Edy Star: a arte de viver

Há exatos 50 anos chegava às telas de cinema o filme The Rocky Horror Picture Show, a história de um casal de noivos que vai parar em um castelo habitado por uma cientista maluca travesti. Protagonizada por Susan Sarandon e Tim Curry, ambos então com 28 anos, a obra é a adaptação de um musical para teatro inglês, que ganhou também uma versão brasileira. Criada por Richard O’Brien, a produção foi largamente inspirada nos filmes de ficção de baixo orçamento dos anos 1940 e virou um ícone da contracultura.No Brasil, o musical teve no elenco Lucélia Santos, Eduardo Conde, o baiano Tom Zé e seu conterrâneo Edy Star, um juazeirense que abandonou o promissor trabalho na Petrobras, em 1961, para seguir carreira artística, a contragosto de sua família, tão logo um circo passou perto de sua casa na Ribeira e o seduziu para sair cantando pelo mundo.”Não era bem o que eu queria, mas foi o que apareceu na hora”, conta Edy, que interpretava na lona sucessos do rock, como as canções de Sérgio Murilo, Celly Campelo e Tony Campelo. E também intepretava clássicos do teatro, como O Corcunda de Notre Dame, além da inescapável Paixão de Cristo.Edy também foi um dos primeiros artistas brasileiros a falar abertamente de sua homossexualidade, naquele mesmo ano de 1975, em uma entrevista para a revista Fatos e Fotos, na esteira do sucesso do musical.Edy acaba de ser homenageado no cinema e na literatura. Em agosto do ano passado, esteve em Salvador para o lançamento do documentário Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star, dirigido pelo soteropolitano Fernando Moraes. E no último dia 10 de janeiro, chegou às livrarias Eu só fiz viver: a história oral desavergonhada de Edy Star, escrito por Daniel Lopes Saraiva, Igor Lemos Moreira e Ricardo Santhiago.Edy declara-se feliz com as homenagens, mas, como insinua o título do livro, afirma que seu projeto sempre foi aproveitar a vida. “Eu me sinto agradecido e surpreso. Nunca pretendi fazer nada desse tipo, ter um livro ou documentário. Nada disso. Que é que eu posso fazer? Não estou fazendo nada, eles estão fazendo”, diz o artista, que considera não ser digno das homenagens. “Eles dizem que eu sou maravilhoso. Maravilhoso, p… nenhuma. Consegui chegar a essa idade e acabou”, contesta Edy.O artista reconhece o seu pioneirismo, mas pontua que não foi seu propósito de vida. “Eu não queria ser pioneiro. Eu queria viver! Eu apenas fui desbravando Salvador, que era uma cidade com uns costumes… como todo o Brasil, aquela homofobia, todo mundo no armário”, arremata o artista.O emprego na Petrobras, que durou apenas um ano e um mês, foi uma resposta às cobranças dos pais, que o chamavam de vagabundo, por nunca sair da cama antes das 10h, depois de chegar em casa às 4h, e só querer cantar, pintar e passear.Mas o horizonte possível naquela empresa que tinha a missão de furar poços em busca de petróleo e as conversas com pouca profundidade, de uma parte de seus colegas de trabalho, o levaram a pedir as contas.A adolescência foi sofrida, inicialmente, por causa da descoberta da homossexualidade. Edy não conhecia outros homens que desejassem homens e se sentia uma avis rara. Mas com o tempo foi identificando outros rapazes gays na Ribeira e se enturmou.O ponto de encontro diário com os amigos era a quinta árvore da Praça Castro Alves, contando a partir da Rua Chile, no tempo em que a praça tinha árvores. Essa aridez, aliás, é uma das decepções de Edy com a sua velha cidade. “Nunca volte ao lugar em que você foi feliz”, vaticina o artista, ao contar a rotina de encontros com os amigos, a degustação de salgados e as fofocas.Às vezes, o grupo descia o comércio caminhando em direção aos Fuzileiros Navais, lançar artilharia de paquera aos marinheiros. A homossexualidade nunca foi sinônimo de vulnerabilidade física para Edy, no téte-a-téte. Seu apelido entre os amigos soteropolitanos era Bofélia, mistura de Ofélia com bofe. “Se alguém me chamasse de veado, para me ofender, eu partia pra briga”, lembra o artista.Edy fez muita coisa nessa vida. Antes mesmo de se mudar para o Rio de Janeiro dividiu a apresentação do programa Poder Jovem, na TV Itapoan, retransmissora da Tupi, na década de 1950, com Domitila Garrido, a primeira mulher a trabalhar como repórter na TV baiana.Ele foi para o Rio de Janeiro em definitivo sob a influência do amigo Raul Seixas. “Eu já tinha ido ao Rio por três semanas para uma exposição na Galeria Vernon, com apresentação de Jorge Amado. Em 1970, quando eu saí da TV Itapoan, Raul me levou para o Rio”, conta o artista, que discorda da visão de que a canção Rock das Aranhas, interpretada pelo conterrâneo, seja homofóbica.”Não acredito na homofobia de Raul. Isso é balela, coisa para vender disco”, arrisca Edy, que veio esta semana a Salvador participar do Festival Mínimos Óbvios, evento anual de celebração da presença LGBTQIA+ no teatro. “Eu conheci Edy Star estudando sobre as pessoas LGBTQIA+ na cultura brasileira. E você vê que ele foi o primeiro artista do Brasil a se assumir gay”, afirma o professor e pesquisador Djalma Thurler, um dos idealizadores do festival.Djalma, que está produzindo um musical em homenagem a Edy, destaca a modéstia do artista.” Ele sempre diz que não é importante, mas de qualquer forma quando falei do projeto do musical ele me deu carta branca”, afirma o professor.De volta a Salvador depois de alguns meses, Edy aproveita o resto da semana para visitar os cerca de 40 familiares que tem na cidade. Hoje, domingo, deve comer um cozido com os parentes. Como nos tempos em que a família morava na Ribeira.
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