4 em cada 10 casas no Brasil têm só moradores negros, mostra estudo

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GUSTAVO LUIZ E PAOLA FERREIRA ROSA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O número de residências formadas exclusivamente por pessoas negras subiu entre 2012 e 2023. Agora, a cada 10 casas, 4 são formadas apenas por moradores pretos e pardos, segundo pesquisa recente divulgada pelo Cedra (Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais). Também de acordo com o levantamento, o número de domicílios mistos caiu no mesmo período.

Os dados têm como base os últimos dez anos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2012 a 2023.

No primeiro ano analisado pelo Cedra, o número de lares com e sem a presença de pessoas negras era mais equilibrado. Em 2012, 36,2% das casas eram compostas exclusivamente por pretos e pardos, outras 36,7% não tinham nenhum morador negro e 27,1% dos domicílios eram mistos, com pessoas negras em convívio com outros grupos raciais.

Uma década depois, o número de lares mistos oscilou para baixo. A pesquisa aponta que, em 2023, 23,6% das casas tinham moradores negros, brancos e de outros grupos raciais morando juntos. A proporção de residências sem nenhum preto ou pardo também diminuiu e foi para 34%. Por outro lado, o número de casas formadas exclusivamente por habitantes negros subiu para 42,4%.

Para Cristina Lopes, diretora executiva do Cedra, o fenômeno está relacionado ao aumento do número de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas no Brasil.

O avanço das políticas públicas e a popularização do letramento racial nos últimos anos têm como efeito a ruptura de discursos que atribuíam características negativas aos negros ao longo da história. Isso tem mudado a forma como os brasileiros se percebem e se afirmam, explicou a diretora.

“Quando você vê sua identidade racial de forma positiva, você não rechaça a possibilidade de se relacionar com alguém da mesma raça”, disse Lopes.

Uma das consequências seria a formação de lares afrocentrados, termo usado para designar uma união afetiva entre pessoas negras. O aumento da proporção desse modelo de relacionamento acontece apesar dos índices de desigualdade de renda no Brasil.

O estudo do Cedra mostra que em 2012 a renda média por moradores de lares exclusivamente negros representava apenas 44,4% da renda média dos lares sem moradores pretos ou pardos. Dez anos depois, em 2023, o índice era de 46,9%.

Os pretos e pardos são apontados como responsáveis em 64,2% das casas que recebem, em média, até um salário mínimo por morador de 2012 a 2023. Na outra ponta, os brancos são responsáveis em 55,8% das casas que recebem, em média, acima de um salário mínimo por morador.

Domicílios mistos também têm uma renda média por morador superior às casas apenas com negros, mas com uma discrepância menor. Em 2012, o valor era de R$ 743,84 ante R$ 694,74, respectivamente. Uma década depois, R$ 1.676,65 ante R$ 1.517,00, respectivamente.

A concentração de renda em famílias formadas apenas por membros brancos pode ser explicada por um padrão de comportamento mantido por esses grupos, segundo Gabriela Bacelar, doutoranda em antropologia social pela USP (Universidade de São Paulo).

“As elites se conservam historicamente como endogâmicas, ou seja, os casamentos acontecem entre famílias brancas, que geralmente compartilham vizinhança com outras famílias brancas. Isso também acontece nas relações de amizade e de trabalho, principalmente nos postos mais avançados”, apontou.
Por isso, a noção de mestiçagem no Brasil “é mais verdadeira para classes populares do que para elite”, afirma Bacelar.

Ainda de acordo com a antropóloga, a redução da proporção de lares inter-raciais no país pode ser relacionada com a alta de pessoas morando de aluguel o Censo de 2022 revelou que cerca de 42,2 milhões de habitantes vivem nessa condição.

“Geralmente, quem mora de aluguel tem pelo menos um filho, e essa pessoa costuma ser uma mãe” explicou. “Ela e o filho podem ser de raças diferentes, mas a tendência é menor. A percepção da interracialidade é produzida, na maioria das vezes, em relação ao parceiro.”

De acordo com o levantamento do Cedra, homens eram maioria entre os responsáveis por domicílios em 2012 (64,2%). Em 2023, as mulheres passaram a ser maioria (51,8%), sendo as mulheres negras o maior grupo, com aumento de 10,8 pontos percentuais no período.

Nesse caso, fatores como o abandono paterno e a violência doméstica podem contribuir para a formação desses lares, de acordo com as especialistas. As mulheres brancas responsáveis pela residência aumentaram 4,7 pontos percentuais no período, enquanto homens brancos diminuíram 10,1 pontos percentuais, е os homens negros, 6 pontos percentuais.

Bacelar também apontou uma outra explicação para a queda de lares racialmente mistos: o aumento de casas com apenas um morador. O último recenseamento mostrou cerca de 13,7 milhões de endereços com essa configuração.

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