O monumento que homenageia os heróis da Guerra do Paraguai em Florianópolis

O monumento aos heróis da Guerra do Paraguai, principal marco histórico da praça XV de Novembro, em Florianópolis, vai completar 150 anos em 2026 e até agora não foi concluído, de acordo com o que previa o projeto original. Foi festivamente inaugurado em 1876.

Obra histórica homenageia os mais de 3.000 catarinenses que perderam a vida na Guerra do Paraguai e também por doenças – Foto: Divulgação/ND

Homenagem aos mortos na Guerra do Paraguai

Trata-se de uma obra histórica, que marcou a homenagem da então Província de Santa Catarina aos militares catarinenses que morreram na Guerra do Paraguai, o maior conflito registrado na América Latina em toda a história, ocorrido entre dezembro de 1864 e março de 1870.

Foram mais de 3.000 catarinenses mortos pela Guerra do Paraguai e, também, por doenças. No total, mais de 50 mil brasileiros teriam perdido a vida. A guerra causou a morte de cerca de 300 mil pessoas, das quais 150 mil eram paraguaios, o que quase dizimou a população masculina do país.

A chamada guerra da Tríplice Aliança foi causada por desavenças territoriais. Uniu Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai, entre 1864 e 1870. A ideia de fazer o monumento partiu do governador João Tomé da Silva (1873-1875), advogado e promotor cearense que também comandou o Estado do Espírito Santo.

Em apenas dois anos, imortalizou sua gestão com a construção dos prédios da Alfândega, do Quartel da Polícia e do teatro. É homenageado como um dos mais visionários dos tempos do Império. O projeto por ele contratado teve a assinatura do engenheiro Carlos Othon Schlappal, elogiado por sua beleza, mas nunca terminado por falta de recursos.

O premiado escritor ilhéu, Virgílio Várzea, revela no livro “A Ilha” que o monumento teria 20 metros de altura, com elogiável “originalidade e gosto artístico”, incluindo uma “coluna de ordem toscana”, simbolizando o heroísmo romano. Daí a denominação original de “Coluna Comemorativa”.

Placa identifica monumento da guerra do Paraguai

Placa identifica monumento da Guerra do Paraguai – Foto: Guerra-do-Paraguai

Serviços suspensos do monumento da Guerra do Paraguai

Quando o pedestal, do monumento da Guerra do Paraguai, ficou concluído, João Tomé da Silva foi convocado pela corte para nova missão no governo de Alagoas. Os serviços foram então suspensos. Assumiu em seu lugar o professor, escritor, engenheiro militar, historiador e sociólogo carioca, Alfredo d’Escragnolle Taunay, o único Visconde de Taunay, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Crítico do cenário degradante, com andaimes e restos de material de construção no centro da Praça da Matriz, o novo governante tratou de canalizar recursos para a conclusão do projeto. Decidiu, então, concluir apenas o pedestal, reduzindo o monumento para dez metros, a metade da altura prevista – e sem coluna.

Intervenção de Duque de Caxias e ajuda do Ministério da Guerra

Para completar a obra inacabada, o governador Taunay recorreu ao presidente do Conselho de Ministros de Dom Pedro 2º, marechal Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o patrono do Exército Brasileiro e o militar mais consagrado do império, que acionou o Ministério da Guerra, determinando que fornecesse bombas, peças, correntes e outros acessórios para ornamentar o monumento da Guerra do Paraguai concluído.

Isto explica a atual situação do monumento com o pedestal com quatro faces, com linhas simples e merlões, e cada uma das faces com uma pedra de mármore vermelho com dois metros de altura e um de largura, contendo inscrições diferenciadas. No topo, as balas de canhão doadas pelo ministro imperial e fixadas em forma de pirâmide.

Monumento da Guerra do Paraguai tem pirâmide de bala de canhões – Foto: Divulgação/ND

Na face Leste do monumento da Guerra do Paraguai, há uma longa inscrição em latim. No lado Oeste, a tradução: “Este monumento /foi erigido /pelo patriotismo dos catarinenses / em comemoração da gloriosa campanha do Paraguai /na qual muitos filhos desta Província /pagaram ao Brasil / o tributo da vida / Reinado? O Imperador D. Pedro II /foi começado na Presidência do / Exmo. Doutor João Thomé da Silva / e concluído na do/ Exmo. Doutor Alfredo D’Escragnolle Taunay/ no ano de 1876.”

Na face Norte, uma frase latina e 26 nomes dos oficiais que morreram na guerra. E no lado Sul, “abençoada Pátria que não se esquece de seus filhos”. E a relação de 17 alferes e sete tenentes da Marinha mortos no confronto. Soldados e escravos não foram incluídos entre os militares mortos e homenageados.

Os bustos dos quatro maiores no Monumento da Guerra do Paraguai

Ao redor do Monumento da Guerra do Paraguai, no Jardim Oliveira Belo, encontram-se quatro bustos de ilustres catarinenses que tiveram projeção nacional e internacional. São eles: o poeta Cruz e Sousa, o pintor Victor Meirelles, o jornalista e maçom Jerônimo Coelho e o grande intelectual José Boiteux.

Cruz e Sousa (1861-1898), maior poeta simbolista do Brasil, era filho de ex-escravos. Aprendeu a ler e a escrever com dona Clarinda Fagundes Xavier de Souza, esposa do marechal Guilherme Xavier de Souza, ex-senhor dos pais do poeta, morto na Guerra do Paraguai. Foi diretor do jornal “Abolicionista” e nomeado promotor, mas rejeitado pela cor.

Monumento de Cruz e Souza

Monumento de Cruz e Souzaao em volta da homenagem dos heróis da Guerra do Paraguai – Foto: Divulgação/ND

Victor Meirelles (1832-1903), pintor de expressão mundial, estudou na Academia Imperial de Belas Artes, conquistou prêmio e estudou na Europa, onde pintou sua principal obra, “A Primeira Missa no Brasil”. Era o artista preferido de Dom Pedro 2º.

Monumento de Victor Meirelles

Monumento de Victor Meirelles – Foto: Divulgação/ND

Jerônimo Francisco Coelho (1806-1860), jornalista, político e militar. Fundador da imprensa catarinense com “O Catharinense”. Criador da maçonaria. Presidente de várias províncias, seis vezes deputado por Santa Catarina e ministro do Império. Foi o mais ilustre e íntegro catarinense durante a Monarquia.

Busto de Jerônimo Francisco Coelho – Foto: Divulgação/ND

José Boiteux (1865-1934), jornalista, advogado, historiador e deputado estadual. Fundador do Instituto Politécnico, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, da Faculdade de Direito e da Academia Catarinense de Letras. Maior idealizador e construtor de estátuas em Florianópolis e Blumenau.

Busto de José Boiteux

Busto de José Boiteux ao redor do monumento da Guerra do Paraguai – Foto: Divulgação/ND

A praça cercada, casa da figueira centenária

A praça XV de Novembro sofreu inúmeras mutações ao longo dos séculos. Antes do aterro da baía Sul, na década de 1970, era um dos principais portos de atracação, principalmente no Império. Na República, ganhou destaque no contato com o mar com a construção em 1928 do Bar Miramar, um espaço popular, coberto, com bar e lanchonete, famoso pelas festas durante o Carnaval. Foi derrubado com a chegada do aterro.

Área preciosa e valorizada, foi palco de grandes e históricos acontecimentos. Esteve cercada com muros e grades de ferro entre 1891 e 1912, com acesso restrito ao público. Os gradis de ferro vieram fundidos na Inglaterra, obra do governador Gustavo Richard. A retirada total deu-se em 1912, por ordem do prefeito Henrique Rupp, gesto considerado de impacto político por abrir a área nobre a todas as classes sociais.

Podem ser encontradas hoje na Maternidade Carlos Corrêa, no Asilo Irmão Joaquim e na Igreja Nossa Senhora do Rosário. Ali foram plantadas palmeiras imperiais, fícus e cravos da Índia, a centenária figueira e outras espécies vindas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, obra de 1885.

A praça foi o ponto central de manifestações políticas, concentrações partidárias, procissões católicas, desfile das escolas de samba e carros de alegoria e mutação e da histórica “Novembrada”. Há anos que a manutenção da Praça XV foi assumida pelo grupo Koerich e mantém-se permanentemente limpa e com flores coloridas. Nos últimos carnavais vem sendo fechada para proteção do patrimônio histórico e paisagístico.

Monumento da Guerra do Paraguai fica na Praça XV

Monumento da Guerra do Paraguai fica na Praça XV  – Foto: Leo Munhoz/ND

Fernando Machado e Santa Catarina

Fatos ocorridos há muito tempo no Estado e ignorados pela maioria da população estão revelados em documento firmado pelo governador Alfredo D’Escragnolle Taunay, em seu relatório sobre a construção do famoso monumento. Informa, em primeiro lugar, que o projeto aprovado pelo Congresso Estadual previa a “coluna de Toscana” para ser colocada no alto uma estátua do coronel Fernando Machado, herói nacional e também morto na Guerra do Paraguai.

A homenagem acabou sendo concretizada em 1917 na pequena praça ao lado da Praça XV, que veio a se chamar Fernando Machado. Seguindo uma tradição europeia e americana, o militar desponta, garboso, de pé, apoiado numa espada.

Depois que o jornalista e escritor Virgílio Várzea publicou uma matéria sobre o monumento, Visconde de Taunay enviou-lhe uma carta, em que reproduz parte do relatório oficial. Revela que chegou a cogitar a instalação de uma imagem em bronze de Santa Catarina de Alexandria, que encontrou em viagem a Estrasburgo, na França.

Relatou, a certa altura, sobre o monumento e a imagem da padroeira do Estado. “Fiz na ocasião, o que me era possível fazer, não só para impedir a ruína total do que achei construído como para desatravancar o centro da praça de feios andaimes e montes de paus e pedras, conforme lá se viam, por mais de quatro anos. Foi ao meu empenho, ajudado pelo ínclito Duque de Caxias, presidente do Conselho de Ministros, que, pelo seu Ministério da Guerra, mandou fornecer-me com presteza tudo quanto dele requisitei em bombas, peças, correntes e mais acessórios.

Bastante tempo depois, procurei fazer com que se substituísse aquela desgraciosa pilha de balas e, achando-me na Europa, indaguei de uma casa de Estrasburgo, qual o preço de uma estátua de bronze de Santa Catarina, de que vi belo modelo, e com altura correspondente à base da praça do Desterro. Falaram-se em 35 contos de réis, tudo acabado, isto em 1879.

Escrevi para a província, mas as respostas não foram animadoras e até hoje o monumento está como o deixei, havendo felizmente escapado à tentativa de vandálica e ingrata destruição. Quando não seja outro o motivo, deve ampará-lo sempre a simples relação dos oficiais do exército e da armada, filhos de Santa Catarina que morreram com honra nos campos do Paraguai em prol da glória do Brasil.”

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