Caso Rubens Paiva aguarda desde 2014 decisão do STF sobre punição a militares

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ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Depois de 54 anos, um dos mais conhecidos crimes da ditadura militar ainda não tem definição sobre a possibilidade de punir os acusados, hoje protegidos pela Lei da Anistia.

Um dos recursos relacionados à morte do ex-deputado Rubens Paiva foi encerrado no último dia 9 no STF (Supremo Tribunal Federal). O outro, apresentado em 2021, ainda não teve decisão.

Os dois processos tratam do mesmo tema e são relatados pelo ministro Alexandre de Moraes. Por meio do caso, o STF pode ainda rever a abrangência da Lei de Anistia. O Ministério Público Federal provocou a corte em uma das ações para argumentar que determinados crimes cometidos pela ditadura não podem ser anistiados.

Em 21 de novembro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestou pelo encerramento de um dos processos, aberto pelos advogados dos réus, sob o entendimento de que parte dos envolvidos já morreu. O pedido foi acatado pelo relator. Por outro lado, o PGR afirmou que a discussão deve seguir na outra ação, que questiona a anistia dos militares.

O assassinato de Rubens Paiva e a resposta do Estado ao crime vêm gerando debates nos últimos meses na esteira do sucesso do filme “Ainda Estou Aqui”, que foi indicado ao Oscar de melhor filme nesta semana e que retrata a trajetória da viúva Eunice Paiva na busca por justiça.

Os acusados de matar o ex-deputado foram ao STF para tentar barrar a ação que corria na Justiça Federal no Rio de Janeiro, sob a justificativa de que o processo afrontaria a Lei da Anistia.

Desde o pedido da defesa dos réus, em 2014, tres dos cinco autores morreram: Rubens Paim Sampaio, em 2017; Jurandyr Ochsendorf e Souza, em 2019; e Raymundo Ronaldo Campos, em 2020.

Jacy Ochsendorf e Souza e Jose Antonio Nogueira Belham estão vivos, mas a ação penal contra eles está trancada por uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O MPF recorreu do trancamento ao Supremo em 2021.

O procurador-geral defende a continuidade da discussão do caso nesse recurso. De acordo com o pedido, decisões da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) distinguem crimes políticos dos de lesa humanidade, que não poderiam ser protegidos pela Lei da Anistia.

Na prática, o órgão reforça uma tese apresentada à corte outras duas vezes, mas sem julgamento há mais de uma década. Essa diferenciação permitiria o julgamento de militares e civis que fizeram parte da repressão.

O MPF entende que o período histórico não foi devidamente passado a limpo. Ainda, argumenta que o Supremo pode avaliar que não deu um recado claro o suficiente no julgamento que validou a Lei da Anistia, em 2010, e considera importante reforçar que militares devem ser mantidos distantes da política.

“A matéria questionada envolve, na verdade, a própria incompatibilidade da Lei de Anistia com o ordenamento constitucional brasileiro e com as normas internacionais de proteção aos direitos humanos, já reconhecida pelas condenações sofridas pelo Estado brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, diz Gonet, numa das manifestações.

Assessores da corte e integrantes do Ministério Público ouvidos pela reportagem avaliam que a ação seria uma oportunidade para dar mais clareza às consequências de atentados contra a democracia. O processo de Rubens Paiva teria o potencial de provocar a revisão dos termos da anistia pela ideia do crime continuado.

No caso concreto do ex-deputado, trata-se do crime de ocultação de cadáver: o Estado brasileiro ainda deve a informação do local do corpo de Rubens Paiva. Por isso, segundo a Procuradoria, o crime não poderia ser anistiado.

A anistia não voltou a ser debatida pelo STF desde a decisão de validar os termos definidos em 1979, pelo último presidente da ditadura, o general João Figueiredo. A decisão de 2010 protegeu agentes que reprimiram a resistência e opositores que tenham cometido crimes no período de exceção. Parte do debate, no entanto, ficou pendente.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) questionou trechos da decisão em que o Supremo validou a anistia a torturadores da ditadura e o PSOL entrou com pedido semelhante em 2014: querem a não aplicação da anistia a crimes praticados por agentes públicos do regime.

Na ação do PSOL, relatada pelo ministro Dias Toffoli, os despachos do relator nos últimos seis anos são somente sobre questões secundárias. Nunca houve decisão no processo. O recurso da OAB está parado no tribunal há 12 anos.

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