Carta a Catarina

Minha querida, escrevo-lhe porque o outono chegou. A partir de agora, dias e noites têm a mesma duração, o Sol reduz a incidência direta da luz, as temperaturas ficam mais amenas, as folhas começam a cair. Momento de renovar! Abril está quase por abrir as portas, e o seu novo ano está prestes a começar. Não só uma nova idade se avizinha, mas o dia tão sonhado do seu casamento. É a vida que se apronta para inaugurar novo tempo.Veja bem, Catarina, o casamento é uma estrada longa, que começa ao nível do mar, com uma vista linda, mas o terreno logo se inclina. E é preciso força na perna para andar. Você verá um gramado bonito, feito aquele tão sonhado para pisar os pés de branco até o altar, mas não se engane, essa estrada não é só verde e florida. Prepare-se para os trechos íngremes no percurso de barro seco e poeira levantada por cima. Graças a Deus, eles passam.Não se aflija, na vida é assim mesmo, a gente tem sempre que observar onde pisa. Mantenha um olho no chão e outro no horizonte. Desvie das pedras e dos buracos, mas não se prenda só ao pedaço do caminho em que você está. Importante é caminhar. Juntos, sempre. Essa é uma escolha que se faz a cada dia; como se toda noite zerassem os pontos, é preciso escolher de novo na manhã seguinte.Repare que há dias de calor de rachar e outros de frio nos ossos. Aproveite as manhãs e tardes de brisa fresca (elas sempre vêm) para recuperar o fôlego e andar com disposição. A estrada é longa e dá tempo de cansar e doer as pernas. Diminua o ritmo se preciso for, se alongue, se cuide, cuide de quem está ao seu lado. A estrada continua e dá tempo de sentir muita sede. Beba bastante água. Se nutra.Não se esqueça nunca de quem é você, Catarina. De onde você veio e para onde quer ir. De extrema importância: com quem você vai. O que mais tem nesse mundo é gente perdida de si. A gente sempre precisa de mais clareza para traçar os nossos mapas pessoais. Mas não se pressione demais por isso, às vezes é só no trajeto mesmo que a gente descobre a rota certa do nosso itinerário.Sabe, minha querida, você está prestes a dar o maior passo da sua vida até então. Uma decisão tão importante que só você mesma pode tomar. Não tema, os grandes passos são necessários. Mas lembre-se: são os pequenos, miúdos, dia a dia, que fazem a vida mesmo ser o que é. A festa, o vestido, o bolo, o buquê, vira tudo memória, fotografia, história para contar.Em casa é que o jogo começa a valer. Os olhares, os gestos, as conversas, o apoio e o carinho. As duas xícaras de café sobre a mesa, o sapato para guardar, as pernas no sofá, os sorrisos no silêncio. É na cozinha que os humores são temperados com a comida e a relação se azeita, enquanto a panela prepara o alimento. Ajuste a chama e cuide para não queimar. Às vezes é preciso abrandar o fogo para cozinhar melhor.Tudo isso que lhe escrevo não é receita alguma. Estou só um cadinho à frente, mas a estrada é tão longa que eu sigo sem ver aonde ela chega. Por mais que se ande, há tanto ainda a caminhar. E nem todo mundo tem paciência para seguir lado a lado, parando um instante para esperar o outro, puxando pela mão ou acelerando um pouquinho para manter o compasso. As pessoas têm muita pressa, mas desistem fácil no meio do caminho.A estrada é longa, como eu já lhe disse. E não há competição para ver quem chega primeiro ou mais longe. No fim das contas, ganha quem persiste – quando há ao lado alguém igualmente disposto, que realmente faz a caminhada valer a pena. Aonde vai dar? Não tenho como lhe dizer, são vocês que vão descobrir. Mas, se eu puder arriscar, creio que o destino é a própria estrada.*Luisa Sá Lasserre é autora do livro ‘Pensei, mas não disse’ (Ed. Patuá)
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