público. A proposta gerou forte reação nos tribunais e nas associações de magistrados, que vêm criticando duramente qualquer hipótese de mudança.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), também busca pautar o debate. Em decisão recente, o ministro classificou a concessão de benefícios a magistrados fora do teto do funcionalismo público como “inaceitável vale-tudo”.

Estadão Conteúdo

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