Leia Também:
‘Cliente’ inesperada: cobra surge em funerária na Bahia
Líder do tráfico na Bahia, Dona Maria tem prisão preventiva decretada
Estudante é morta a tiros e amigo baleado em frente à escola na Bahia
Lá Ubiratã trabalhou de cinco da manhã até oito da noite, com roupas encharcadas, se alimentando de uvas para evitar a comida azeda e viu colegas sofrerem violência física, inclusive com teasers e ameaças de morte. “Eu sempre trabalhei na minha vida. Nunca deixei de trabalhar. Fui para o trabalho e encontrei essa situação. Eles colocavam a comida cinco da manhã no cooler e a gente ia para o mato e só podia comer meio dia. A comida azedava. De noite eles nos davam um arroz gosmento e colocavam caldo de feijão preto e diziam que era feijão preto. Pra você ver hoje nem arroz e feijão eu como mais”, conta.Em 2024, foram resgatados 183 trabalhadores baianos vítimas de trabalho em condições análogas à escravidão. A vulnerabilidade social e a promessa de oportunidades de trabalho ainda são os principais fatores que levam as vítimas ao tráfico de pessoas, segundo o delegado da Polícia Federal Bruno Marconi. “Por conta da necessidade, de poucas oportunidades na vida, as pessoas continuam sendo iludidas por propostas milagrosas. Se a oferta parece boa demais para ser verdade, provavelmente não é”, alerta.Segundo a procuradora do trabalho Maria Manuela Gedeon, o tráfico de pessoas não se limita ao deslocamento internacional, podendo ocorrer dentro do Brasil, como no caso de Ubiratã e outros trabalhadores baianos aliciados para colheitas no Sul e Sudeste sob falsas promessas de boas condições de trabalho. “Transporta-se o trabalhador, alicia-se mediante falsa promessa e, ao chegar ao destino, ele é explorado. Por isso, vinculamos o tráfico de pessoas ao trabalho escravo”, explica.Tráfico humanoAlém do tráfico de pessoas para trabalho em condições análogas a escravidão, existe também um grande número de mulheres – cis e trans – que são traficadas para fins de exploração sexual, em especial para países da Europa, conforme Hildete.“Essas mulheres normalmente são traficadas sozinhas ou em duplas, no máximo trios. Como elas vão em menor número, por serem mulheres e por estarem em outros países acabam não fazendo a denúncia. Às vezes até conseguem fugir e voltar pra casa, mas não querem falar sobre o assunto e fazer a denúncia”, diz a coordenadora que atua na SJDH.A prática implica na subnotificação e invisibilidade desse tráfico de mulheres para exploração sexual. Hildete explica que muitas ficam com vergonha e medo de falar o que aconteceu. No caso dos homens vítimas de trabalho análogo a escravidão o cenário é diferente. “Eles vão em grupos maiores, com esses ônibus que chegam nas cidades pequenas e levam 20, 30, 40 de uma vez só. Estando em grupo e por serem homens a possibilidade de uma denúncia é maior”, comenta.O trabalho da SJDH tem foco na prevenção, no incentivo à denúncia e no pós-resgate, por exemplo, que articula as demais secretarias do estado para dar suporte às pessoas resgatadas. Neste momento a pasta acompanha 538 vítimas resgatadas, das quais apenas duas são mulheres vítimas de exploração sexual.“Isso não revela a realidade. É o que chegou denúncia, mas sabemos que o número é muito maior. Sem a denúncia a gente não consegue andar com processo. Precisamos de fato da denúncia e essa é uma realidade hoje que atinge a nossa população baiana”, afirma.O principal canal de denúncia para o tráfico de pessoas e outras violências é o Disque Direitos Humanos – Disque 100, que “qualquer pessoa que desconfiar de uma proposta de viagem de trabalho pra fora do país, fora do estado, pode fazer uma denúncia anônima e podemos fazer uma investigação a partir disso”, indica Hildete. Outro canal para o caso das mulheres vítimas dessa violência é o Ligue 180, que foi criado pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Ainda há o 190 para denúncias para a polícia.