STF rejeita anular delação, mantém caso de Bolsonaro na turma e expõe divergência de Fux

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CÉZAR FEITOZA E ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) negou nesta terça-feira (25) o pedido da defesa de acusados pela trama golpista para anular a colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid.

A decisão foi tomada por unanimidade. Com o resultado, o colegiado negou todas as questões preliminares levantadas pelas defesas, decidiu suspender a sessão desta terça e vai seguir para a análise do mérito da denúncia na manhã desta quarta-feira (26).

O ministro Alexandre de Moraes defendeu que, no contexto da delação de Cid, o Supremo atuou de acordo com seu papel de “verificar a regularidade, a voluntariedade e a legalidade” da colaboração premiada.

“Em nenhum momento esse Supremo Tribunal Federal, por meio do ministro-relator, interferiu no conteúdo ou nos termos do acordo de colaboração premiada, tendo exercido somente o que a lei garante a todo juiz”, disse.

As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro Braga Netto pediam a anulação do acordo de Mauro Cid com a Polícia Federal por dois motivos. A suspeita era de que o militar teria omitido informações em seus depoimentos -e, como segundo ponto, que teria alterado sua versão pressionado por Moraes

Mauro Cid deu detalhes da participação de Braga Netto na trama golpista em uma audiência com Moraes, em novembro de 2024. No início do depoimento, o ministro do Supremo alertou o militar sobre sua possível prisão caso não falasse a verdade.

No julgamento desta terça, o ministro comparou o caso com a advertência dada por juízes a testemunhas da obrigatoriedade de falar a verdade em seus depoimentos, sob pena de falso testemunho. “Isso nunca foi considerado coação. A lei é a lei”, diz.

“Ora, na hora que se adverte que pode ser rescindido o acordo de colaboração, o acordo seria rescindido geral, inclusive nos termos como estava escrito: ‘Pai, esposa e filha maior do colaborador’.”
Moraes citou a fala do advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, para refutar a alegação de que a colaboração não foi voluntário ou não respeita os trâmites corretos.

Moraes afirmou em mais de um momento que, na presença de seus advogados, o delator reiterou a voluntariedade. O ministro leu trechos das declarações de Cid em depoimento, em que ele agradece por poder colaborar.

Em mais de um momento, ainda, Moraes afirmou que a delação é apenas um meio de obtenção de prova. “Ela é um meio de obtenção de prova, não uma prova em si. Se o MP, titular da ação penal, não quiser utilizar a delação, não utiliza”, disse.

O ministro Luiz Fux afirmou que o pedido de nulidade de Cid era a “preliminar mais sensível de todas”, mas que a análise do mérito da validade da colaboração premiada deve ser feita em outro momento.

“Estamos num momento que é preambular. Pelo que aqui se observou, esse colaborador certamente vai ser ouvido em juízo […]. Este não é o momento próprio, mas vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora apresentando uma novidade”, disse Fux.

“Me reservo ao direito de avaliar no momento próprio a legalidade dessa delação, mas acompanho no sentido de que não é o momento de declarar a nulidade”, concluiu..

Flávio Dino disse que seria curioso imaginar que Mauro Cid, um militar do Exército, se sentisse acuado diante de depoimentos no Supremo -um dos motivos para o ministro negar a nulidade da delação.

“É muito difícil crer que um tenente-coronel do Exército Brasileiro, uma alta autoridade militar, seria facilmente intimidado, uma vez que, como disse Alexandre, temos esse treino e a toga é apenas um sinal de independência contra as covardias daqueles que atacam o Judiciário.”

Sobre os ataques aos ministros do STF, Dino ainda disse que “há pessoas que acham que é um ato de coragem atacar o juiz. Não, é uma covardia porque ataca um Poder desarmado”.

Os ministros do Supremo julgam nesta terça e quarta-feira (26) o recebimento da denúncia contra o núcleo central da trama golpista. Os acusados são Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-chefe da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro (ex-presidente da República), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).

A primeira parte do julgamento se concentrou na análise das questões preliminares apontadas pelas defesas. Foram discutidos cinco pontos -todos negados pela Primeira Turma do Supremo.

Em um dos pontos, os ministros discutiram se caberia à Primeira Turma do Supremo o julgamento da trama golpista. As defesas pediam que o caso fosse remetido à primeira instância ou, em caso de negativa, que fosse levado ao plenário do STF.

A recusa se deu por maioria, quatro votos a um. Só o ministro Luiz Fux defendeu que a competência para julgar a trama golpista não seria do Supremo -e, caso o tribunal julgue a trama golpista, que fosse analisada no plenário.

Moraes afirmou que o pedido de envio do caso ao plenário contrariava o regimento interno do Supremo.

No fim de 2023, o STF decidiu que ações penais deveriam ser julgadas pelas Turmas -uma solução para desafogar o plenário diante de mais de 1.500 denúncias em curso relacionadas aos ataques de 8 de janeiro.

Moraes também defendeu que presidente da República em exercício deve ser julgado pelo plenário do Supremo, como prevê o regimento interno. Não é o mesmo procedimento para ex-presidentes.

“Ex-presidente da República não pode ser afastado de um cargo que não exerce mais. Consequentemente, as razões do regimento interno não se aplicam ao ex-presidente. Diante dessas alegações, afasto ambas as preliminares”, diz.

Fux foi o único a discordar dos demais ministros sobre realizar o julgamento na Primeira Turma. Para ele, caberia ao plenário do Supremo. O ministro já havia votado em 2023 contra o envio das ações penais para as Turmas.

“Pior que o juiz que não sabe direito é o juiz incoerente. Peço vênia para manter minha posição, até porque não é tão pacífica assim”, disse Fux em referência ao seu voto de dois anos atrás.

Os ministros ainda negaram pedidos para que Alexandre de Moraes fosse declarado suspeito de julgar o caso; a nulidade do processo por falta de acesso às defesas de todas as provas colhidas pela Polícia Federal; e a aplicação da regra do juiz das garantias ao STF, para afastar Moraes do julgamento.

A Primeira Turma julga nesta terça o recebimento da denúncia contra Jair Bolsonaro e outras sete pessoas. Nessa fase, os ministros analisam somente se a acusação apresenta indícios de autoria e materialidade -ou seja, se há um mínimo indicativo suficiente para que os denunciados respondam a um processo.

A tendência é que a Primeira Turma do Supremo receba a denúncia por unanimidade. Se o cenário se confirmar, os acusados passam a responder a uma ação penal, e o processo começará a ser instruído pelo ministro Alexandre de Moraes.

Na próxima fase, os réus poderão coletar provas e relacionar testemunhas para serem ouvidas no STF. É neste momento que os suspeitos devem questionar o mérito das acusações feitas pela PGR.

A Primeira Turma do STF é composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux.

O julgamento começou às 9h30 desta terça, com a leitura do relatório de Moraes. O procurador-geral Paulo Gonet falou por 30 minutos a favor do recebimento da denúncia contra os acusados, e as defesas apresentaram seus argumentos durante duas horas.

A PGR dividiu a denúncia da trama golpista em cinco grupos. O núcleo central, do qual Bolsonaro faz parte, é o primeiro a ser julgado pelo STF.

Bolsonaro e seus aliados são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

Somadas, as penas máximas podem superar 40 anos de prisão.

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