Tabagismo contribui indiretamente para doença renal crônica, aponta estudo

MAYALA FERNANDES
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS)

O tabagismo, embora não esteja diretamente associado à DRC (doença renal crônica), pode acelerar sua progressão por meio de condições como diabetes e hipertensão. É o que revela um estudo conduzido pela Universidade de Pequim com base em dados de mais de 500 mil participantes da coorte UK Biobank, combinando análises observacionais com a técnica de randomização mendeliana (MR).

“A randomização mendeliana mostrou que o tabagismo não causa diretamente a DRC. Ele está implicado em mecanismos como diabetes e hipertensão, que são fatores de risco conhecidos para a doença renal”, explica Patricia Taschner Goldenstein, nefrologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Ela acrescenta que o cigarro pode causar danos aos rins por diferentes vias, como o aumento do estresse oxidativo, que causa lesão do rim e promove ou acelera uma DRC, e a inflamação crônica, que pode causar danos irreversíveis aos rins. “O cigarro também pode causar uma lesão no endotélio [tecido que reveste interiormente vasos sanguíneos e linfáticos], dificultando a dilatação das artérias renais, o que reduz o fluxo de sangue e oxigênio para os rins”, afirma.

Além disso, o fumo contribui para o aumento da pressão arterial, uma das principais causas da DRC, e eleva a perda de proteínas pela urina, indicando risco de comprometimento da função renal a longo prazo.

Marcus Faria Lasmar, nefrologista da Rede Mater Dei de Saúde, destaca que o estudo analisou material genético de origem europeia, o que limita sua aplicabilidade em populações mais diversas. “A pesquisa tem um viés importante que é a questão genética, informações como o tipo de alimentação da população interfere na saúde do paciente e, consequentemente, no resultado das pesquisas”, diz ele.

A professora Luxia Zhag, coautora do estudo, enfatizou que são importantes estudos mais detalhados em populações diversas para entender a interação entre o ato de fumar e a DRC. “Embora o tabagismo seja um fator de risco significativo para a saúde, sua função direta no desenvolvimento da DRC ainda precisa ser investigada”, diz.

Impacto do tabagismo na saúde renal

Os rins desempenham um papel importante na eliminação de toxinas e na regulação do equilíbrio de fluidos no corpo. Estudos anteriores associaram o fumo à progressão de condições como nefropatia diabética e glomerulonefrite, além de acelerar a evolução da DRC para estágios mais graves.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) avalia que, globalmente, a DRC afeta cerca de 10% da população e é responsável por aproximadamente 2,5 milhões de mortes por ano. No Brasil, a prevalência estimada em adultos é de 6,7%, triplicando em pessoas com mais de 60 anos. A doença está associada a maiores riscos de doenças cardiovasculares e insuficiência renal terminal.

“A maior causa da DRC no Brasil é a hipertensão”, diz Lasmar. “A população brasileira tende a ser mais hipertensa porque não se trata adequadamente ou porque temos uma alimentação com uma maior quantidade de sal.”

Outro estudo, realizado no Brasil, reforça a correlação entre tabagismo e progressão da DRC. A revisão sistemática incluiu estudos com adultos que relacionam o ato de fumar à piora da função renal. Foi identificada uma relação positiva mais significativa em fumantes com carga tabágica superior a 15 maços por ano.

“Pessoas diabéticas e hipertensas que fumam aceleram a perda da função renal e, se continuarem fumando, vão entrar mais rápido em hemodiálise”, afirma Ubiracé Fernando Elihimas Júnior, autor do estudo e doutor em Ciências da Saúde pela UPE (Universidade de Pernambuco). Segundo ele, se a pessoa é hipertensa, diabética ou obesa o cigarro é proibitivo.

Políticas de saúde e prevenção

No Brasil, aproximadamente 157 mil pessoas morrem anualmente devido a doenças relacionadas ao tabaco, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer). A exposição à fumaça do cigarro, que contém mais de 7.000 substâncias tóxicas, também é associada a mais de 50 enfermidades, incluindo doenças renais.

O país conta com uma política antitabagista implementada no SUS (Sistema Único de Saúde) em 2005.

Desde então, o número de fumantes vem diminuindo. De acordo com a OMS, o Brasil obteve uma redução de 35% no consumo de tabaco de 2010 a 2022.

Apesar dos avanços, Goldenstein, nefrologista do Hospital Israelita Albert Einstein, defende maior investimento na prevenção e ampliação do acesso a tratamentos antitabagistas.

“Temos uma política sólida para tratamentos caros da DRC pelo SUS, mas ainda faltam nefrologistas nos postos de saúde para atuar na prevenção”, afirma. “A política antitabagista também é uma forma de prevenção e ainda temos muitas pessoas que não têm acesso a esses programas.”

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