Nova política de drogas deve mandar para rede de tratamento usuário pego com 40 g de maconha

RAQUEL LOPES E ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de descriminalizar o porte de maconha para quem estiver com até 40 gramas da droga ou seis plantas fêmeas, o usuário que for flagrado com essa quantidade terá a substância apreendida e deverá ser encaminhado para uma rede de tratamento.

O STF decidiu em junho de 2024 que não é crime portar até esse limite de maconha –a pessoa é enquadrada em uma infração administrativa, mas sem consequências penais. O tribunal ainda determinou ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), junto ao Executivo, que haja adoção de medidas para garantir o cumprimento da decisão.

Em decorrência disso, uma nova política está sendo elaborada pelo CNJ, em parceria com os ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Saúde. A resolução estabelecerá protocolos a serem adotados com o usuário, a conduta dos policiais e o destino da droga apreendida.

Uma das alternativas em estudo é o encaminhamento de pessoas flagradas com até 40 gramas de maconha, ou seis plantas fêmeas, para os chamados Cais (Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social).

Essa é uma estrutura desenvolvida pelo Ministério da Justiça.

Os Cais contam com equipes multidisciplinares para conectar os indivíduos a serviços essenciais que vão além da saúde. Eles atuam como a porta de entrada do sistema e, caso haja necessidade de atendimento médico, a pessoa pode ser encaminhada aos Centros de Atenção Psicossocial, vinculados ao Ministério da Saúde.

De acordo com a pasta da Justiça, há 96 Cais em diferentes estágios de implementação. Desse total, 22 estão estabelecidos ou têm parcerias firmadas para funcionamento em estados como Ceará, Distrito Federal, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Acre, Rondônia, Bahia, Amazonas e Mato Grosso do Sul.

Os outros 74 centros ainda estão em fase de preparação de convênios e parcerias.

Segundo Marta Machado, secretária Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, a equipe multiprofissional é composta por um psicólogo, um assistente social e um educador jurídico.

“A equipe realiza uma avaliação inicial para identificar se há um consumo que represente risco à saúde ou de outra natureza. A pessoa pode não ter problemas de dependência, mas pode estar exposta a outros tipos de vulnerabilidade. Usuários muitas vezes também enfrentam questões jurídicas, e, em alguns casos, isso impede o acesso a documentos ou a inclusão em programas sociais”, explicou.

A iniciativa se baseia no modelo português de encaminhamento de usuários. Em Portugal, as drogas seguem ilegais, mas quem porta até uma determinada quantidade é classificado como usuário e não é preso. Nesses casos, a substância é apreendida, e a pessoa, direcionada para a rede de atendimento.

A expectativa é publicar a resolução ainda em abril. O tema, no entanto, continua em debate, e o texto final ainda não foi fechado.

Um dos principais desafios é a quantidade insuficiente de Cais no país. Uma alternativa em análise é a implementação do atendimento por videoconferência, seguindo o modelo da telemedicina.

Segundo a decisão do STF, caberá aos Poderes Executivo e Legislativo assegurarem dotações orçamentárias suficientes para viabilizar programas de dissuasão ao consumo e a criação de órgãos para atendimento de usuários.

Enquanto o CNJ e o governo federal desenham as iniciativas, a competência para julgar as condutas ficará a cargo dos Juizados Especiais Criminais, seguindo a sistemática atual mas sem implicações penais.
Cristiano Maronna, advogado e diretor do Justa, afirmou que a decisão do Supremo reforça a ideia de que o usuário não deve ser tratado como criminoso. Em sua visão, adotar o modelo português é um caminho positivo, pois já demonstrou resultados eficazes.

“A política de Portugal é uma referência positiva. Em 2001, o país descriminalizou a posse de drogas para uso pessoal, criando uma estrutura administrativa capaz de absorver essa demanda e tratá-la sob uma perspectiva de saúde”, diz.

Matheus Rodrigues, coordenador do Instituto de Defensores de Direitos Humanos, ressaltou a importância de se atentar à forma como as abordagens policiais serão conduzidas. Segundo ele, a decisão do Supremo ainda deixa lacunas.

“Temos no Brasil um racismo estrutural, e sabemos que jovens brancos são menos abordados pela polícia do que negros. Se a abordagem policial não for reformulada, especialmente em relação às revistas relacionadas ao consumo de drogas, não veremos um avanço significativo”, afirmou.

Paralelamente a essa resolução, o Ministério da Justiça tem implementado iniciativas voltadas à prevenção e ao cuidado, baseadas em modelos bem-sucedidos tanto no Brasil quanto em outros países, segundo a pasta. O esforço inclui quatro projetos (Elos – Construindo Coletivos, #TamoJunto, Famílias Fortes e CQC – Comunidades Que Cuidam) que abrangem desde ações em escolas até orientações para famílias.

O ministério prevê um orçamento de R$ 300 milhões para a execução das ações neste ano.

O Supremo também determinou mutirões carcerários para revisar prisões em desacordo com os parâmetros do julgamento. Foram anuladas as faltas graves para 276 casos em uma reavaliação feita em 2024.

Atualmente, o CNJ está levantando processos relacionados a pessoas processadas ou condenadas por tráfico de drogas em desacordo com os critérios do STF. A conclusão dessa fase está prevista para o primeiro semestre de 2025.

Uma projeção do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indicou que, se o STF estabelecesse 25 gramas como limite para diferenciar usuário de traficante, 1% dos presos no Brasil seriam beneficiados. Contudo, o número exato de pessoas presas por porte de até 40 gramas ainda não está disponível.

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