Maravilha de goleador

fio maravilha

O Ceub ficou famoso por formar times com “coroas” que já haviam encerrado o seu ciclo nos grandes times. Mesmo assim, os caras chegavam por aqui e ainda incomodavam, casos do meia Cláudio Garcia, ex-Flu, Odair Barchi, ex-Atlético-MG, Dario Paracatu, ex-Palmeiras, Rildo, ex-Santos, e muitos outros, para não ir longe. Mas dessa turma veterana, o cara que mais mexeu com a galera foi o atacante, Fio, imortalizado pelo então Jorge Bem como “Fio Maravilha”, num balanço que incendiou o País num desses muitos festivais de música popular brasileira dos anos 70.

João Batista de Sales, o Fio, mineiro, de Conselheiro Pena, onde nasceu, em 19 de janeiro de 1945, era sempre um papo alto astral. Com aquele seu jeitão, sempre alegre, de “mineirinho come-quieto, quando ö técnico Raimundinho (Antônio Fabiano Ferreira) encerrava os trinos e a turma sugeria almoçar algum cardápio em moda na Asa Norte, Fio avisava logo: “O meu prato predileto é o fundo”. Moreira, um meia que chutava mais forte do que tiro de canhão, as vezes, encarnava no Fio, ameaçando pesquisar a origem daquele apelido, pois sacaneava dizendo não saber se era fio de lã, condutor de eletricidade, e desfilava sacanagens. Fio sorria e respondia: “Não sei como surgiu, mas deve ser um fio filho do filho. Criação caseira, pois desde que nasci deu sou um fio elétrico, jamais recapado”. Nílson Nélson, Jorge Martins e Sérgio Oliveria, Adílson Peres (presidente que não perdia um treino) e Carlos Romeiro (supervisor) riam, e Fio ainda ria muito mais que nós todos. Era uma graça, o cara.

O Flamengo foi o clube que lançou Fio para o sucesso, lhe dando a primeira chance como titular em 1967, quando Walter Machado Silva foi para o futebol europeu. Alguns o achavam um craque, outros um cabeça-de-bagre. Mas o que importava mesmo eram suas jogadas malucas, que divertiam a torcida. Fio curtia quilo tudo: “Desde os meus 16 de idade, quando comecei a perseguir a bola, lá na terrinha, jogando por um time chamado Juventus, que eu era um divertidor. Era meia-esquerda, onde gostava de jogar, mas não tinha nem meia”. Por ali, Adílson Peres, presidente do Ceub , piscava um olho pra gente e soltava a gargalhada.

Fio apareceu no Flamengo, em 1961, levado por um tal de Deusdedt, que já havia levado o irmão Germano, e foi direto para o time infanto-juvenil. Assinou o seu primeiro contrato, em 1965, por duas temporadas, ganhando antigos CR$ 300 mil cruzeiros mensais, sem luvas (parcela que os jogadores ganhavam além do salário). Raimundinho, o treinador que caiu no Ceub por causa de desentendimentos com Fio, dizia que o peso ideal do atacante era 72 kg , pois media 1,74m – engordava com uma facilidade impressionante.

Fio era jogador para ser curtido, não cobrado. Por isso, Adílson Peres cobrava sua escalação. Sem ele, a torcida chiava. Quem pegar os jornais de 1976 verá manchetes como : “Jogada maluca de Fio dá a vitória ao Ceub”. Um dia, disseram a Raimundinho que Fio era frequentador assíduo dos Sambão do Bancrevea, famosos na década-70 em Brasília. O treinador foi conferir, viu que era verdade e mandou seu pupilo para o banco dos reservas. Adílson Peres chiou e Raimundinho perdeu o emprego.

Fio dizia que tinha uma barca nos pés – calçava 43 – e que era capaz de fazer uma festa no Céu. “Não tenho santo de devoção, pra fazer a praça com a galera toda lá de cima”, brincava. Ela adorava música, cinema e verduras.

Fio dizia que só não fora ídolo da torcida flamenguista mais cedo porque, durante o Torneio Rio-São Paulo de 1964, o técnico Flávio Costa achara que ele renderia bem pela ponta-direita. “Não deu certo. Só em 66, com Silva na seleção, tive outra chance, mas me tacharam de displicente. Discordo, pois o meu forte era a velocidade, disputando a bola na corrida. Não dava pra ser dorminhoco em campo”, defendia-se.

Fio dizia, também, que preferia ser marcado por defensores durões, que sempre iam de primeira, tentando ganhar a bola na força, usando o corpo. “Eles eram mais fáceis de serem driblados. Difíceis eram os caras que iam cercando, cercando, e roubavam bola na categoria, em seu primeiro descuido. Mas a bola amava mais esse neguinho aqui. Não tinha jeito de ser infiel”, botava todo mundo pra rir. Fio era uma graça.

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