Entenda o que é litigância climática, prática que leva crise do clima ao Judiciário

2021 02 11 rwe unterstuetzt ausdruecklich die co2 reduktionsziele der niederlande

GEOVANA OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

No último dia 17 de março, pela primeira vez na Europa, um tribunal começou a julgar se uma empresa deve ou não ser condenada por sua contribuição para as mudanças climáticas.

O caso de Saúl Luciano Lliuya, um agricultor peruano, começou em 2015, quando ele viu que o derretimento das geleiras andinas poderia alagar sua cidade natal. Como resposta, processou na Alemanha a empresa de eletricidade RWE, que nunca operou no Peru, mas é uma das maiores emissoras de dióxido de carbono do mundo.

A RWE, por sua vez, diz que não pode ser responsabilizada individualmente por uma consequência da crise global.

O embate é um dos principais exemplos de casos que levam a crise climática aos tribunais -prática conhecida como litigância climática.

O Grantham Research Institute em Mudanças Climáticas e Ambiente da LSE (London School of Economics) contabilizou ao menos 2.030 litígios em diferentes países desde 2015. O Brasil, que teve os primeiros registros de 2018 a 2019, já é considerado o terceiro país com maior número de casos (82).

As ações podem ser ajuizadas por uma pessoa contra uma grande empresa, como fez Lliuya, mas também por ONGs, órgãos públicos contra empresas ou mesmo partidos políticos e sociedade civil contra o governo.

As formas como a crise climática é abordada nos litígios também variam. Pode ser o tema principal, com partidos questionando uma política pública em relação ao clima, ou fazer parte do contexto, caso dos diversos litígios de desmatamento no Brasil. Os processos ainda podem ser amplos ou pontuais.

Em janeiro deste ano, um grupo de moradores de Perdizes, em São Paulo, usou a crise climática como um dos argumentos para que uma empresa não desmatasse um bosque para construir um condomínio.

Na ação civil pública, o Ministério Público de São Paulo afirma que o bosque fica em um terreno suscetível à erosão e cita que, no cenário de mudanças climáticas, a ocorrência de alagamentos se torna muito mais provável. O órgão reforçou que novas normativas urbanísticas mencionam a adaptação das cidades à crise climática.

O desmatamento, que já havia começado, foi suspenso por liminar.

A pesquisadora Joana Setzer, do Grantham Research Institute, afirma que a litigância climática é usada como uma estratégia para mudar políticas públicas, legislações e criar debate sobre os impactos das mudanças climáticas na sociedade.

“Tem muita litigância estratégica no mundo há centenas de anos. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando as crianças negras eram separadas das crianças brancas [nas escolas públicas], foi feita uma ação judicial para acabar com essa história. A ideia é usar a litigância como um um mecanismo para mudar a sociedade”, diz Setzer.

Apesar de não haver um consenso no judiciário sobre o peso da crise climática nos processos, há claro avanço nos países com maior número de litígios.

No Brasil, em julho de 2022, quatro partidos políticos (PT, PSOL, PSB e Rede) ajuizaram ação no STF pedindo a retomada do funcionamento do Fundo Clima (inoperante nos anos de 2019 e 2020), a proibição de contingenciamento dos seus recursos e o reconhecimento do dever jurídico do governo federal de enfrentar a mudança climática.

Na decisão, o STF entendeu que a proteção do meio ambiente e o combate às mudanças climáticas não constituem questão política, mas dever constitucional, supralegal e legal do governo e, como consequência, o governo precisou acatar os pedidos em relação ao Fundo Clima.

A Corte também reconheceu o Acordo de Paris como um tratado de direitos humanos, em decisão inédita no mundo.

No final de 2022, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou, em seu discurso na COP27, que havia uma importância crescente da justiça climática no âmbito das decisões do STF.

“É importante registrar que o direito a um meio ambiente saudável -e o dever de os governos enfrentarem a mudança climática- vem sendo crescentemente compreendido, pela jurisprudência e pela literatura, como um direito fundamental”, disse.”É tudo muito novo, tem que estar sendo discutido, mas acho que cada vez mais estamos avançando”, diz Carolina Garrido, coordenadora do Grupo Juma (Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno), da PUC-Rio.

O grupo contabiliza casos de litigância climática no Brasil e analisa as diferentes abordagens que utilizam o argumento como uma forma de ampliar a justiça climática -conceito que propõe uma divisão proporcional de investimentos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

Mas a litigância não é o mesmo que justiça climática, explica Garrido. Segundo ela, nos últimos anos, começaram a aparecer processos contra a proteção do clima, que também se encaixam como litigância climática.

“É uma ferramenta que pode ser usada por todos”, diz Garrido. Dentre 128 casos registrados pelo Juma, afirma, cerca de 6 buscam flexibilizar leis de proteção ambiental contra a crise climática.
Nos EUA, esse é um movimento crescente especificamente contra indivíduos, como cientistas, segundo Setzer.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.