Nova espécie de Copaíba é encontrada no Cerrado — Ampliando o conhecimento da biodiversidade na Bacia do Araguaia

por Rafael Barbosa Pinto, Indiara Nunes Mesquita Ferreira, Lorena Lana Camelo Antunes,
Mariana Pires de Campos Telles e Carlos de Melo e Silva Neto*
Especial para o Jornal Opção

A biodiversidade do Cerrado esconde segredos que a ciência ainda está desvendando. Um desses segredos acaba de ser revelado: uma nova espécie de planta, a Copaifera araguaiensis, foi recentemente descoberta e descrita pela nossa equipe na Bacia do Rio Araguaia. Essa descoberta não é apenas um nome a mais na lista da flora do Cerrado, mas uma prova do quanto ainda temos a aprender sobre nossa biodiversidade e da urgência em protegê-la. 

Mas por que conhecer novas espécies é tão importante? Embora a biodiversidade vá muito além do número de espécies que existem em uma determinada região e possui muitas facetas e dimensões, o primeiro passo na realidade é dar um nome, uma identidade, a elas! O conhecimento sobre elas impacta diversas áreas da ciência e da sociedade, tais como evolução, genética, ecologia, agricultura, farmácia e até a qualidade da água e do ar. Quando apontamos o Cerrado como um dos biomas mais diversos do mundo, estamos nos referindo à riqueza de espécies vegetais e animais que compõem seus ecossistemas e da importância de estudá-los para garantir sua preservação. Neste sentido, conhecer as espécies e seus ambientes de ocorrência é o ponto de partida para o desenvolvimento de várias outras frentes da ciência que vão influenciar diretamente na qualidade de vida das pessoas.

Como cientistas descobrem uma nova espécie?

O trabalho de descobrir e nomear uma nova espécie começa muito antes da coleta em campo e envolve cientistas taxonomistas treinados em identificar e descrever espécies. O reconhecimento de novas espécies passa pela experiência e conhecimento prévio destes cientistas que são capazes de realizar comparações morfológicas, anatômicas, genéticas e geográficas com as espécies já existentes, determinando se um grupo biológico já havia sido reconhecido por outros pesquisadores ao longo da história da ciência. 

Primeiramente, os pesquisadores obtêm as licenças necessárias, garantindo que a coleta seja feita de forma legal e responsável. No campo, amostras de plantas são coletadas, prensadas e catalogadas. Após a coleta, as amostras coletadas pela equipe de Botânica do Programa Araguaia Vivo (TWRA/FAPEG) e do PBio Araguaia (PUC Goiás/CNPq) são levadas ao Herbário, onde passam pelas análises detalhadas para comparação com espécies já conhecidas. 

Cada detalhe deve ser registrado pelos especialistas. Para cada coleta, o nome do(a) coletor(a) e seu respectivo número de coleta devem ser registrados. Em uma caderneta de campo são anotadas informações como habitat, tipo de crescimento, altura, cor das flores e frutos, etc. Posteriormente, os ramos são desidratados em estufa, a fim de produzir exsicatas para incorporação no Herbário, que é um acervo que contém uma coleção de espécies botânicas. No caso do Programa Araguaia Vivo 2030 e PPBio Araguaia, por exemplo, todas as plantas coletadas são preparadas para serem incorporadas no Herbário UFG, que armazena e preserva uma grande coleção de plantas de todo o Cerrado. 

O que torna a Copaifera araguaiensis uma nova espécie?

Após a coleta, as espécies são identificadas aos níveis taxonômicos de família e gênero, e quando possível, no nível de espécie. No caso de uma espécie coletada apresentar morfologia não-diagnosticada ou gerar dúvida na sua classificação, inicia-se um estudo detalhado de sua morfologia e distribuição geográfica para, enfim, definir o seu nome. Muitas vezes, quando nos deparamos com esses casos, o nome da espécie é investigado em estudos específicos do gênero, chaves de identificação e até mesmo com consulta a especialistas do grupo taxonômico de interesse. 

Se nenhum nome se encaixa à morfologia da espécie em questão, é necessário iniciar um outro tipo de investigação: a histórica. Assim, é preciso buscar em todos os estudos publicados para o gênero, incluindo aqueles bem antigos, para entender melhor quais as espécies do grupo estudado existem para a região coletada e suas delimitações morfológicas. Afinal, até onde vai uma espécie e se inicia outra? É necessário entender qual a morfologia diagnóstica do gênero, e o que delimita cada uma das espécies nele incluídas. Uma vez entendido o contexto do gênero delimitado, o conjunto de espécies do gênero que ocorre na região, reforçando as evidências que se trata de uma espécie que deve ser considerada como nova (por não se enquadrar a nenhuma das existentes), aí sim, o nome da espécie é definido pela equipe e um artigo para publicação deste nome é preparado. 

Na publicação que deve ser feita o novo nome é apresentado e justificado de acordo com as leis e recomendações do Código Internacional de Nomenclatura de Algas, Plantas e Fungos, que rege normas para correta publicação de nomes científicos desses grupos. Também é feita uma diagnose da espécie, descrição morfológica detalhada, discussão das semelhanças e diferenças com espécies afins, apresentadas fotos da espécie que evidenciem o habitat, forma de crescimento, morfologia das flores e dos frutos, bem como ilustrações científicas dos vários detalhes morfológicos. É indispensável para artigos de novas espécies que um espécime typus, conhecido com Holótipo, seja escolhido para servir como “modelo” que embase a morfologia daquele novo nome. No caso da Copaifera araguaiensis o estudo foi publicado na revista científica Phytotaxa, um dos principais periódicos científicos internacionais de taxonomia de plantas. Desta forma, o conhecimento levantado pelos botânicos está disponibilizado para a comunidade científica e população em geral, que pode acessar o trabalho que conta com descrições detalhadas da planta e seu ambiente de ocorrência, mapa de distribuição, fotografias de campo e uma tabela comparativa para que as pessoas interessadas possam entender melhor as diferenças morfológicas entre a Copaifera araguaiensis e outras espécies de Copaifera que possam ocorrer na mesma região.

Foto de um jardim

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Copaifera araguaiensis, uma nova espécie para o Cerrado, ilustrando o seu hábito arbustivo (A), a vegetação do Cerrado onde foi encontrada (B), sua inflorescência (C) e detalhes das flores (D) e detalhes do fruto (E)

Uma homenagem ao Araguaia

A nova espécie recebeu o nome de Copaifera araguaiensis em homenagem ao Rio Araguaia, região onde foi descoberta, durante uma das expedições do Programa Araguaia Vivo 2030 e PPBio Araguaia. Trata-se de um parente arbustivo da bem conhecida Copaíba, da mesma família botânica (Fabaceae) do feijão, soja e baru, que apresenta a maior diversidade de espécies no Cerrado. A planta foi encontrada inicialmente na Reserva Extrativista Lago do Cedro, uma unidade de conservação próxima a Aruanã (GO), mas acredita-se que possa ocorrer em outras áreas ainda pouco exploradas. O arbusto cresce em uma vegetação típica de Cerrado, porém em uma região onde ocorrem pequenas formações geológicas em forma de pequenos morros, com alagamentos sazonais. Estas áreas são conhecidas como “campo de murundus”, um tipo de fisionomia ocorrente na bacia do Araguaia, onde as dinâmicas de seca e chuva definem a vazão do rio e consequentemente a vegetação ao redor. 

O reconhecimento da “copaíba-do-araguaia” se deu por diferenças morfológicas em relação às outras espécies do mesmo gênero já conhecidas e catalogadas. Diante disso, novas expedições foram realizadas para que fosse possível acompanhar o desenvolvimento das flores e frutos, que são fundamentais para o estudo e diferenciação entre espécies do mesmo gênero.

Grupo de pessoas posando para foto

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Integrantes da equipe de botânica (A), ilustrando a montagem de prensa em campo (B) e a exsicata do holótipo de Copaifera araguaiensis (C)

Próximos passos: o que podemos esperar dessa nova espécie?

Nossa equipe de pesquisadores pretende continuar estudando a Copaifera araguaiensis para entender seu potencial ecológico e econômico. Análises fitoquímicas e genéticas serão conduzidas para avaliar suas propriedades e possíveis aplicações, que podem incluir desde fármacos até novos usos em conservação ambiental.

Cada nova espécie descoberta é um lembrete de que ainda sabemos pouco sobre nossa própria biodiversidade. No ritmo acelerado das mudanças ambientais e da expansão humana, corremos o risco de perder espécies antes mesmo de conhecê-las. A Copaifera araguaiensis é um símbolo da riqueza natural do Araguaia e da importância de continuar investindo em ciência para entender, preservar e valorizar nosso patrimônio natural.

A ciência promovendo informações para conservação

Além de ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade do Cerrado, a descoberta da Copaifera araguaiensis reforça a necessidade de investimentos em pesquisa e conservação, como o que está sendo realizado pela FAPEG, no caso do Programa Araguaia Vivo 2030, e pelo CNPq no caso do PPBio Araguaia. Muitas áreas da Bacia do Araguaia ainda são pouco estudadas, com muitas lacunas de conhecimento, e novas descobertas podem ter grande impacto para a ciência e para a sociedade, desde aplicações medicinais até estratégias de conservação da biodiversidade. Sigam nossas redes sociais (@ppbio.araguaia e @araguaiavivo) para ter uma visão mais ampla dos nossos projetos no Araguaia e dos muitos avanços que temos conseguido!

Rafael Barbosa Pinto – Professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), e pesquisador em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia (CNPq).

Indiara Nunes Mesquita Ferreira – pesquisadora em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia (CNPq).

Lorena Lana Camelo Antunes – pesquisadora em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia (CNPq).

Mariana Pires de Campos Telles – Professora da PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenadora geral do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia (CNPq); 

Carlos de Melo e Silva Neto – TAE do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), Professor associado do PPG em Recursos Naturais do Cerrado (RENAC) da UEG e pesquisador em Análise Integrativa da Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do PPBio Araguaia (CNPq).

 


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