Pichações anti-árabes na PUC-SP vêm desde fevereiro

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SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

Uma pichação na PUC-SP com ameaças e mensagens de ódio contra árabes ganhou repercussão recentemente, mas não foi a única registrada na universidade em 2025. Outros “recados” semelhantes foram inscritos em paredes do campus em fevereiro, segundo relatos e registros enviados ao UOL por alunos.

O QUE ACONTECEU

Caso mais recente foi exposto por professor da universidade. No último dia 18, a imagem de uma frase que dizia “PUC não é pra árabe”, inscrita em um banheiro do campus Monte Alegre, em Perdizes, foi divulgada pelo docente e chefe do Departamento de Relações Internacionais da universidade, Reginaldo Nasser. Para o professor, a mensagem foi direcionada a ele, que há 35 anos se dedica a estudos sobre conflitos no Oriente Médio na universidade e é crítico às ações militares do Estado de Israel em território palestino.

“Hora de limpar o RI [Relações Internacionais]”, também dizia a pichação, descoberta no último dia 17 e apagada pela PUC logo depois. As frases eram acompanhadas de “a PUC é nossa” e “a reitoria é nossa”, além de desenhos de estrelas de David – símbolo do judaísmo estampado na bandeira de Israel.

“O único descendente de árabe em RI que fala sobre o tema [guerra em Gaza] sou eu. (…) Mas o que chama atenção é que esse fato não é isolado ou apenas contra mim. Ações racistas contra negros, podres e alunos de movimentos pró-Palestina já vinham acontecendo no dia a dia bem antes desse caso”, disse Reginaldo Nasser, em entrevista ao UOL.

Outras pichações contra árabes e grupos pró-palestina foram vistas em fevereiro por alunos da PUC-SP. Imagens enviadas ao UOL mostram frases com ameaças e discursos de ódio como “as p* palestinas morrem”, “fora terrorista” e “morte aos árabes”.

Coletivo estudantil avalia que pichações decorrem de “contexto maior”. Em nota ao UOL, um grupo de alunos da PUC-SP, em nome do ESPP (Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino), classificam as mensagens como “tentativa de silenciamento e ameaça contra qualquer pessoa que se posicione contra o Estado de Israel”, principalmente desde outubro de 2023, quando um ataque do Hamas deu início a uma ofensiva israelense que já vitimou quase 50 mil pessoas em Gaza – a maioria mulheres e crianças, segundo a ONU.

Estudantes afirmam que convivem com “ataques constantes” há anos. Os integrantes da ESPP, que preferiram não se identificar por medo de retaliações, alegam que seus membros já foram ameaçados de morte e citam intimidações “presencialmente e online”. Ressaltam que, no campus, se sentem “inseguros e negligenciados”. E exemplificam: “Há colegas que se recusam a nos cumprimentar ou tocar e professores se recusaram a dialogar conosco sobre como encarar o semestre acadêmico com familiares palestinos de alunos em meio a bombardeios”.

“Apenas pintaram o banheiro”, dizem os alunos sobre resposta da universidade às pichações. “A Pró-Reitoria de Cultura e Relações Comunitárias soube das primeiras pichações no dia 24 de fevereiro. Dali até nesta quinta-feira (20), apenas tinham pintado o banheiro. Mais nenhuma medida foi tomada”, seguem.

“O problema não é de um ou dois indivíduos que praticam racismo contra árabes. Estamos falando de algo que atinge a comunidade puquiana como um todo, que é estrutural e precisa ser tratado como tal.

Portanto, a responsabilidade da Fundasp [mantenedora] e da Reitoria é de pensar em ações coletivas e comunitárias para tematizar e prevenir este tipo de acontecimento”, disseram estudantes representantes do ESPP na PUC-SP, em nota.

“Claro que, desde que ocorreu o ataque do Hamas e, na sequência, as ações de Israel, na medida que há manifestações públicas sobre o assunto, os ânimos se acirraram. Mas, em 35 anos de PUC, eu nunca tinha visto isso. O que me parece agora é que as pessoas passaram a ter mais coragem e se sentir mais à vontade para manifestar ideias racistas (…) e não está havendo uma resposta institucional adequada”, disse Reginaldo Nasser.

O QUE DIZ A PUC-SP

Pró-reitoria divulgou nota intitulada “Conflito Israel/Palestina e Convivência Universitária”, um dia após repercussão da pichação mais recente. A instituição reconhece, repudia e incentiva denúncias contra “a ocorrência de situações que configuram discriminação, racismo, agressividade, desrespeito, ofensas etc” dentro da universidade, mas não menciona diretamente as mensagens de ódio inscritas no campus. Para os estudantes do ESPP, os posicionamentos da universidade são “genéricos” e corroboram para que os recentes acontecimentos sejam “silenciados e encobertos”.

Ao UOL, a reitoria da PUC-SP mencionou o caso. Em nota, afirmou que “repudia com veemência toda e qualquer manifestação discriminatória e racista, como a frase contra os povos árabes escrita anonimamente em um dos banheiros da Universidade, que já foi devidamente apagada”. Na sequência, diz que “ofensas atrás de anonimato denotam covardia” e que as pichações serão apuradas internamente “com a maior urgência, para que medidas cabíveis sejam tomadas”.

Tensão sobre a guerra em Gaza tem aumentado no campus, segundo apuração da Folha de S. Paulo. De um lado, manifestações de apoio ao povo palestino e críticas aos bombardeios de Israel foram tomadas como antissemitismo. De outro, estudantes que se declararam sionistas foram apontados como apoiadores dos ataques a Gaza (leia mais aqui).

APURAÇÃO INTERNA PODE TER MOTIVADO PICHAÇÕES

Estudantes e professor consideram que decisões institucionais internas podem ter motivado ameaças recentes. Eles se referem a uma investigação aberta no fim do ano passado pela Fundasp (Fundação São Paulo), mantenedora da PUC-SP, para apurar denúncias de antissemitismo (ações e discursos de ódio aos judeus) contra professores e alunos do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da universidade, coordenado por Reginaldo Nasser e Bruno Huberman, que é professor do curso de Relações Internacionais e judeu.

Fundasp concluiu em fevereiro – mesmo mês em que as primeiras pichações foram vistas na universidade – que denúncias não procediam. Em comunicado, a fundação informou que “após criteriosa coleta e análise de depoimentos, documentos, vídeos e outros materiais”, concluiu que “não foram identificadas situações no âmbito institucional que justificassem a aplicação de medidas disciplinares a docentes ou discentes”.

Após investigação, porém, fundação publicou diretriz “antidiscriminatória” com definição de antissemitismo criticada por centenas de acadêmicos. Uma nota divulgada no fim de fevereiro e assinada por mais de 200 nomes de intelectuais e professores brasileiros de dentro e fora da PUC, pede a anulação do protocolo publicado pela Fundasp.

“A Fundasp publicou um Protocolo Antidiscriminatório que ressalta apenas uma forma de discriminação: a antissemita. Outras formas de racismo relevantes para a sociedade brasileira e a comunidade puquiana foram ignoradas, como àquela sofrida por negros, indígenas, imigrantes, árabes e muçulmanos” (…) Distinguir o antissemitismo dos demais tipos de racismo implica em estabelecer uma hierarquia entre diferentes formas de discriminação”, diz trecho de manifesto assinado por acadêmicos.

Manifesto também repudia definição de antissemitismo adotada pela fundação. A definição de antissemitismo da Fundasp adota trecho da AIMH (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto), que afirma, entre outros pontos, que “manifestações contra o Estado de Israel, enquanto coletividade judaica” serão consideradas antissemitas. Ao mesmo tempo, porém, o protocolo define que “críticas ao Estado de Israel, semelhantes e dirigidas contra qualquer outro país, não serão”.

“É antissemitismo responsabilizar um indivíduo judeu, independente da sua ideologia, pelos crimes cometido por Israel. Contudo, o protocolo da Fundasp é aberto a interpretações que podem resultar em punições contra docentes, funcionários e estudantes que apresentem uma postura crítica ao governo ou ao Estado de Israel”, diz trecho de manifesto assinado por acadêmicos.

Comitê estudantil alega que protocolo da Fundasp foi elaborado de forma unilateral e que fundação mantém relação com “instituições sionistas”. O sionismo, movimento político que defende o direito à autodeterminação do povo judeu em um Estado próprio, é acusado por movimentos progressistas de aderir a ações e discursos colonialistas contra palestinos em nome de seus ideais.

“A adoção desta definição [de antissemitismo] por parte da Fundasp foi feita de forma unilateral e de cima para baixo, imposta à comunidade puquiana. Na nossa opinião, essas posições apontam que a fundação está sendo pressionada e aderindo a visões sionistas, em detrimento da livre expressão e segurança de seus alunos”, disse a ESPP, em nota.

Fundasp nega alegações. Por telefone, um assessor da fundação afirmou que a fundação, enquanto entendida privada, não entrará em detalhes sobre as suas decisões”. Assegurou, porém, que a Fundasp “não mantém qualquer relação com instituições sionistas” e que críticas ao estado de Israel não são consideradas antissemitas pela entidade. Sobre a definição de antissemitismo da AIMH adotado pela Fundasp, afirmou que a diretriz foi aderida e respaldada por outros entes privados e públicos no Brasil, e que a fundação também decidiu adotá-la.

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