‘Goulart vive num mundo da fantasia’, disse CIA às vésperas do golpe de 1964

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JULIANA SAYURI
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS)

Relatório da agência americana de inteligência, a CIA, afirmou que João Goulart, então presidente do Brasil, estava “vivendo num mundo da fantasia” às vésperas do golpe militar que o derrubou, em 1964, e instaurou uma ditadura de 21 anos no país.

Revelados neste mês, documentos secretos da CIA corroboram o monitoramento e a interferência dos EUA na América Latina na década de 1960.

Casa Branca publicou 2.343 documentos secretos. Os documentos, que totalizam 77 mil páginas, foram digitalizados e estão disponíveis no dossiê do Arquivo Nacional dos EUA dedicado ao ex-presidente americano John F. Kennedy, assassinado em novembro de 1963.

Acervo contém documentos sigilosos de órgãos como a CIA. Muitos arquivos se referem à Guerra Fria, travada entre o bloco capitalista (liderado pelos EUA) e o bloco comunista (União Soviética, junto a Cuba). Há detalhes das relações entre Cuba e América Latina na época. Cuba passou por uma revolução em 1959 e a crise de mísseis com os EUA em 1962.

19 brasileiros tiveram treinamento de guerrilha, diz memorando. Um relatório de mais de 40 páginas da CIA de 27 de março de 1963 sobre “treinamento cubano de subversivos latino-americanos” revela que os EUA estimavam 2.000 militantes pró-Cuba na América Latina. Cerca de 400 brasileiros viajaram à ilha em 1962 -e, entre eles, 19 tiveram treinamento, diz o informe. Foi citado Maurício Grabois, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, morto na Guerrilha do Araguaia, em 1973.

‘Golpe militar é preferível’. Conselheiros de Kennedy indicavam que “um golpe militar a certo ponto seria preferível a permitir que um país tão grande e poderoso como o Brasil caísse nas mãos da oposição”, diz um informe de 17 de abril de 1963. Cerca de um ano depois, em 31 de março de 1964, ocorreu o golpe que derrubou o presidente João Goulart (Jango).

Goulart vive num mundo da fantasia’. Um relatório estadunidense datado de 26 de novembro de 1963 afirma que Jango estava “ou fora da realidade ou pouco informado”. “O maior perigo é que a oposição pode recorrer a um ato ilegal, dando a Goulart a desculpa para assumir o poder”, diz.

Jango já estava no poder. Foi eleito em 1960, assumiu em 1961 e foi derrubado em 1964. Segundo conspiradores, o presidente pretendia dar um “autogolpe” e instaurar o comunismo no Brasil.

Documentos endossam que ‘ameaça comunista’ foi usada como pretexto para golpes na América Latina. “Lincoln Gordon, embaixador dos EUA no Brasil, teve papel fundamental nesse processo, uma vez que rapidamente aderiu à tese de que João Goulart representava uma ameaça, pois poderia levar o país ao comunismo”, diz Sidnei Munhoz, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), coordenador do projeto Abrindo os Arquivos e autor de “Guerra Fria: História e Historiografia” e “Relações Brasil – Estados Unidos: Séculos XX e XXI”, entre outros.

“O contato de Gordon com os oficiais de Washington que atuavam no Brasil e com setores conservadores das elites brasileiras o levaram cada vez mais a adotar a tese de que era necessário apoiar um golpe para depor Goulart — e assim evitar que o Brasil se tornasse não uma “nova Cuba”, mas uma “nova China”, dadas suas dimensões territoriais e populacionais”, afirma Sidnei Munhoz, historiador.

CIA usou correspondência diplomática do Brasil. Conforme reportou o colunista do UOL Jamil Chade, os serviços de inteligência dos EUA usaram a mala diplomática brasileira para fazer chegar cartas aos agentes americanos infiltrados na dissidência cubana em Havana.
“Kennedy recebeu enviados do governo brasileiro, procurou se inteirar do que estava a ocorrer no país e influenciar decisões. Em abril de 1962, Jango e Kennedy se encontraram nos EUA. No entanto, rapidamente a situação se deteriorou. […] Pouco antes da sua morte, Kennedy deu o sinal verde para o golpe. Com a posse de Johnson, o envolvimento dos EUA com os golpistas teve continuidade e isso desembocou no golpe civil-militar de 1964 e na instituição de uma ditadura militar que durou 21 anos.”

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