Gutto Lemes: “No centenário do Art Déco, Goiânia pode receber atenção internacional por sua arquitetura”

O produtor cultural Gutto Lemes é criador do Goiânia Art Déco Festival, um dos fundadores da Sociedade Art Déco de Goiânia e um dos maiores divulgadores e educadores sobre a história arquitetônica de Goiânia. Desde 2004, o artista realiza exposições, palestras, seminários, passeios guiados com adultos e crianças no roteiro Art Déco da capital.

No dia 28 de abril de 1925, foi aberta a 1º Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas de Paris na França. Por isso, neste mês de abril, se celebra o centenário do movimento Art Déco, um dos movimentos decorativos, arquitetônicos e industriais mais importantes de todos os tempos. O Jornal Opção ouviu Gutto Lemes sobre o movimento arquitetônico histórico e sobre sua trajetória de mais de 20 anos trabalhando com o Art Déco em Goiânia.

Pra você, qual seria o prédio mais emblemático do movimento Art Déco em Goiânia?

Goiânia não tem monumentos, ela é o próprio monumento. Dito isso, a Torre do Relógio tem uma harmonia geométrica genial. A torre do relógio tem quatro faces e os edifícios do Centro são muito baixos, naquele momento não havia aquela urbanização toda, então se podia ver as horas de qualquer ponto dos prédios ao redor. É legal porque temos o horário ali no começo e no fim da Avenida Goiás, com o prédio da Estação Ferroviária, que também tem um relógio.

Goiânia Palace Hotel – Art Déco. Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

De onde vem sua paixão pelo Art Déco?

Está no sangue. Quando eu tinha 9 anos, morava no bairro Vila Nova, próximo à Pecuária, e estudava no Instituto Santo Tomás de Aquino, na Rua 55. Eu saia de lá à tarde com meu irmão mais velho, já falecido, e pegávamos carona na Maria Fumaça, próximo à pecuária, e pulávamos antes da estação ferroviária.

Eu via toda aquela movimentação na plataforma, pessoas entrando, saindo, comprando passagens, aquela correria toda. Me sentava próximo ao Monumento aos Trabalhadores, que foi destruído por motivos políticos em abril de 1969, por um grupo radical que integrava o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Me sentava ali e ficava olhando aquele prédio e achava incrível.

Depois disso, fui estudar no Liceu, que tem arquitetura eclética, com vários traços Art déco. O telhado tem uma característica colonial. Eu achava tudo isso interessante, mesmo sem a visão de arquitetura e da cultura. Era algo que já estava inserido em mim, começando a fazer parte da minha vivência.

Depois, quando me tornei um artista autodidata, mergulhei na questão. Em 2004 fiz meu primeiro projeto, que acabou virando um documentário: uma exposição no Grande Hotel com o primeiro registro tombado do Patrimônio de Goiânia, 21 desenhos arquitetônicos do traçado da cidade. A intenção era justamente incentivar crianças e adolescentes a valorizarem o patrimônio Art Déco da cidade.

Teatro Goiânia, em estilo Art Deco | Foto: Herbert Moraes / Jornal Opção

Como foi esse momento de início do festival e a evolução do evento?

No início, eu subia nos prédios, instalava faixas — tive de chamar um amigo para “fazer rapel”, e me ajudar a colocar as faixas. As ações geraram um documentário e uma mesa redonda. Aqueles eventos eram um embrião do Festival Art Déco. Eu já havia feito exposições de fotografias, realizado o primeiro seminário Art déco com o Sindilojas, e pensei em unir todos esses eventos em uma grande programação. 

Em 2016, me tornei guia de turismo especializado em Art Déco. Como eu sou da área de cultura, uni o aspecto turístico e educacional também. A Educação, para mim, é o processo mais rápido para qualquer mudança. 

Pedro Ludovico Teixeira já imaginava uma cidade Art Déco ou isso aconteceu por uma feliz coincidência?

Acredito que os fundadores se orientaram pelo que estava na moda naquela época. O estilo Art déco vivia seu momento com o modernismo, que combinava com o projeto de modernização do Brasil de Getúlio Vargas. Goiânia foi a primeira cidade planejada do Brasil do século XX, e inspirou construção de Brasília. É uma das cidades mais importantes do mundo.

Não sei se Pedro Ludovico tinha noção que vivia em uma “casa” estilo Art déco, mas certamente tinha noção de que vivia em uma “casa” de estilo modernista. A Semana de Arte Moderna de 1922 ajudou a difundir esses ideais. Infelizmente, o nosso patrimônio art déco está no centro da cidade que, como muitas outras capitais brasileiras, viveu a tragédia do abandono de seus bairros históricos. 

As pessoas sabem que esse patrimônio existe?

Não. Muitas pessoas de Goiânia, que nasceram e moram na cidade, não sabem o valor histórico e arquitetônico que têm no Centro.

O que falta para que o cidadão goiano descubra o tesouro Art déco da capital?

Educação. A educação a respeito do patrimônio deveria ter sido inserida nas escolas a partir do tombamento da cidade em 2003. Não existe outra cidade no Brasil com conjunto arquitetônico Art déco como o de Goiânia; isso já deveria ser motivo de educação patrimonial. Já fazem 22 anos do tombamento e não houve esse esforço. Educação é a melhor forma de inserir a comunidade dentro do contexto de preservação.

Estação Ferroviária em estilo Art Déco | Foto: Jornal Opção

O senhor faz essa divulgação nas escolas?

Sim. Faço tours pedagógicos com grupos escolares, tanto de crianças quanto de jovens e adultos.

Quais são as impressões desses estudantes?

Algo que sempre me espanta é o fato de que as pessoas desconhecem o termo Art déco. Já faço esse trabalho há muito tempo, o festival fará oito anos, e mesmo assim as pessoas se assustam com o nome. Algumas sabem que tem a ver com arquitetura, mas não conhecem profundamente.

Um comentário clássico que sempre ouço do turista goianiense: ‘Eu sempre passo de carro ou à pé, perto desse prédio aqui, e não sabia que ele era Art déco, que ele era tombado e que é  patrimônio importante de Goiânia.’

E após o tour, como reagem?

Primeiro vem a surpresa. A surpresa é uma coisa interessante. A pessoa está inserida no contexto local, ela mora ali, passa na frente daquele determinado prédio todo dia. A Art déco faz parte da vida das pessoas, mesmo de quem não sabem que é um patrimônio histórico. 

A maioria diz ‘Ah, eu vou começar a observar” ou “vou começar a procurar”, o que é algo estimulante. Perceber que consegui estimular a pessoa a olhar o contexto que a cerca em um simples passeio é satisfatório. A pessoa não precisa falar “Art déco” em francês; apenas assimilar o mínimo para valorizar o patrimônio da cidade já é satisfatório.

Mureta em estilo Art Déco do Lago das Rosas | Foto: Herbert Moraes / Jornal Opção

O que pode ser feito para tornar a Art déco mais valorizada junto à população?

Primeiro é a educação patrimonial. Isso tem que estar inserido já no ensino fundamental, no ensino superior, e principalmente nos cursos de Arquitetura e Design. Melhorar a manutenção é fundamental para preservar os monumentos e para demonstrar que há respeito público pela história e patrimônio da cidade. Sem isso, há desvalorização por parte das pessoas também.

A divulgação é muito importante: vem com a promoção, a atração de turistas, o abraçar da bandeira de que esta é capital brasileira do Art Déco. Chega de Goiânia ser só do sertanejo, porque não é só isso. Goiânia é muito mais. 

Pensar em formas de o público interagir um pouco mais com o patrimônio, também é fundamental. Só assim vamos cultivar no goianiense o pertencimento. Eu faço, por exemplo, o festival em vários prédios Art déco cujo valor histórico as pessoas desconhecem. Por fim, acredito que o poder público poderia participar ativamente como personagem que pudesse viabiliza tudo isso.

O poder público já faz algo neste sentido?

O Estado está fazendo o seu dever de casa, que é a restauração dos prédios que compõem a Praça Cívica. Agora, a Prefeitura deixa a desejar, e parou no tempo. A última obra realizada foi a restauração da Estação Ferroviária em 2019. De lá pra cá, vários prédios  precisaram de maior atenção e cuidado, como a Biblioteca Cora Coralina que tem muitos problemas como infiltrações. A própria Estação Ferroviária tem novas infiltrações. Tem  algumas coisas lá que precisam ser olhadas com carinho.

Falta fiscalização?

Muita, principalmente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas o principal fiscal deveria ser o cidadão. Ele só vai ajudar a fiscalizar quando começar a amar e entender o valor disso tudo. Uma ação solitária como a minha encontra muitas dificuldades. Não existe orçamento, nem equipe e muito menos uma pasta com o apoio do poder público.

Então, é um trabalho árduo, que exige antes de tudo muito amor. Gostaria de poder ajudar mais porque nenhum outro local tem uma característica como a cidade de Goiânia que foi  toda construída e edificada nesse estilo. Quem sabe agora, no centenário do movimento Art Déco, Goiânia se torne a vitrine do país internacionalmente e tenha enfim os olhos do mundo voltados para nós.

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Patrimônio Art Déco de Goiânia reúne 22 construções | Fotos: Jornal Opção

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