Itamar Vieira Junior: “Toda expressão artística é política”

O escritor baiano Itamar Vieira Junior é uma das atrações da 10ª edição do Fronteiras do Pensamento, que, neste ano, promove reflexões sobre a relação entre indivíduo e sociedade à luz da psicologia e da literatura. O evento começa nesta terça-feira, 8, e vai até a quarta-feira, 9, no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador. O autor de ‘Torto Arado’ vai participar de uma mesa no segundo dia, ao lado do também escritor Jeferson Tenório (‘O Avesso da Pele’).Em entrevista ao A TARDE, Itamar destacou a relevância do evento e importância de Salvador ser colocada como um polo de pensamento crítico e de encontros como esse. “Salvador sempre foi esse celeiro de pensamento, essa ebulição cultural, sempre muito presente, muito forte. A cidade carrega essa vocação. E Salvador tem uma importância histórica para o país”, destacou.

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Na oportunidade, o escritor também falou sobre o sentimento de ter vencido o prêmio de Romance Literário na 66ª edição do Prêmio Jabuti com o livro ‘Salvar Fogo’. “Foi uma alegria! Principalmente porque, no último ano, na categoria de Romance Literário, haviam dois baianos, que era o meu, ‘Salvar o Fogo’, e o romance de Luciany Aparecida, ‘Mata Doce’. Dois romances finalistas. Isso mostra a força e a potência da nossa arte, da nossa criação”, enfatizou.O Fronteiras do Pensamento surgiu em 2006, em Porto Alegre, e dois anos depois, passou a ser realizado também em Salvador. Desde então, através do evento, a capital baiana já recebeu nomes como o escritor português Valter Hugo Mãe, o cineasta alemão Wim Wenders e o sociólogo francês Edgar Morin. Neste ano, além de Itamar e Jeferson na quarta, o Fronteiras do Pensamento conta com Alexandra Coimbra e Ana Suy na programação do primeiro dia. O projeto conta com o apoio de mídia da A TARDE FM e do Clube A TARDE. Os ingressos estão disponíveis no Sympla.Confira a entrevista completaA TARDE: Você é um dos profissionais convidados para compor a 10ª edição do Fronteiras do Pensamento, que, este ano, promove reflexões sobre a relação entre indivíduo e sociedade à luz da psicologia e da literatura. Na sua avaliação, qual a importância de colocar esse tema no centro de um debate?Itamar Vieira Júnior: Eu acho importantíssimo. A literatura não é uma expressão artística apenas para a fruição. Ela permite que a gente reflita sobre o nosso passado, o nosso presente e sobre o que queremos como futuro.Em um mundo que, de alguma maneira, promove a morte da alteridade, se observarmos o que tem acontecido à nossa volta — a hostilidade aos imigrantes nos Estados Unidos, na Europa, o mundo dividido em bolhas ideológicas que não se comunicam —, a literatura vai de encontro a tudo isso, porque ela sempre está nos convocando para ler sobre o diferente, pensar sobre o diferente, viver a vida do outro. A literatura é um instrumento poderoso de comunicação entre os indivíduos. É algo que faz a diferença na sociedade.As suas obras possuem um teor social muito forte. E essa é uma das características que fazem o seu trabalho se destacar tanto e se encaixar nesse debate sobre indivíduo e sociedade. Na sua opinião, é possível desvencilhar a literatura da sua função social e das reflexões psicológicas?Eu acho que toda expressão artística é política. Nós somos seres essencialmente políticos e não há vida apartada do nosso meio social, do nosso ambiente social, da nossa história e da nossa trajetória. Para mim, é difícil, seria como se as personagens vivessem em um palco que é apenas um cenário.As minhas histórias são feitas de personagens vivos, que espelham a nossa vida, e a nossa vida não ocorre apartada do mundo, da política, do meio social onde nós vivemos. Para mim, seria impossível, mesmo quando a gente se volta para aquilo que é mais íntimo, a nossa experiência íntima é moldada pelo mundo em que vivemos, pela nossa história, trajetória, pelo mundo que nos cerca.A edição deste ano propõe refletir sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade. Como essa relação aparece nos seus personagens e nos dilemas que eles enfrentam?De muitas maneiras. Para mim, toda história sempre começa com um personagem. Nós costumamos observar uma pessoa como um indivíduo, mas se a gente for à etimologia da palavra, nós não existimos de uma maneira solitária. A nossa vida está enredada por essa trama que é feita de outros personagens.Um personagem sempre convoca outros personagens para explicar e justificar seu mundo. Ao mesmo tempo, a história desse personagem nunca é uma história apenas dele, é uma história que de alguma maneira representa a história de uma coletividade dentro da sua experiência pessoal, intransferível, mas também é uma história que pertence à coletividade.Acho que é dessa maneira que podemos estabelecer essa ponte entre o eu e o nós, o nós do coletivo, entre o indivíduo e a sociedade. Entendendo que a nossa vida não existe por si só, ela está conectada a tudo e a todos.O Fronteiras do Pensamento convida à escuta e ao questionamento. Qual tem sido, para você, o maior desafio — e a maior recompensa — de escutar o Brasil profundo nas suas pesquisas e transformá-lo em ficção?O interesse por tudo que diz respeito a nós, que diz respeito à nossa humanidade e à nossa coletividade, que eu vou chamar de coletividade brasileira, essa que é mais imediata, que diz respeito à nossa sociedade, trajetória e história. Acho que durante muito tempo, a sociedade e a arte tiveram um olhar limitado sobre o mundo à sua volta.E sempre me interessou não aqueles que projetaram grandes monumentos, que planejaram cidades, eu queria ir na fração dessa história, saber quem de fato carregou essas pedras, quem ergueu esse país. E para entender tudo isso, eu preciso, de alguma maneira, me pôr nessa posição de escuta, de viver a vida do outro, de tentar entender a sua experiência, sem pré-julgamentos. Me colocar inteiro a serviço dessa compreensão.O Fronteiras do Pensamento acontece em Salvador desde 2008. Como escritor baiano, qual é a importância de ver sua cidade como polo de pensamento crítico e de encontros como esse?Salvador sempre foi esse celeiro de pensamento, essa ebulição cultural, sempre muito presente, muito forte. A cidade carrega essa vocação. E Salvador tem uma importância histórica para o país, porque é uma cidade antiga, foi capital por mais de dois séculos, carrega as marcas da nossa história, da nossa trajetória, carrega as marcas de um passado colonial que ainda persiste no nosso presente, da diáspora e de todas as mazelas que envolveu essa diáspora africanas.Salvador sempre está de alguma maneira inspirando as artes, a história e os pensadores. Então, para mim, é um momento muito especial, ainda mais porque eu sou soteropolitano. Essa cidade realmente nos atravessa de uma maneira muito viva, muito intensa. Ela é carregada de sentido. E poder, de alguma maneira, compartilhar isso com a audiência da cidade é sempre muito prazeroso.Você foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2024, na categoria de Romance Literário. Fala um pouco sobre o sentimento de trazer um prêmio tão importante da Literatura para Salvador.Foi uma alegria, principalmente porque, no último ano, na categoria de Romance Literário, haviam dois livros baianos, que era o meu, ‘Salvar o Fogo’, e o romance de Luciany Aparecida, ‘Mata Doce’. Dois romances finalistas. Isso mostra a força e a potência da nossa arte, da nossa criação.Por muito tempo, as editoras só publicavam autores do eixo Rio-São Paulo, vivíamos à margem. A Bahia sempre teve grandes autores que engrandeceram a nossa literatura. Basta pensar em Jorge Amado, que ainda é uma potência, grande referência literária brasileira no mundo; o João Ubaldo Ribeiro e tantos outros. Sinto que não é algo que eu carrego sozinho. Pertence à Bahia.Uma das adaptações mais comentadas de sua obra é ‘Torto Arado – O Musical’, que foi amplamente elogiada pela crítica e pelo público. Acredita que adaptações como essa é uma maneira de levar a sua obra para um público que o livro não alcançaria?Com certeza. É uma outra linguagem, do teatro, do espetáculo. Muitas vezes, as pessoas chegam a uma obra literária por esses desdobramentos, basta ver o que aconteceu, por exemplo, com o livro ‘Ainda Estou Aqui’, de Marcelo Rubens Paiva. Ele lançou o livro há 10 anos, e só agora teve a adaptação cinematográfica potente que trouxe o Oscar de Melhor Filme Internacional para o Brasil. Depois disso, o livro se tornou um best-seller, chegando a um público que não havia acessado antes. A literatura não tem fronteiras, ela pode se desdobrar em muitas coisas. Isso é muito bom. Foi dessa maneira que eu vi a adaptação para o teatro.Ainda sobre ‘Torto Arado’, existe uma expectativa grande por parte dos fãs do livro por uma possível adaptação para TV. Você já disse que o seu foco é na literatura, mas gostaria de saber qual a sua avaliação essa onda de adaptações de obras literárias para o audiovisual. Quais são os pontos positivos e negativos na sua opinião?Eu confesso que não tenho acompanhado muita coisa nesse cenário de adaptações. Vez ou outra eu sou instigado a assistir. Sempre vai acontecer de ter boas adaptações, outras não tão boas. Mas essa coisa da adaptação já existe há muito tempo. Talvez, hoje ela exista com mais intensidade.Jorge Amado já era um autor popular, mas eu tenho certeza que ele ficou ainda mais popular quando as obras dele passaram a ser adaptadas para o teatro, cinema e, sobretudo, para a televisão, que era esse meio de comunicação tão poderoso e que comunicava com quase toda a família brasileira. Com certeza, as adaptações despertaram o interesse dos leitores.E assim como tudo na vida, há livros bons e ruins, há adaptações boas e ruins. É uma faca de dois gumes. Mas o que é mais importante é que vai despertar certamente o interesse dos leitores.Recentemente você se aventurou na literatura infantil com o livro ‘Chupim’, que é um spin-off de ‘Torto Arado’. A gente vai ver Itamar Vieira desbravando outras vertentes mais uma vez? Se sim, quais?Olha, eu vou experimentando uma coisa de cada vez. Eu espero voltar a escrever para a infância. Nesse momento, eu tenho escrito para adultos outra vez. Vamos ver! Eu não faço ideia. Eu deixo as coisas acontecerem, esse impulso me levar para onde eu preciso ir.

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